O Tribunal da Comarca da Praia deu razão à Câmara Municipal da Praia (CMP), numa acção movida contra o Estado de Cabo Verde sobre o lançamento da derrama municipal. Agora, este deverá proceder à “liquidação, cobrança e transferência” do referido imposto municipal, que servirá para financiar a requalificação do cineteatro da Praia. Tem dois meses para o fazer. Quando a verba for entregue à edilidade, o processo de transformação do edifício num centro cultural multiusos ir arrancar “imediatamente”, garante a vereadora Débora Sanches.
O governo não cumpriu a lei em matéria de derramas municipais. Não enviou, à CMP, qualquer parcela de produto da derrama lançada há quatro anos pelo município, nem tampouco prestou qualquer informação sobre a derrama liquidada e cobrada. Fechou-se em “silêncio absoluto” e o Primeiro-ministro, instado a intervir, não respondeu “sequer” à missiva que lhe foi endereçada.
“Como se pode depreender da atitude do Governo, não se vislumbrou qualquer interesse em cumprir a lei sobre a derrama municipal”, afirma Débora Sanches.
A vereadora da Acção Social, que falava ontem, em conferência de imprensa, em substituição do vereador da Cultura, vai mais longe e acusa o Executivo de ser “contra o desenvolvimento” do Município da Praia, na linha de um modelo de relacionamento que mantém com os municípios do MpD. “O governo sabia que se cumprisse a lei hoje a Praia estaria em melhores condições para receber grandes eventos culturais”, com ganhos para o município mas também para o país, aponta ainda.
A decisão
Posto isto “na tentativa de repor a legalidade”, a vereadora lembrou que a CMP intentou uma acção contra o Estado, pedindo que este fosse condenado a “proceder à liquidação, cobrança e transferência da derrama”.
Agora o Tribunal da Comarca da Praia, 1º Juízo Cível decidiu a favor da CMP pelo que essas exigências serão cumpridas “nos termos do artigo 7º da LFL”. O Estado é ainda condenado “à prestação de todas as informações sobre a derrama já cobrada e transferi-la no prazo de dois meses a contar da data da notificação” da decisão.
A Derrama e o Cine-Teatro
O caso remonta a 2010, quando a Câmara Municipal da Praia (CMP) lançou uma derrama municipal, com aprovação unânime da Assembleia Municipal e consentimento das associações empresariais (Associação Comercial de Sotavento e Câmara do Comércio e Indústria de Sotavento).
O objectivo era claro. A derrama visava o financiamento da transformação do Cine-Teatro Municipal da Praia, em estado de elevada degradação e abandono, num Centro Cultural Multiuso, moderno e capaz de dinamizar a cultura da capital.
O edifício passaria assim a contar com valências para áreas como o cinema, a música, o teatro , a dança, mas também pela realização de conferências com tradução simultânea, devendo ainda albergar uma galeria de arte e museu de arte e cultura da Cidade.
O projecto, que teve um custo na ordem dos 100 mil euros, foi oferecido pela Câmara Municipal da Covilhã – cidade portuguesa geminada com a Praia - e apresentado aos artistas e agentes culturais em inícios de 2011, que o receberam com satisfação.
“É um espaço que vai mudar muita coisa a nível de realização de eventos aqui no Platô e na cidade da Praia. Estamos ansiosos para que as obras comecem. A falta de espaços adequados para organizar eventos culturais é um dos maiores obstáculos que temos cá na Praia”, afirmou na altura, ao Expresso das Ilhas, o produtor musical Augusto Veiga.
De forma concreta, o projecto oferecido prevê, conforme frisou a vereadora na conferência de imprensa, uma série de intervenções de reabilitação, infra-estruturas e sistemas, “arquitectónicas que se coadunem com uma integração correcta com as pré-existentes, mantendo o aspecto interior do edifício”.
Na altura da apresentação do projecto, o presidente da CMP, Ulisses Correia e Silva adiantou que as obras futuras estariam orçadas em 180 mil contos, um valor que seria assegurado por uma percentagem do imposto sobre o rendimento das empresas sediadas na cidade, isto é, sobre a derrama.
Silêncio
O ambiente de optimismo rapidamente esmoreceu.
Nenhuma resposta chegou às cartas enviadas em 2010 à ministra das Finanças com conhecimento da ministra do Ordenamento do Território e da Direcção-Geral de Contribuição e Impostos. Em Fevereiro de 2011, o silêncio continuou e a derrama que deveria ser cobrada e enviada para a CMP não chegou.
“O Presidente da Câmara Municipal não teve outra alternativa senão endereçar uma missiva ao Senhor Primeiro Ministro, solicitando a sua intervenção para que se cumprisse a lei em matérias de derramas municipais”, disse Débora Sanches. A carta foi ignorada pelo Chefe do Executivo.
Posto o silêncio e “ciente da justiça”, a CMP avançou com uma Acção Administrativa sob a Forma de Processo Civil Comum contra o Estado de Cabo Verde. Esta semana, o Tribunal da Comarca da Praia, 1º Juízo Cível decidiu a favor da Câmara Municipal da Praia.
Quanto ao valor que a Câmara irá receber (e que corresponderia a 3% sobre o rendimento colectável de 2010 em sede de IUR/PC), a vereadora responde que ainda não foi estipulado.
“Na decisão do tribunal não há nenhum valor estipulado. E ainda não temos nenhuma previsão”, afirmou.
“Neste momento, congratulamo-nos com o facto do tribunal dar razão à CMP, é um ganho para o município, e agora esperamos que o governo faça a sua parte”, acrescentou.
Com o dinheiro da derrama, quase quatro anos após o previsto, o processo de requalificação do Cine-Teatro da Praia deverá, por fim, avançar. “Imediatamente”, garante Débora Sanches.
A derrama é um imposto municipal extraordinário, com lançamento e taxa determinados pela Assembleia Municipal, dentro dos limites estabelecidos na lei. Esta forma de financiamento próprio dos municípios está contemplada na Lei das Finanças Locais (Lei nº 79/VI/2005, de 5 de Setembro). Neste caso em específico, a derrama lançada na Praia corresponde a 3% sobre o rendimento colectável em sede de Imposto Único Sobre o Rendimento (IUR), gerado no município.