Algas arribadas em Cabo Verde: problema ambiental ou recurso sustentável?

PorCarmen Almada,28 dez 2025 10:37

Carmen Almada – Bióloga Marinha, Doutora em Gestão Costeira
Carmen Almada – Bióloga Marinha, Doutora em Gestão Costeira

As praias de Cabo Verde nas últimas semanas estão a ser confrontadas com a deposição e o acumulo de toneladas de algas arribadas, sobretudo do género Sargassum. Este fenómeno natural tem despertado preocupação entre a população, pescadores, turistas e autoridades, levando a um conjunto de questões, designadamente se estamos perante uma ameaça ambiental e sobre a possibilidade do seu aproveitamento e transformação.

As algas em questão pertencentem ao grupo das algas castanhas da Divisão Ochrophyta, classe Phaeophyceae e à família Sargassaceae, com 536 espécies reconhecidas e distribuídas em quase todas as bacias oceânicas. No Atlântico, é representado sobretudo pelas espécies Sargassum natans e Sargassum fluitans, que se diferenciam da maioria das algas bentónicas, fixas ao substrato, por apresentarem hábito pelágico, vivendo todo o seu ciclo de vida a flutuar livremente no oceano. Essa capacidade é garantida pelos aerocistos, pequenas vesículas cheias de gás que funcionam como “boias naturais”, conferindo-lhes flutuabilidade e permitindo a formação de extensos tapetes marinhos conhecidos como “mar de sargaço”.

Estas macroalgas marinhas desempenham um papel essencial nos ecossistemas costeiros, fornecendo abrigo, alimento e zonas de reprodução para inúmeras espécies. Historicamente sempre existiram no Mar dos Sargaços, uma vasta área do Atlântico Norte delimitada por correntes oceânicas. Em 1492 Cristóvão Colombo já tinha descrito nos seus diários “molhos de algas” durante a travessia rumo às Américas. Contudo, o que antes era um fenómeno natural pontual, localizado, a partir de 2011 passou a ter uma dimensão transatlântica, quando começaram a ocorrer episódios massivos de arribadas em praias do Caribe, México, Brasil, África Ocidental e em Cabo Verde. O que antes era ocasional passou a ser frequente, tendo em 2025 assumido uma intensidade nunca antes registada em Cabo Verde.

Quando depositadas ao longo da costa em pequenas quantidades as algas não geram problemas ambientais significativos, porém quando ocorrem arribadas massivas geram impactos significativos, mormente:

  • efeitos na biodiversidade marinha: o tapete de algas impede que o sol chegue a muitos organismos marinhos que dependem da luz para crescerem, a decomposição das algas reduz o oxigénio dissolvido, sufocando corais, prados marinhos e peixes, as tartarugas e aves podem ter as suas áreas de desova comprometidas;
  • consequências para a pesca artesanal: com redes de pesca obstruídas e com embarcações pesqueiras danificadas o que leva e redução da captura de peixes, afetando diretamente as comunidades costeiras;
  • problemas de saúde pública: a decomposição das algas depositadas gera gases tóxicos como sulfeto de hidrogénio, que está na origem do cheiro a “ovo podre” que pode causar em pessoas sensíveis dores de cabeça, irritação nos olhos e desconforto respiratório. Acresce também a produção de outros gases como o metano e a amónia que quando em elevadas concentrações podem dar origem a odores intensos e possíveis reações cutâneas.
  • Por outro lado, estas algas podem atrair inúmeros insetos, cujas picadas podem causar alergias em peles mais sensíveis. Para minimizar estes efeitos recomenda-se a população exposta faça uso de máscaras e luvas, particularmente quem estiver encarregue da sua remoção. Em algumas situações em outras zonas do globo já registou-se a presença de metais tóxicos como o arsénio em concentrações elevadas nas algas, levantando preocupações adicionais, considerando que estamos perante um metal pessado, potencialmente cancirigeno. Todavia, para Cabo Verde não existem registos públicos neste sentido;
  • impacto no turismo: o acumulo destas algas ao longo da costa torna muitas vezes as praias impróprias para banhos, levando ao desaparecimento dos turistas e ao desembolso de montantes financeiros elevados para custear a sua limpeza.

