André Álvares de Almada, o primeiro cabo-verdiano cavaleiro da Ordem de Cristo

Jorge Cólogan y González-Massieu, Doutor em Direito
Jorge Cólogan y González-Massieu, Doutor em Direito

​Conhecer a origem histórica da sociedade cabo-verdiana, assim como a formação da sua identidade, obriga-nos a aprofundar o estudo nas primeiras gerações de habitantes das ilhas de Cabo Verde, que permaneceram desabitadas até ao século XV, quando foram descobertas e colonizadas por exploradores portugueses, estabelecendo assim o primeiro assentamento europeu em África subsaariana.

De acordo com Iva Cabral, as primeiras gerações eram constituídas pelos chamados «homens brancos honrados» de Santiago, que ocuparam a cimeira da sociedade das ilhas. Estes homens, certamente brancos, muitas vezes nobres, armadores, comerciantes e funcionários da administração central, foram os primeiros a integrar a elite inicial do arquipélago, estruturando a sociedade cabo-verdiana conforme os seus interesses económicos, as suas práticas culturais, políticas e ideológicas. Mas, com o tempo, e de acordo com um processo pacífico característico da construção da identidade do país, esta elite foi substituída por uma nova geração de homens mestiços, constituindo uma elite endógena cabo-verdiana, chamada «Nobreza da terra».

Provavelmente, o máximo expoente desta nova elite social foi André Álvares de Almada, a quem queremos dedicar este artigo, e que tem a honra de ser o primeiro cabo-verdiano a vestir o hábito da Ordem de Cristo. Nascido na ilha de Santiago, foi filho do Capitão e Almoxarife da Ribeira Grande, cavaleiro da Ordem de Santiago, Ciprião Álvares de Almada, e de uma mulher parda (da qual não conhecemos o nome), e neto de João Álvares de Almada e de uma mulher preta (da qual também não conhecemos o nome). Neste sentido, André foi um mulato, descendente de negros africanos e brancos europeus, que deve ter passado a sua infância na ilha, sendo o seu pai uma das personalidades mais importantes da época. Seguindo a tradição familiar, foi instruído no ofício militar, pois o seu pai terá sido um dos primeiros capitães das ordenanças de Santiago, mas também deve ter aprendido as artes da navegação e do comércio, figurando como mercador que esteve no Reino de Casamança, em 1570, e, anos mais tarde, no Rio Gâmbia, no contexto do papel preponderante desempenhado pelo arquipélago de Cabo Verde no comércio transatlântico de escravos, que registou um significativo crescimento económico durante os séculos XVI e XVII, atraindo a atenção de mercadores, corsários e piratas.

Em 1580, o nosso protagonista aparece como procurador do povo da ilha de Santiago. Contudo, num contexto em que os moradores de Santiago quiseram povoar a Serra Leoa, André Álvares de Almada foi eleito pelos cabo-verdianos para ir a Portugal tratar com o governo de D. Filipe I sobre a maneira de povoar aquelas terras, aproveitando também a sua visita à Corte para pedir a vinda dos Jesuítas para Cabo Verde. A partir de 1590, André Álvares de Almada surge como Capitão de uma companhia de Ordenanças, a qual, de acordo com a Ordem de 10 de dezembro de 1570 (1) do Rei D. Sebastião, deveria ser composta por duzentos e cinquenta homens divididos em dez esquadras, sendo estas comandadas por um capitão, um alferes, um sargento e dez cabos de esquadra, havendo em cada companhia também um meirinho e um escrivão.

Sabemos que André Álvares de Almada contraiu vários matrimónios, um deles com Francisca de Queiroz, por volta de 1580, filha de Nicolau Rodrigues, filho ilegítimo do cavaleiro da Casa Real, André Rodrigues, alcunhado «dos Mosquitos», e de Catarina Monteiro de Queiroz, herdeira da fazenda de Águas Belas, que se casou, em segundas núpcias, com o sargento-mor Garcia Contreiras, instituindo, posteriormente, o morgadio de Boaventura. Entre os descendentes de André Álvares de Almada, destacam-se:

  • Dinis Eanes da Fonseca, nascido em 1580, natural de Santiago, que exerceu os cargos de Juiz da Câmara da cidade (1615), Vereador da Câmara (1626, 1639), Provedor da Fazenda Real (1634) e Capitão de uma companhia (1613-1624).
  • Inês Gomes de Almada, casada com Manuel Lopes Cardoso, cavaleiro fidalgo português, feitor dos contratadores de Cabo Verde e Rios de Guiné em Santiago, entre os anos de 1575 a 1594.
  • Lourença de Almada, filha do casamento de André Álvares de Almada com Francisca de Queiroz, casada com Jorge de Araújo de Mogueimas, que serviu como escrivão da Fazenda Real e Feitoria da ilha de Santiago (1610-1619), Capitão de infantaria (1619-1645), Capitão-mor da Ribeira Grande (1646-1651) e Governador interino das ilhas, entre novembro de 1646 e maio de 1648.

Depois de explorar o interior da Guiné, em 1594, escreveu uma obra de grande relevância, que lhe valeu também o título de primeiro escritor luso-cabo-verdiano: Tratado breve dos rios de Guiné do Cabo-Verde, desde o rio de Sanagá até aos baixos de Sant'Anna; de todas as nações de Negros que há na dita costa, e de seus costumes, armas, trajes, juramentos, guerras. Trata-se de uma obra manuscrita, objeto, em 1733, de uma primeira edição impressa em Lisboa, mas, de acordo com José Manuel García, uma edição deficiente, com muitas irregularidades. Em 1841, a obra de Álvares de Almada foi editada corretamente por Diogo Kopke, no Porto, pela Typographia Commercial Portuense, seguindo-se outras edições. Sem dúvida, o Tratado de André Álvares de Almada é uma referência essencial para o estudo da história das regiões e povos africanos da África Ocidental, nas suas vertentes etnográfica, antropológica, histórica, geográfica e económica.

Mas a sua obra não é o único feito que o levou a figurar na história. Apesar de ter ascendência africana e antepassados escravizados, André Álvares de Almada foi o primeiro cabo-verdiano agraciado com a mercê de cavaleiro da Ordem de Cristo, uma Ordem religioso-militar que sucedeu à Ordem dos Templários após a sua supressão, desempenhando um papel crucial na história de Portugal, especialmente durante a era dos Descobrimentos. Criada em 1319 pelo Papa João XXII sob a bula Ad aequibus e com o apoio do rei D. Dinis, a nova ordem herdou os bens e privilégios dos Templários e visava proteger os territórios cristãos na Península Ibérica e promover a fé católica. Sua atuação foi fundamental na expansão marítima, financiando expedições de exploração. O símbolo da Ordem, a Cruz latina de Cristo, vermelha, sobreposta a uma cruz grega branca, tornou-se um emblema reconhecível, adornando as embarcações que exploravam mares desconhecidos, mas também ornamentando o património de igrejas e conventos.

A concessão desta distinção parece não ter sido apenas devido ao facto de o seu pai, Ciprião Álvares, ter sido capitão e defensor da ilha, mas também pelos serviços prestados por André à Coroa. Parece que o rei D. Filipe ordenou que lhe fosse concedido o hábito da Ordem de Cristo, em reconhecimento pelo seu desempenho como capitão da companhia de ordenanças, bem como pelos serviços prestados na defesa da fortaleza contra os inimigos (2).

André Álvares de Almada terá falecido em 1624, mas a sua trajetória demonstra como a elite endógena cabo-verdiana era fortemente mestiça, herdeira dos chamados "homens brancos honrados" de Santiago, perfeitamente integrada nos usos e costumes do Reino de Portugal – como mostra o desejo de pertença às Ordens militares dependentes da Coroa –, uma elite mestiça fundamental para a futura formação da identidade crioula de Cabo Verde.

(1) O Regimento dos capitães-mores e mais capitães e oficiais das companhias da gente de cavalo e de pé e da ordem que terão para se exercitarem, de 10 de dezembro de 1570, veio criar as Capitanias-Mores, que se subdividiam em Companhias de Ordenanças.

(2) Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Mesa da Consciência e Ordens, Livro 18, fls. 205v.-206, 19 de agosto de 1598.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1216 de 19 de Março de 2025.

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Autoria:Jorge Cólogan y González-Massieu,24 mar 2025 8:14

Editado porAndre Amaral  em  24 mar 2025 14:23

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