Turismo Comunitário em Ribeira Bote

PorJorge Montezinho,26 jul 2015 6:00

Começou com quatro jovens (hoje são cerca de 20). A associação, dizem os promotores, deve estar a funcionar neste mês de Julho, mas o projecto estreou há quase três anos (comemora-os no mês de Setembro). Ribeira Bote ganhou um circuito turístico que está a mudar o bairro e as pessoas que lá moram.

 

Não é turismo de favela, nem turismo de pobreza, é turismo numa zona especial do Mindelo. Ribeira Bote tem história, tem cultura, tem música, tem pessoas amáveis e tem, cada vez mais, grandes activistas sociais. O projecto de turismo comunitário na Ribeira Bote, cujo objectivo é, como o nome indica, trazer turistas para a zona de Ribeira Bote, começou porque um casal, ele luxemburguês ela cabo-verdiana, quis conhecer algo diferente, conhecer a realidade cabo-verdiana pura e dura. Falaram com o Frei Silvino Benetti, da Igreja São Francisco na Ribeira de Craquinha e este contactou Miriam Lopes (hoje psicóloga clínica, na altura ainda a frequentar o curso e natural do bairro). Miriam contacta outra amiga, que na altura estudava gestão hoteleira e turismo (Charlene Graça, autora também de uma monografia sobre o projecto: Uma Oportunidade de Desenvolvimento da Comunidade de Ribeira Bote, Universidade do Mindelo, Julho 2013) e juntas fizeram o roteiro.

Daí para cá, já visitaram o bairro de Ribeira Bote mais de trezentos turistas, tanto nacionais como estrangeiros (a maioria). Ribeira Bote é uma comunidade localizada na periferia perto do centro da cidade do Mindelo. A sua população é maioritariamente jovem e enfrenta problemas de ordem social como a pobreza, o desemprego, as condições limitadas de saúde, as condições precárias de habitabilidade, a gravidez precoce, o abandono escolar, o alcoolismo e a violência a diferentes níveis.

Como escreve Charlene Graça na sua monografia, o nome da localidade surgiu porque havia na zona um mini-estaleiro, onde eram construídos barcos de madeira que faziam carreira entre as ilhas do arquipélago, bem como botes e escaleres de todos os tamanhos e feitios que serviriam a baia do Porto Grande e as outras ilhas. Quando os barcos eram lançados ao mar, e dada a distância, eram assentes em roletos de ferro maciço e apoiados lateralmente em escoras de madeira. À medida que as pessoas iam puxando os barcos, as escoras eram novamente colocadas para manter o equilíbrio. Logo que os barcos começassem a flutuar, os mastros e as cabines eram colocados mesmo no mar. Os mestres carpinteiros de construção naval eram hábeis, portanto, o povo passou a chamar ao sítio Ribeira Bote e daí o nome pegou para sempre.

O investigador mindelense Moacyr Rodrigues completa o retrato. Na sua obra sobre o Carnaval do Mindelo escreve: “No princípio dos anos 20 a zona era povoada apenas na zona da ribeira e possuía acima de 200 moradias, constituídas na maior parte de casas de telhas e de cimento e por alguns funcos (casas de pedras, areia e cal) cobertos de colmo.

Habitado por gente laboriosa, o bairro de Ribeira Bote tinha gente de todo o tipo social, gente humilde e trabalhadora que se dedicava a apanha do carvão que caía ao mar, proveniente da descarga das lanchas das companhias inglesas sediadas no Mindelo.

Depois de alguns anos a zona já tinha uma população bastante grande e hospitaleira, oriunda das ilhas de Boavista e Santo Antão, que trabalhava no porto nos limites da cidade, marcando já a diferença entre os prédios novos e as casas de linhas tradicionais, rasteiras, de duas águas de paredes de pedra, embuçadas de cal por fora e telha marselhesa contrastando com as modernas de cimento armado e terraços com quintais nas traseiras, onde as crianças brincavam ainda na rua a porta de casa.

Não obstante as profundas modificações sofridas pela zona com a construção de novas casas e moradias bem ordenadas dentro dos possíveis para um bairro que nasceu a esmo, Ribeira Bote não se modificou muito, mas também não deixou de ter os seus espaços obscuros, como retracta Aurélio Gonçalves: «nos confins da cidade» com «larguinhos contornados de muros baixos a resguardar os quintais e dos infalíveis alinhamento de rés de chão vindos de tempos atrasados – a cal das frontarias desfazendo-se – a exalar pobreza e velhice». E também nem mudou do ponto de vista da população solidária e dos seus velhos hábitos de vida nocturna, que continua a abrir as meias portas dos botecos e das casas para receber os fregueses «finos».

Estas são algumas das razões que fazem de Ribeira Bote uma zona riquíssima de história e estórias (é a primeira zona libertada de Cabo Verde e é também o berço da revolução do capitão Ambrósio). Pelas suas ruas ainda hoje se cruzam músicos, escultores, pintores, jogadores de futebol, jogadores de ténis, actores de manifestações culturais como os Mandingas ou os tocadores de tambores nas festas de romarias.

