“Pagamento regular de quotas” e “quotas em dia” parecem ser expressões equivalentes, mas, em boa verdade, não são.
Quando o estatuto de uma associação (seja ela civil, religiosa ou política) diz que uma das obrigações dos seus membros é pagar regularmente as quotas significa que quem descumprir esse mandamento fica sujeito a sanções (pecuniárias ou outras). Se sanção mais séria, mais dura, for curial, deve tal estatuto estabelecer, de forma explícita, a sanção correspondente, mormente se, quando se estabelecem as inelegibilidades, não se retoma a fórmula “PAGAMENTO REGULAR DE QUOTAS”, preferindo estoutra “QUOTAS EM DIA”.
Quando, no capítulo em que é regulada a capacidade eleitoral dos membros, se grafa que perdem a capacidade eleitoral (ativa e passiva) os membros que não tenham as quotas em dia, a única interpretação válida é que, na data-limite, tenha as quotas em dia, não importando se as pagou com regularidade (todos os meses, bimestres, semestres ou outro período). Se se fixar como data-limite para ter as quotas em dia, por exemplo, sessenta (60) dias antes da data do pleito, o que interessa é que a essa data tenha as quotas regularizadas. Ainda que as tenha pago por atacado ou que alguém as pague por ele.
À primeira vista pode parecer que quem escreveu os estatutos-modelo não foi muito cauteloso ao adotar fórmulas diferentes para cobrar compromisso e para fixar inelegibilidades. Qual seria a fórmula a reter?
Esta? “PERDEM A CAPACIDADE ELEITORAL (ativa e passiva) OS MEMBROS QUE NÃO PAGUEM AS QUOTAS COM REGULARIDADE”? Aí seria um Deus nos acuda. A tendência é os membros só pagarem quotas em momentos cruciais, em que ter quotas em dia seja condição sine qua non para manter intactos os direitos de membro. Mormente chez-nous, onde o hábito de contribuir para as despesas de funcionamento das associações, ordens e agremiações outras anda pelas horas da morte. Os pleitos corriam o risco de ficarem desertos.
Estoutra? “É OBRIGAÇÃO DOS MEMBROS CONTRIBUIR COM O PAGAMENTO DE QUOTAS MENSAIS, SOB PENA DE PERDEREM A QUALIDADE DE MEMBROS DE PLENO DIREITO”? Aqui o risco é similar. As agremiações passariam o tempo todo alijando membros borda fora e recrutando novos membros para os substituir. E, muito dificilmente, teriam gente reunindo todas as condições para concorrer a lugares nos corpos gerentes da agremiação.
Qual a fórmula menos equívoca e que possa ser, a um tempo, vinculativa, funcional e eficaz?
Não me repugna absolutamente nada que a regulação da questão das contribuições dos membros para o financiamento das agremiações a que aderiram, LIVREMENTE, continue sendo feita nos moldes atuais à condição de:
- Os membros, no momento da adesão, firmarem documento em que se comprometem a cumprir, com a regularidade estipulada nos estatutos, a obrigação do pagamento de quotas, salvo motivo de força maior comprovável (desemprego, insuficiência de rendimentos, despesas derivadas de calamidade que tenha atingido a residência do agregado familiar e similares);
- O descumprimento da obrigação fora do quadro descrito no número anterior seja punível com sanção que pode ir desde a simples suspensão de direitos até à perca da capacidade eleitoral (não poder eleger, nem ser eleito);
- Um quadro claro de consequenciação em relação a quebras de regras regimentais fundamentais seja introduzido e/ou afinado;
- Uma campanha expedita que torne claramente inteligível que a agremiação vive e subsiste das quotas de seus membros e que esta corre o risco de fenecer e desaparecer se os membros deixarem de entregar suas contribuições em tempo útil.
A questão não reside, pois, na utilização de fórmulas diferentes para regular a obrigatoriedade da contribuição periódica regular e para a definição das inelegibilidades, situando-se antes na fixação dos momentos em que se dá a consequenciação pelos eventuais descumprimentos dos estatutos. Em nome da justiça, do equilíbrio, da eficácia, da efetividade e do necessário bom senso, há que trabalhar a questão do tempo da consequenciação.
Não vale acumular e colecionar quebras de disciplina para, a final, se aplicar a sanção mais grave, definitiva e/ou expulsiva. Não só não é inteligente como não ajuda, em nada, a melhorar o funcionamento da organização. A organização pode, e deve, se organizar de modo a agir com prontidão na consequenciação das quebras dos ditames estatutários. A sanção deve se situar o mais próximo possível do facto sancionável. Em nome da eficácia da sanção, da imediata “reinserção” do infrator e do normal funcionamento do aparelho.
A graduação das sanções (das pecuniárias, às inelegibilidades e expulsões) teria de ser feita com serenidade e equilíbrio, assim a modos de melhorar a relação do membro com a coletividade a que aderiu, de forma LIVRE e VOLUNTÁRIA. Nunca poderia se traduzir em tomadas de posição que possam ser entendidas como ajuste de contas. Não seria bom para ninguém – nem para o membro, nem (mormente) para a coletividade.
Se pudermos casar a letra da lei com o espírito da lei, beleza. Se, em algum momento, sentirmos a tentação de sacrificar a letra da lei em favor do espírito da lei, mormente em um estatuto de uma agremiação (seja ela civil, religiosa ou política), o melhor mesmo é - na primeira oportunidade e em sede própria - submeter ao órgão competente uma proposta de revisão dos estatutos. Até lá, in dubio pro reo. Fica bem mais barato, não provoca clivagens e, sobretudo, não briga com a cultura organizacional. Para mim, fica bem claro que a maioria dos descumprimentos que se relatam tem a ver com a cultura das organizações em pauta. Isto adentro daquela conceituação prosaica de CULTURA ORGANIZACIONAL: a forma como resolvemos os problemas por aqui.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1223 de 07 de Maio de 2025.