Sou a favor do Monumento à Liberdade e Democracia

PorLuís Carlos Silva,8 set 2025 8:27

Há debates que revelam mais sobre a forma como comunicamos do que sobre o tema em si. O caso do Monumento à Liberdade e Democracia é um deles. De repente, a narrativa digital transformou um projeto pensado e preparado há mais de cinco anos numa decisão apressada, associada ao desastre em São Vicente. O que devia ser discutido com base em factos passou a ser julgado por percepções fabricadas, alimentadas pelo imediatismo das redes sociais e pelo contexto pré-eleitoral.

Já escrevi noutra ocasião sobre a “armadilha da percepção”, quando a narrativa se sobrepõe à realidade. Este é, sem dúvida, um desses casos. Um debate que poderia ter sido nobre, centrado no valor (ou não) de erguermos um monumento à Liberdade e Democracia, acabou por ser contaminado pela velocidade das narrativas digitais e pela exploração política do momento.

Uma obra desta dimensão não nasce do dia para a noite. O Monumento e a intervenção urbana que o envolve têm um percurso de mais de cinco anos: ideação, concurso de arquitetura, escolha do projeto, contratação e adjudicação. O concurso público da empreitada foi lançado em 2024, a adjudicação concluída no final desse ano e o contrato formalizado em abril de 2025, com publicação em Boletim Oficial. Cerca de 40% das despesas já se encontram executadas. Associar esta decisão ao momento trágico de São Vicente não é apenas uma falsificação da realidade, é um exercício de oportunismo político e uma clara falta de lealdade institucional.

Outro argumento que merece ser desmontado é o de que seria possível interromper o processo agora e canalizar os recursos para São Vicente. Essa visão ignora a realidade das finanças públicas e da contratação pública. Romper unilateralmente um contrato em execução não libertaria recursos, mas criaria novos encargos para o Estado sob a forma de indemnizações por incumprimento, para além de perdermos as despesas já realizadas. Em vez de apoiar São Vicente, esta opção apenas agravaria a fatura pública, desperdiçando recursos e atrasando uma intervenção urbanística estruturante para a cidade da Praia.

Aceito que se discuta a oportunidade do monumento e até que se coloque a hipótese de um referendo sobre o tema. Num regime democrático é saudável que símbolos nacionais sejam debatidos com a sociedade. Mas importa lembrar que esse debate já teve o seu tempo e o seu lugar: o processo esteve em consulta pública tanto na fase de concurso de arquitetura como na fase de empreitada, com publicação em editais e jornais. Na ausência de contestação expressa, parece-me legítimo que o governo tenha assumido que havia concordância ou, pelo menos, ausência de reservas. Hoje, o debate ganha outro tom porque é feito a posteriori, fora do tempo próprio e carregado de emoção conjuntural.

Dito isto, se tivesse havido um referendo, eu estaria claramente do lado do “sim”. Porque erguer o Monumento à Liberdade e Democracia é afirmar as virtudes do nosso maior património, é valorizar as conquistas do povo cabo-verdiano e é projetar no espaço público o que somos e, particularmente, o que queremos continuar a ser.

Importa também esclarecer que o projeto vai muito além da construção de um monumento isolado. O investimento integra uma intervenção urbanística mais ampla, que se estende do Porto da Praia até à rotunda do aeroporto, incluindo o ordenamento da parte frontal do cais de pesca, a escadaria de acesso a Achada Grande Frente, uma ciclovia, a nova rotunda e vias de ligação a Palha Sé. É, no fundo, uma transformação significativa da entrada da capital, com impacto direto na mobilidade, na qualidade urbana e na economia local.

Mas há, acima de tudo, a dimensão simbólica. Liberdade e Democracia são o maior património de Cabo Verde, conquistas difíceis do nosso povo que hoje constituem o ativo mais valioso da nação: dão-nos identidade, projetam confiança e garantem estabilidade. É por isso que o Monumento não é apenas uma obra em pedra e cimento — é uma afirmação clara dos valores fundadores do Estado de Direito Democrático cabo-verdiano. Tal como em tempos se ergueu o monumento a Amílcar Cabral, também este será um marco que materializa a nossa história e projeta os nossos princípios.

Ao mesmo tempo, a Praia precisa de símbolos e pontos de referência. A capital deve oferecer centralidade turística e cultural, com espaços icónicos que contém a nossa história e reforcem a atratividade internacional. O Monumento à Liberdade e Democracia será um “spot” de paragem obrigatória, quer para os turistas que chegam por via aérea, quer para os que chegam em cruzeiros. Mas será, acima de tudo, um espaço de afirmação da autoestima nacional, um lugar de memória e de orgulho cívico.

Todo o ruído criado no espaço digital não é inocente: tem a clara intencionalidade de ocultar o verdadeiro debate. O que está em causa não é o valor da obra, mas duas visões alternativas para o país. De um lado, o imediatismo populista, que reduz tudo à conjuntura e à exploração das emoções do momento. Do outro, a visão de longo prazo, que aposta em símbolos duradouros capazes de consolidar a nossa identidade e projetar Cabo Verde no mundo. Entre o saudosismo de valores autoritários e a afirmação clara da dignidade humana e da democracia, a escolha não podia ser mais evidente.

Sem Liberdade e Democracia não haveria sequer este debate público, nem a força coletiva que nos permite enfrentar tragédias como a de São Vicente. É por isso que sou a favor do Monumento à Liberdade e Democracia.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1240 de 3 de Setembro de 2025.

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Autoria:Luís Carlos Silva,8 set 2025 8:27

Editado porAndre Amaral  em  8 set 2025 8:27

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