 “Queremos mostrar as partes positivas”, diz Miriam Lopes ao Expresso das Ilhas, “por exemplo, podemos destacar que Ribeira Bote é a zona das grandes vozes de Cabo Verde e o roteiro é exactamente isso, passarmos pelos artistas, pelas pessoas e mostrar o que temos de melhor”.

No total, oferecem-se quatro pacotes aos turistas: Descoberta de Ribeira Bote, que consiste em levar os turistas a conhecer a fundo a zona de Ribeira Bote/ Ilha Madeira onde poderão conviver com os moradores de forma descontraída, ver como são confeccionados os produtos artesanais e provar a gastronomia local feito pelos próprios moradores. Mandingas de Ribeira Bote onde os turistas vão conhecer esta tradição, com visitas ao estaleiro dos mandingas, observação dos preparativos e o ritual que antecede a volta a ilha e termina com o passeio que os mandingas fazem todos os Domingos antes do Carnaval em São Vicente (oferecido apenas nos meses de Janeiro e Fevereiro). Festas de Romarias, onde se mostra a tradição do toca tambor e Colá San Jon e também como são confeccionados os tambores de pele de cabra dentro da zona (oferecido apenas no mês de Junho). E Toca Recordai, onde o objectivo é levar os turistas a tocar o São Silvestre porta a porta como manda a tradição em São Vicente (oferecido apenas no final do mês de Dezembro e início de Janeiro).

“É um roteiro turístico onde tentamos mostrar o quotidiano das pessoas, como elas vivem”, diz Miriam. “Não é um turismo de massa, é um turismo de pessoas específicas que gostam dessa experiência”.

As novas tendências da procura mundial fazem com que o turismo conquiste novos espaços e incorpore novos atractivos à sua oferta. Neste cenário, inúmeros micro empreendimentos familiares, cooperativos e comunitários enriquecem a oferta turística nos âmbitos local, nacional e internacional, ao incorporarem “um turismo com selo próprio”, a partir de uma combinação de atributos singulares e originais, como escreveu Carlos Maldonado.

Ou como refere Charlene Graça, “espera-se que o turismo comunitário proporcione às famílias autóctones oportunidades de desenvolvimento, sem interferir nas particularidades e dinamismo comunitário. Do ponto de vista cultural, significa aprendizagem, conhecimento, encontro de pessoas. Representam-se os valores, signos e símbolos que favorecem as relações interpessoais e de hospitalidade entre turistas e visitados”.

“Desde que o projecto começou Ribeira Bote ganhou outra dimensão”, conta Miriam. “Antes estava tudo meio quieto, ninguém queria fazer nada, todo o mundo estava desmotivado e desanimado porque achavam que não valia a pena. Agora, estão a surgir outros projectos”.

E a comunidade tem mais-valias palpáveis. Por exemplo, os artesãos podem vender directamente aos turistas e a própria mentalidade dos moradores foi mudando ao longo dos últimos três anos. “Temos oportunidade de mostrar que Ribeira Bote e Ilha de Madeira não são assim tão negativas”, explica Miriam Lopes ao Expresso das Ilhas. “Muitas pessoas têm receios, mas com esse projecto já conseguimos mudar essa mentalidade, não só das pessoas fora de Ribeira Bote como das próprias pessoas de Ribeira Bote. Quando eu era criança e dizia que era da Ribeira Bote as pessoas ficavam com um pouco de medo, agora as crianças já vêem turistas na comunidade, já passam por mim e dizem: ‘hoje são poucos’. Já não pensam que a sua zona é tão má como as pessoas dizem”.

Quando começou, o Projecto Ribeira Bote – Turismo Comunitário teve como principal objectivo contribuir para o desenvolvimento da comunidade de Ribeira Bote através do turismo comunitário. Por isso foi desenvolvido tendo por base dois pilares: o enfoque a Nível Comunitário, a sensibilização, inserção e participação, formação, informação dos moradores para a importância deste projecto; e o enfoque a Nível Turístico, preparar a comunidade para receber e interagir com aqueles que vêm de fora.

Agora, depois de criada a associação, Miriam Lopes sublinha que a evolução do projecto passará pela inclusão de mais uma agência turística (actualmente trabalham apenas com a Vista Verde). “Mais do que isso não. Não queremos que Ribeira Bote perca a sua singularidade, porque se tivermos muitos turistas todos os dias perde-se a genuinidade, arriscamos a que venham pessoas de outras zonas expor os seus produtos. Se tivermos três grupos por semana conseguimos alcançar os nossos objectivos, porque o principal é termos uma receita para o turismo comunitário como empresa e também ter receitas para a associação, ambas funcionam de forma diferente mas integrada. O objectivo da associação será desenvolver a comunidade e o turismo. Parte da receita será usada para ajudar a orquestra infantil do bairro, os mandingas para conseguirem uma tinta biológica, para pintar mais casas, para fazer campanhas de limpeza”.

“Acho que Ribeira Bote tem surpreendido toda a gente, inclusive os próprios moradores. Já muitos turistas nos disseram que Ribeira Bote foi a melhor coisa que tiveram em Cabo Verde. Qualquer um que queira visitar-nos esteja a vontade. Estou certa que vai surpreender-se”, afirma Miriam Lopes.

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Autoria:Jorge Montezinho,26 jul 2015 6:00

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  24 jul 2015 16:59

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