O Bairro da Terra Branca: Onde Culturas se Encontram e Talentos Florescem

PorHomero Baleno Brito,13 mai 2025 8:08

O Bairro da Terra Branca, na ilha de Santiago, próximo do Platô, Praia, não é apenas mais um bairro da cidade. Ele é um pedaço de história, uma mistura de culturas, um local onde o passado se entrelaça com o presente, criando uma identidade única e vibrante.

Em seus primeiros anos, entre as décadas de 70 e 80, a Terra Branca era mais que um simples ponto no mapa. Ela era morada de dois povos que, à primeira vista, podiam parecer distantes, mas que, juntos, traziam uma visão peculiar do mundo e uma riqueza cultural imensurável. Era nessa época que o bairro se tornava um ponto de encontro entre aqueles que estavam a construir não só edifícios, mas o próprio futuro do país.

Durante o período de construção da nossa Assembleia Nacional, um projeto financiado pela República Popular da China, muitos trabalhadores chineses se instalaram no bairro, nas chamadas "casas do secretariado". Este complexo habitacional, composto por um conjunto de casas enfileiradas, mais parecia um quartel.

Logo ao lado, vivia outra comunidade importante no complexo habitacional conhecido até hoje como o “Prédio Soviético”. Ali, moravam cidadãos da então União Soviética, hoje Rússia, que estavam em Cabo Verde para trabalhar na construção da embaixada russa, localizada no bairro de Achada Santo António.

O bairro também acolhia muitos cubanos, na sua maioria médicos, que até hoje continuam a colaborar com Cabo Verde no setor da saúde. Esta relação fez com que muitos cabo-verdianos, fizessem a viagem no sentido inverso, para concluir a formação superior em Cuba.

Portanto, Terra Branca é bairro onde diferentes culturas se misturam, onde o calor humano é parte da rotina, e onde, não por acaso, os talentos começam a surgir e a florescer. O bairro é um reflexo de como a diversidade pode ser a chave para a construção de algo maior, mais rico e mais promissor.

Dito isto, falemos dos vários talentos de Terra Branca, uns nascidos no bairro e outros não, mas foi ali que encontraram as condições propícias para despontar e potenciar o seu talento.

Na música Ildo Lobo é o maior destaque. Não nasceu em Terra Branca, mas atingiu o auge da sua carreira a solo depois de se estabelecer no bairro lançando álbuns como “Nôs Morna (1996)”, Intelectual (2001) e Incondicional (2004) já póstumo. Ildo Lobo é a voz masculina da música nacional que muito contribuiu para elevar a nossa cultura e o nome de Cabo Verde no mundo.

Djoy Amado, nascido em Angola, com ascendência da ilha do Fogo, passou boa parte da sua infância e vida adulta em Terra Branca e destacou-se como instrumentista, cantor e compositor, com composições interpretadas e gravadas por cantores como o Diva Barros, Mayra Andrade, Isa Pereira entre outros.

A nova geração revela nomes que trazem na alma a essência vibrante de Terra Branca. Entre eles, destaca-se Zubikilla Spencer. Filha do consagrado músico e compositor cabo-verdiano Nhelas Spencer, Zubikilla carrega no sangue a herança musical do pai. Mas não é apenas nos genes que reside o seu talento foi também nas ruas de Terra Branca que encontrou inspiração, que enriqueceram a sua identidade artística. Irreverente e talentosa, Zubikilla confirma o velho ditado: "filho de peixe, sabe nadar".

Paulinha é também um nome de destaque no peculiar bairro, e vive agora o seu melhor momento no mundo da música. Desde cedo, demonstrou o desejo de ser artista, alimentando o sonho com a sua espontaneidade natural. Terra Branca proporcionou-lhe o ambiente perfeito para crescer e desenvolver o seu talento. Sendo filha de uma família com raízes nas ilhas do Fogo e Brava, Paulinha tem um percurso digno de registo na nossa música, com alguns sucessos gravados.

No mesmo trilho, Neyna tem sido o grande nome da nova geração musical de Terra Branca. Cresceu num ambiente onde a música era presença constante com o pai e a mãe. Embora não profissionais, faziam ecoar canções em pequenos eventos familiares. Neyna, moldada por esta atmosfera e pelo espírito único do bairro, trilha um caminho promissor, levando consigo as cores e os sons que só quem respira Terra Branca pode compreender.

Ste Mandela pode não ser um nome amplamente conhecido no mainstream, mas no universo do Hip-Hop nacional já conquistou o estatuto de lenda. Com um percurso discreto, mas consistente, cresceu rodeado de música, inspirado pelo irmão mais velho, um dos fundadores da banda de reggae Kolabeat, cujos ensaios aconteciam na sua própria casa. Este ambiente fértil em sonoridades e influências foi determinante para a sua trajetória artística. Hoje, Ste Mandela soma vários sucessos e projetos musicais de destaque, deixando a sua marca no panorama da música nacional.

Mas não só de música se faz este bairro. No desporto, Terra Branca também brilha com dois dos seus filhos, Elvis Macedo (Babanco) e Patrick Andrade, vestirem com orgulho a camisola da Seleção Nacional. Desde pequenos, moldaram a sua técnica e resistência nas ruas do bairro, jogando descalços nas calçadas irregulares.

Nas artes plásticas, Tutu Sousa é um nome incontornável. Nascido em São Vicente, ainda criança mudou-se para a capital, Praia, e fez do bairro de Terra Branca o seu lar — ou melhor, a sua maior obra de arte. As paredes das casas tornaram-se a sua tela infinita, um mural vivo onde expressa a sua criatividade. A famosa Rua d’Arte, onde reside e mantém a sua galeria, é hoje um ponto turístico, resultado do trabalho incansável de Tutu e de outros artistas que se juntaram a ele nesta missão de transformar o bairro num museu a céu aberto. Como gosta de dizer, nasceu para ser artista, e a cidade apenas seguiu o seu destino colorido. Tutu não é o único no seu núcleo familiar. A esposa e os filhos também são artistas, cada um com sua pincelada única e peculiar.

Mas Terra Branca brilha também brilha na moda e na beleza. Foi deste bairro que saiu o rosto que levou Cabo Verde ao mais alto patamar dos concursos internacionais de beleza. Stephany Amado, mais conhecida por Steh, nasceu e cresceu ali, entre as ruas que moldaram o seu olhar para o mundo. Em 2022, foi coroada Primeira Dama no Miss Internacional e levou consigo o título de mulher mais bela de África, um feito inédito para o país.

Filho pródigo de Rui Vaz, Lindorfo Ortet é daquelas figuras que carregam na alma a musicalidade da terra e no coração a missão de a partilhar. Embora as raízes estejam fincadas na frescura verdejante da sua terra natal, Rui Vaz, foi em Terra Branca que escolheu lançar âncora, construir família e deixar uma marca profunda no panorama musical do bairro.

Ali, entre casas e ruas que ganham vida ao som das cordas, Lindorfo fez da praça e do Bar do Aldino um espaço onde a música brotava de forma espontânea e verdadeira.

Exímio tocador de violão, o Sr. Lindorfo não é apenas músico, é mestre sem pretensão e alguns dos jovens de Terra Branca devem-lhe o despertar da paixão pela música tradicional cabo-verdiana, o incentivo para persistirem, a paciência para ensiná-los a ouvir, sentir e respeitar cada nota.

Entre tintas, passarelas e sonoridades, Terra Branca continua a ser um berço de talentos.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1223 de 07 de Maio de 2025.

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Autoria:Homero Baleno Brito,13 mai 2025 8:08

Editado porAndre Amaral  em  13 mai 2025 8:08

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