As suas obras incidem sobre as questões fundamentais da filosofia, apresentadas na Lógica. A primeira formula-se como O que posso saber? – quais são as condições de possibilidade do conhecimento – e é abordada na Crítica da Razão Pura, analisando a razão teórica. A segunda questão é O que devo fazer? No âmbito da moral ou razão prática, desenvolvida na Crítica da Razão Prática. A terceira é O que me é permitido esperar? no âmbito metafísico e religioso.
O problema do conhecimento estava, no seu tempo, num impasse. De um lado, o racionalismo, na esteira de Descartes, defendia que o conhecimento era a priori (anterior à experiência) ou inato. Do outro, o empirismo considerava o conhecimento como realizado a partir da experiência, a posteriori, como afirmava John Locke. Kant resolve este impasse através do empírico-racionalismo – não há conhecimento sem experiência, mas esta tem de ser organizada pelas estruturas inatas da nossa mente – a sensibilidade, que corresponde às sensações organizadas pelo espaço e pelo tempo, construindo os fenómenos, e o entendimento que, por sua vez organiza os fenómenos através de conceitos e categorias (a de causalidade, p. ex.), construindo os objectos do conhecimento. Podemos dar um exemplo corrente com o caso do jornalismo, onde, face a uma ocorrência, temos de perguntar onde e quando ocorreu, ou seja, enquadrá-la no espaço e no tempo.
Kant assinala um retorno do sujeito já começado com o cogito cartesiano. Em vez de nos guiarmos pelos objectos, temos de partir do sujeito. Kant chamou a esta viragem uma revolução copernicana no campo do conhecimento, comparada à efectuada por Copérnico na Astronomia: tal como este tirou a Terra do centro e pô-la a girar em torno do Sol, Kant rompeu com a centralidade dos objectos, subordinando-os ao sujeito do conhecimento. O conhecimento começa com a experiência, mas é um processo que não termina com esta, precisa de organizá-la em conceitos. O conhecimento está limitado à possibilidade de experiência, mas o pensamento está para além destes limites, sendo formado pelas Ideias reguladoras ou Ideias da razão: mundo, alma e Deus. A primeira refere-se ao conhecimento da totalidade dos fenómenos como ideal, não alcançável, mas orientando a progressão do conhecimento em direcção a ele, a segunda refere-se ao conhecimento, sempre incompleto, do ser humano no seu todo, e o terceiro ao Absoluto – Deus.
É na dimensão moral – a razão prática, abordada na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Crítica da Razão Prática - que podemos superar os limites da racionalidade, e alcançar uma dimensão superior, metafísica (primado da razão prática sobre a teórica), orientada pelos ideais da razão prática: a imortalidade da alma, a liberdade e Deus. Se no mundo físico tudo está dependente de leis necessárias, no mundo moral somos livres, podendo esperar que a nossa vida finita se prolongue num horizonte sem limites, tendo como finalidade a orientação para Deus. Enquanto a moral utilitarista assenta no resultado das nossas acções, a moral Kantiana depende dos princípios, é formal e incondicional, fundando-se no dever, enunciado no imperativo categórico, segundo o qual devemos inscrever as nossas acções nos princípios que possam tornar-se em lei universal, tomando sempre o ser humano como fim, enquanto seres livres e autónomos.
Além das três Críticas – da Razão Pura, da Razão Prática e da Faculdade de Julgar, Kant escreveu ainda obras como A Religião nos Limites da Simples Razão, e ensaios onde prolonga a sua filosofia para as áreas da política, do direito e da história – nomeadamente o que ficou como o manifesto das luzes, O que é o Iluminismo? e A Paz Perpétua, onde se propõe uma forma de regulação das relações à escala internacional, que virá a realizar-se na Sociedade das Nações e, mais tarde, na Organização das Nações Unidas. Trata-se de uma visão cosmopolita das relações internacionais.
A herança kantiana continua a fazer sentido hoje, quando a tendência parece ser oposta aos seus ideais: em vez do pensamento crítico e autónomo, estamos cada vez mais dependentes dos estereótipos difundidos pelas redes sociais, em vez do diálogo inclusivo, a exclusão de quem não pensa como nós, em vez da liberdade, o alargamento do campo dos sistemas autoritários, em vez da paz, o aumento das guerras. Este espírito dos tempos actuais apela a um reavivamento das luzes incarnado por Kant, ao chamado para pensar por si mesmo e para atingir uma maturidade que consiste em ter um entendimento próprio do mundo e de si mesmo. Atingimos um avanço inigualável no que respeita à ciência e às tecnologias, mas em termos morais não acompanhámos esse processo. Kant chama-nos a atenção para essa dimensão moral do ser humano.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1232 de 9 de Julho de 2025.