O crescimento explosivo do sargaço no atlântico e em particular em Cabo Verde, resulta da interação de múltiplos fatores ambientais e antrópicos. Entre os principais determinantes destacam-se: as alterações climáticas com o consequente aquecimento das águas superficiais dos oceanos, o que cria condições ideais para a proliferação das algas; as mudanças nas correntes oceânicas, o que gera a redistribuição das massas flutuantes de sargaço, fazendo com que cheguem a zonas onde antes eram raras; a eutrofização marinha, decorrente da deposição de nutrientes, sobretudo fertilizantes, provenientes do ambiente terrestre, de rios, esgotos e atividades agrícolas, que intensificam o crescimento acelerado das algas; e as tempestades de areia do Saara,ricas em ferro e fósforo, que atravessam o Atlântico e fertilizam as águas, atuando como adubo natural para as algas.

Estudos recentes apontam para a formação de um novo cinturão de sargaço na região equatorial do Atlântico, entre África e Brasil, onde as condições favorecem taxas elevadas de crescimento. O fenómeno deixou de ser pontual e tornou-se recorrente. No Caribe os eventos são anuais e acarretam prejuízos milionários para o turismo, com estimativas de milhões de toneladas de algas a chegarem às praias e custos de limpeza que podem ultrapassar 1 milhão de dólares por km2. No México a quantidade depositada na costa é tal que já se desenvolvem soluções inovadoras para o seu aproveitamento como tijolos ecológicos e biocombustíveis, enquanto em Barbados o sargaço é transformado em fertilizante agrícola.

Em Cabo Verde, embora ainda não exista uma estratégia nacional consolidada, o tema já mobiliza diferentes atores. O Ministério da Agricultura e Ambiente emitiu um comunicado oficial recentemente alertando para a invasão de algas e para a necessidade de medidas coordenadas. Algumas Câmaras Municipais procederam a operações de limpeza das praias, procurando reduzir os impactos imediatos sobre as populações e sobre a atividade turística. Organizações não governamentais como a Fundação Maio Biodiversidade e a Associação Cabo-verdiana de Ecoturismo (ECOCV) têm desenvolvido projetos de monitorização e valorização das algas arribadas. A nível científico, estudantes da Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade de Cabo Verde, têm desenvolvido trabalhos de investigação, contribuindo para compreender melhor o fenómeno e explorar soluções sustentáveis.

A operacionalização de uma possivel estratégia nacional consolidada para fazer face a este fenómeno natural passa pela sua monitorização científica com recurso a satélites e drones, pela promoção de parcerias internacionais para troca de experiências e tecnologias, pela elaboração e implementação de planos de gestão costeira que envolvam comunidades locais e pela sua integração na cadeia de valor da economia azul incipiente.

Para o efeito importa promover a utilização destas algas arribadas na produção de fertilizantes orgânicos para agricultura familiar, de biocombustíveis e biomassa energética, contribuindo para a transição energética, de produtos cosméticos e farmacêuticos através da extração e valorização de antioxidantes e alginatos, da confeção de produtos artesanais e da inovação gastronómica, e bem como no seu aproveitamento ao nivel da construção civil, onde o Sargassum apresenta aplicações promissoras, servindo como fibra de reforço em compósitos, como adição mineral em materiais cimentícios (adobe e tijolos), além da sua utilização enquanto sucedâneo do calcário na produção de painéis particulados e em telhas de fibrocimento.

Projetos-piloto em curso em Cabo Verde atestam e demonstram o potencial e a viabilidade da utilização das algas arribadas na economia azul. Na comunidade de Moia-Moia, na ilha Santiago, um conjunto de mulheres já estão a testar o uso destas algas como fertilizantes agrícolas no âmbito do projeto AMMAR, demostrando como a valorização local pode abrir caminhos para soluções sustentáveis.

Este exemplo das mulheres de Moia-Moia mostra que é possivel transformar um problema ambiental num recurso estratégico. Tal exige coragem, planeamento, investimento e visão de longo prazo. Para que estas iniciativas consolidem e frutifiquem é essencial apostarmos em políticas públicas de gestão costeira integradas, em investigação científica aliada à inovação tecnológica, em educação ambiental com forte envolvimento comunitário e na valorização económica da biomassa como forma de reduzir impactos e criar novos empregos, numa ótica de sustentabilidade.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1256 de 24 de Dezembro de 2025.

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Autoria:Carmen Almada,28 dez 2025 10:37

Editado porDulcina Mendes  em  28 dez 2025 10:37

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