Não é incomum no parlamento cabo-verdiano testemunhar discursos que apresentam interpretações completamente distintas — por vezes até contraditórias — sobre os mesmos dados oficiais. Apesar de o país dispor de uma instituição estatal competente para tratar e divulgar estatísticas oficiais, a forma como os partidos políticos as interpretam e as utilizam revela uma preocupante falta de responsabilidade e de compromisso com a verdade.
O que se observa é que, muitas vezes, o fervor da disputa pelo poder ultrapassa a lógica, a verdade, a razão e o bom senso. A consequência disso é uma democracia fragilizada, marcada por ruídos, desconfianças e uma crescente sensação de inutilidade das instituições. O resultado? Um sistema político doente, onde o debate público se transforma num jogo de versões ao sabor das conveniências partidárias.
Essa situação lança o eleitor comum numa espiral de incertezas. E, para o eleitor mais informado, configura-se um cenário claro de descrédito político generalizado: se os próprios representantes não conseguem sequer concordar sobre os factos objetivos, como esperar decisões consistentes na gestão pública? A resposta parece óbvia: — quase "lapalissiana": essa confusão faz parte do jogo político. No entanto, neste particular, tanto o governo como a oposição parecem visivelmente desorientados e incapazes de lidar com uma sociedade cada vez mais informada, crítica e com acesso fácil, a dois cliques, a fake news ou a fontes confiáveis. O descrédito gerado por essas disputas não é um mero detalhe de retórica: é mais um item, no triste rol de falhas dos políticos que temos. Precisamos, urgentemente, de políticos de "5G" — atualizados, conectados com a realidade, e conscientes das especificidades, fragilidades, ferramentas , e armas dos tempos em que vivemos.
Está em risco a credibilidade das instituições públicas, e de forma brutal !! Está em risco a segurança jurídica em Cabo Verde, e isso prejudica diretamente a compreensão do cidadão sobre a direção e o sentido da nossa democracia, e condiciona a sua intervenção no pleito eleitoral. Enquanto não houver um compromisso real com a verdade, com a objetividade dos dados estatistics, o respeito pelas instituições, a democracia continuará refém de discursos populistas, contraditórios e da manipulação política, altamente corrosiva para a socedade.
Desacertos Internos: Sinais de Crise de Lideranças?
Se os embates entre partidos já são preocupantes — ainda que façam parte do jogo democrático — os desacordos internos nas formações políticas do arco do poder são ainda mais alarmantes. Recentemente, assistimos a situações em que um ministro e o próprio primeiro-ministro apresentaram posições divergentes sobre questões sensíveis, como a continuidade do conselho de administração de uma empresa pública central. Como é possível que dois altos responsáveis do mesmo governo se contradigam publicamente? Isso é um verdadeiro escândalo institucional, no minimo inadmissível: gera uma perplexidade social generalizada e mina, ainda mais, a confiança do cidadão nas lideranças políticas.
A interpretação e a aplicação dos ditames do sistema judicial cabem, exclusivamente, aos tribunais. Ponto final. Mas a concretização — ou o atraso — dessas decisões deve estar, sim, sujeita ao escrutínio da sociedade, quer o sistema judicial goste ou não. E quando representantes do Estado — em nível central ou local — interpretam com excessiva criatividade as leis fundamentais, é imperativo que o Ministério Público atue de forma célere. Se isso não acontece, levanta suspeitas: será conivência? Negligência? Incúria? “what not?
O que dizer das dúvidas recorrentes sobre a titularidade de terrenos públicos? Como é possível que figuras públicas não compreendam institutos jurídicos básicos? Convenhamos: algo está profundamente errado.
Não se trata aqui de meras divergências semânticas. Trata-se de leituras antagônicas da própria essência legal de instrumentos jurídicos centrais, o que aprofunda ainda mais a percepção de insegurança jurídica e institucional que o país atravessa.
O Preço da Incerteza
Infelizmente, os desacordos sobre dados estatísticos e legais, tornaram-se o “pão nosso de cada dia” na política nacional. Em vez de se promover a verdade, promove-se o ruído. Em vez de esclarecer o eleitor, há um esmero na promoçao da dúvida e da confusao. O resultado? Um eleitorado cético, apático, confuso, desencantado e cada vez mais distante das urnas. A velha máxima volta à tona: “São todos iguais… pra quê votar?” é retirar FDPs ,... e promover apreendizes de sacanagem Institucional.
Enquanto não houver compromisso com a verdade, com a seriedade das instituições e com a transparência dos dados, a democracia cabo-verdiana continuará sequestrada por jogos de poder inconsequentes.
Um Chamado à Responsabilidade.
Cabe à sociedade — a todos nós — exigir mais responsabilidade, clareza e coerência dos nossos representantes. É preciso elevar o nível do debate, fortalecer as instituições e resgatar a confiança dos cidadãos. Só assim a democracia poderá florescer. A democracia agradece.