São Nicolau - um Natal de Sodad/di Sodadi

PorPaulo Veiga,23 dez 2024 8:29

São Nicolau foi um Bispo católico de ascendência grega e de origem italiana, e que professou a sua vida em terras da atual Turquia. Num império romano já na sua fase final, e apenas no terceiro século após Cristo, São Nicolau recebeu a autoria de alguns milagres, mas ficou para a história como um Santo que distribuía presentes.

Esta sua vocação criou a lenda de São Nicolau associada ao Natal e ofereceu a eternidade a um Bispo padroeiro de crianças, mercadores e marinheiros.

Quase dois milénios depois, também Cabo Verde tem o “seu” São Nicolau. Eu sei que, para mim, Cabo Verde é, em muitos temas, um dos centros do Mundo. É uma mistura do meu orgulho cabo-verdiano, com uma crença inabalável da força do nosso Povo e da sua unicidade. Esta convicção tem a força de uma História única e de uma Nação que é muito maior que as suas ilhas.

Curiosamente, a ilha de São Nicolau foi descoberta em Dezembro, mais concretamente a 6 de Dezembro de 1461, e foi por esta data mágica que a nossa ilha recebeu este nome. São Nicolau (o Santo) morreu a 6 de Dezembro do ano de 343. Mais de 1100 anos depois, o Mundo viria a conhecer um novo São Nicolau que ainda hoje oferece presentes a todos os que lá vivem e o visitam.

O “nosso” São Nicolau é, também “ele”, cheio de lendas e histórias. “Mãe” da nossa música, “filha” das nossas lendas e padroeira dos nossos mistérios, São Nicolau é a terra que nos deu uma aura que é só nossa e que vive em cada cabo-verdiano no silêncio de cada suspiro: a sodad.

Cabo Verde - um Natal de Sodad/Sodadi

Para um povo como o nosso, o mar é uma autoestrada para o Mundo. E se as nossas ilhas são a casa de quase meio milhão de cabo-verdianos, o Mundo é o lugar de vida de mais de um milhão e meio de filhos das nossas ilhas. São cores, sons e tradições forjadas nas praias do Sal, nas falésias da Brava ou nos ventos quentes de São Filipe.

Espalhados por todos os continentes, os filhos do sangue destas ilhas mágicas, partilham entre eles algo ainda mais forte nesta época do ano. O Natal é um momento de família, de partilha, de esperança e de tradições. Para quem está longe das suas praias, é um momento marcado na nossa música e nos nossos poemas e que transborda para lá das nossas fronteiras. Este é um momento de saudade e, acredito, possa ser um momento de esperança.

Por ser um momento de saudade, também é, em si mesmo, um momento de união. Uma união mais forte que qualquer palavra. Somos um país pequeno em tamanho, mas grande no seu povo e com dimensão cultural para termos duas saudades, a do Norte (sodad) e a do Sul (sodadi). E se a palavra varia uma letra, o seu significado e força estão unos na sua dimensão, e representam a diversidade de Cabo Verde. Um povo de várias raças, um povo de vários continentes, um povo de vários oceanos, mas um só povo.

É este o povo com que entramos em 2025. Bem sei que os sinais deste nosso Mundo, e os sinais deste nosso país trazem ventos de desafios e tempestades no horizonte. Mas também conheço a força, o carácter e a determinação do nosso Povo. As nossas Pessoas são um marco de resiliência e de uma força que não se esgota na dor, mas perdura no sorriso. É por isso que neste Natal, acordo com uma convicção, tão forte como esse sorriso, que o futuro é de esperança e de superação.

Um novo ano, uma nova esperança

Como cabo-verdianos que somos, temos em nós uma coragem que nos impede de virar a cara ou de enterrar a cabeça na areia como faz a avestruz. Temos a noção dos problemas que sentimos, temos de ter a coragem de os enfrentar de frente, de olhar para eles nos olhos e de afirmar, a plenos pulmões, que apenas novas soluções podem resolver novos problemas.

O Mundo atravessa um momento difícil. Após a pandemia, e com as economias devastadas e as sociedades a recuperar de algo nunca vivido, o nosso Mundo entrou em guerras e alterações políticas severas que agravaram a vida das pessoas. E se o nosso país está longe destes conflitos, também não nos podemos esquecer que somos um país importador de quase tudo e esse “quase tudo” também se importa nos preços.

Claro que os nossos jovens não estão em nenhuma guerra, mas vivem com os preços dos produtos que essa economia de guerra agrava. Todos sabemos que não sofremos com uma emigração em massa, mas as nossas ruas começam a ter uma sensação de alguma insegurança. O nosso país não sofre com os novos populismos, mas podemos ver o ataque às instituições que crescem entre nós.

Um novo ano é também uma oportunidade para uma nova esperança. Cabo Verde e as suas pessoas merecem essa esperança e há capacidade para a concretizar.

Se somos um país que importa bens devemos ter a capacidade de exportar serviços e talento, sem que esse talento tenha de sair das nossas ilhas. Se somos um país que sofre com a perda do poder de compra, temos de ser um país que apoia as pessoas e que cria condições para um crescimento económico sustentado. Se somos um país onde os excessos começam a surgir, temos de ser um país que aposte na educação e no futuro dos jovens, dando-lhes um caminho longe de vícios e desvios.

Nós podemos ser esse país, nós somos esse povo, nós temos essas pessoas.

Para quem vive numa luta diária, um novo ano pode ser algo aterrador. Para quem acredita, para quem tem a capacidade de mudar algo pelos outros e para os outros, um novo ano pode (e deve) ser uma Visão de futuro e para um futuro. Tenho dito ao longo dos tempos que Cabo Verde tem o melhor património do Mundo: as suas Pessoas. Este é o momento de apostar nessas pessoas, de focar todas as nossas forças nas pessoas e de construir um Cabo Verde melhor, mais próspero, mais inclusivo e mais solidário.

Nesta época de Natal, neste momento de final de um ano e início de um novo, desejo a todos os cabo-verdianos que tenham esperança, que lutem por essa esperança, que quem sente a nossa sodadi possa regressar ou apoiar essa mesma esperança e que este novo ano nos traga a todos um dia melhor.

Há alguns anos atrás, Nelson Mandela escreveu “a esperança é uma arma poderosa e nenhum poder no mundo pode privar-te dela”. Essa deve ser a nossa força, a força de um povo e de uma nação que olha para o futuro unido e com esperança. Que estejamos unidos nesta mudança e que coloquemos nos nossos desejos de Natal e nos nossos corações a esperança de um povo para que 2025 seja um ano de sodadi.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1203 de 18 de Dezembro de 2024.

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Autoria:Paulo Veiga,23 dez 2024 8:29

Editado porSara Almeida  em  23 dez 2024 8:29

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