A Confraria do Grogue de Santo Antão saúda a aprovação do diploma e reconhece que esta medida irá disciplinar a produção e comercialização da aguardente no país e no exterior. Entretanto, nas palavras do presidente da Assembleia Geral desta associação, José Pedro Oliveira, a medida só terá êxito se for seguida de uma fiscalização apertada de Santo Antão à Brava.
Expresso das Ilhas – Foi publicado esta quinta-feira no BO o decreto-lei que estabelece o regime jurídico da produção de aguardente da cana-de-açúcar em Cabo Verde. Chega em boa hora?
José Pedro Oliveira – Eu diria que chegou numa hora, porque o produto Grog já não tinha mais por onde baixar. Todavia, devemos reconhecer que se trata de uma matéria importante para Santo Antão e para Cabo Verde à qual muitos responsáveis políticos tinham virado as costas ou simplesmente ignorado por várias razões e que a actual ministra, em pouco tempo, enfrentou com sucesso tendo produzido o presente diploma que vai trazer condições de recuperação da dignidade e importância do produto.
Este diploma vai resolver todos os problemas relacionados com a produção da aguardente em Cabo Verde?
Pensamos que não. Mas vai ajudar e muito a disciplinar sua produção e comercialização quer no país quer fora. Diríamos que a parte política acaba de criar um bom suporte para que os produtores e a administração pública cumpram convenientemente sua missão, isto é, a de produzir e controlar um produto que não prejudique a saúde pública aqui nas ilhas e, quando exportado dignifique o Made in Cabo Verde para além dos recursos gerados.
A produção de outras bebidas espirituosas que não são feitas à base de cana-de-açúcar não está coberta pelo diploma. Esta lacuna não poderá ser aproveitada por produtores ávidos do lucro fácil?
O lucro fácil vem acontecendo à vista de todos quando se permite e se licencia a produção de bebidas espirituosas para as quais nunca tivemos matéria-prima. O fabrico de whisky, gin e outras bebidas à base de matérias-primas duvidosas importadas e sem qualquer controlo laboratorial talvez ponha mais em risco a saúde pública do que uma aguardente adulterada que se confunde com o Grog. Nossa opinião é que enquanto não houver um quadro legal capaz de definir parâmetros seguros para a produção de toda e qualquer bebida ou alimento, sua produção e comercialização não devem ser licenciados.
Estando em causa a saúde pública, e entrando a lei em vigor só dentro de 180 dias, o governo não terá perdido um ano, já que a produção da aguardente já começou.
É verdade que para este corrente ano os grandes resultados que se pretende com a legislação não se vão sentir na totalidade, mas temos que pensar que um dia teria que ser o início. Estamos convictos de que a partir do próximo ano os ganhos serão enormes e isto é o que verdadeiramente interessa registar.
Portanto, continuam a ser penalizados os que defendem a produção do bom grogue em Cabo Verde.
Como disse anteriormente, devemos registar os ganhos que iremos ter a partir da efectivação do decreto-lei recém-publicado.
A Confraria do Grogue de Santo Antão defende a criação da região demarcada. Esta também não está abrangida pelo presente diploma.
Felizmente que o decreto-lei traz no seu Artigo 10º a Denominação de origem ou indicação geográfica o que abre esta possibilidade da região demarcada para qualquer produto alimentar ou bebida que reconhecendo suas características singulares venha a requerer uma agência governamental credenciada. É o que acontece, há séculos, nos países com produtos de excelência em qualidade o que dá uma certa confiança ao consumidor. Por exemplo, um vinho francês com a sigla AOC (Appelation d’origine controlée) ou um vinho português com DOC (Denominação de origem controlada), dá confiança sobretudo aos consumidores do exterior. Normalmente os governos quando decidem estimular as exportações de produtos de elevada qualidade, dão importância especial à demarcação de regiões.
Como tinha dito a este jornal, só legislar não chega, é preciso fiscalização apertada. Acredita nisso e como deverá ser feita a fiscalização?
Acredito, desde que os institutos responsáveis para tal não se restrinjam às zonas urbanas como vem acontecendo com outras matérias nomeadamente a poluição sonora em que só se fiscaliza as cidades. Por exemplo, no interior dos vales de Santo Antão cada um faz o que quer a nível de poluição (sonora, resíduos sólidos e demais). Será que a fiscalização vai esquecer que é exactamente nesses territórios onde se produz quase a totalidade da aguardente proveniente da cana-de-açúcar a que chamamos Grog? Não se pode ignorar que Santo Antão é responsável por mais de 80% da produção de cana sacarina, mas também uma fiscalização cerrada nas outras ilhas desde que produzam um litro que seja de aguardente de cana. Quero com isto dizer que a fiscalização terá que ser séria e apertada de Santo Antão à Brava.
Irá a Confraria colaborar com as autoridades para que se faça uma fiscalização à altura?
Com certeza que não, pois a nossa Associação não tem tais atribuições.
Com a presente lei o que vai mudar na Confraria?
Absolutamente nada! Continuaremos a ser uma Associação a defender um Grog genuíno e a dar nossa contribuição à sociedade. Nomeadamente a dar certa prioridade na difusão do movimento confrádico para outras ilhas. Nesta linha é muito provável que se inaugure uma Confraria do Vinho na ilha do Fogo, ainda este ano apesar de tudo o que aconteceu.
Augura melhores dias para a marca Grogue/Grogu de Cabo Verde?
Nunca estive mais optimista do que agora e já estou imaginando lindas garrafas de Grogue/Grogu de Cabo Verde em destaque nas mais sofisticadas prateleiras deste mundo fora. O Grog é apenas um produto. Mas o que nós cabo-verdianos temos de interiorizar é que nossa pequenez exige criar qualidade em tudo, mesmo tudo aquilo que fazemos sob pena de não termos lugar no mercado internacional. O desenvolvimento de Cabo Verde passará impreterivelmente por sermos exigentes com nossa própria conduta de vida.