Cabo Verde e as bombas do Tanque do Porto Santo

O meu testemunho de engenheiro electrotécnico cabo-verdiano na diáspora.

Cabo Verde debate-se com infraestruturas frágeis: navios avariados, apagões, racionamento de água. A culpa é das concessões mal feitas. Mas há um problema mais profundo, quase invisível: a sangria do capital humano. E ninguém o explica melhor do que um cabo-verdiano que nunca regressou – por uma razão simples, baixo salário.

Em 1975, um jovem licenciado em Engenharia Electrotécnica sonhava voltar para Cabo Verde para aí exercer a sua profissão. Mas, por razões familiares, optou pela Madeira. Lá, em 1979, foi chamado pelo Governo Regional para criar o primeiro Departamento de Energias Renováveis. Trabalhou muito no Porto Santo – ilha árida, sem água, com ventos fortes. Exactamente como Cabo Verde.

Um dia, após anos de seca, choveu. Uma pequena barragem encheu. A população revoltou-se: as bombas, paradas há anos, não funcionavam. O Secretário Regional chamou-o e perguntou-lhe se conseguiria resolver o problema depressa. Resposta: – Só vendo!

Chegou ao local. Duas bombas centrífugas, motores de rotor bobinado, quadro eléctrico destruído. Faltavam escovas. Um antigo operador lembrou-se: foi à arrecadação e trouxe-as. O engenheiro desenhou o novo quadro e mandou a sua equipa (formada por ele) construí-lo. Substituiu escovas, lubrificou rolamentos. Ligou. Abriu a válvula. E a água começou a subir os 500 metros até ao tanque de rega. Tudo em menos de 48 horas, isto é, ao segundo dia de trabalho. Telefonou ao Secretário: – As bombas do Tanque já estão a funcionar!

No dia seguinte, nota de imprensa: Técnicos do Governo resolvem crise do Porto Santo rapidamente. Nenhum nome. Nenhum engenheiro cabo-verdiano foi mencionado.

A Pergunta que Dói

Porque é que Cabo Verde continua a pagar milhões a consultores estrangeiros, em vez de pagar 1.500 euros a engenheiros como este?

A resposta é triste: porque pode.

- Um consultor português ganha 5.000€/mês + moradia.

- Um engenheiro cabo-verdiano (sénior) ganha 720€ no Estado.

- Há sempre alguém de fora disposto a vir.

- Os que ficam em Cabo Verde não têm poder negocial.

- Os que estão fora (como este engenheiro) não regressam.

O Custo Invisível

Em 2023, a Electra pagou 1,2 milhões de euros a uma consultora portuguesa para estudar a rede de Santiago. Engenheiros da diáspora ofereceram-se por 300 mil euros. Foram ignorados.

Enquanto isso, navios da CV Interilhas passam meses parados nos estaleiros. Centrais de dessalinização avariam. Apagões diários.

Um stock de peças, uma equipa formada – e o problema resolve-se em 48 horas.

Um Apelo Final

Este engenheiro não precisa de voltar, nem tem idade para isso. Basta que Cabo Verde o ouça. A sua história é um manual vivo de como se resolve um problema insular: com conhecimento local, equipa formada e peças em stock. Cabo Verde não precisa de mais consultores externos. Precisa de pagar bem aos seus. Um bom técnico cabo-verdiano com uma escova na mão vale mais do que dez relatórios de Lisboa.

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Autoria:Henrique de Jesus Teixeira de Sousa,11 dez 2025 16:00

Editado porAndre Amaral  em  11 dez 2025 16:21

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