Nuno Rogeiro: Nenhum país está a salvo do terrorismo

PorJorge Montezinho,31 jan 2016 6:00

Neste contexto de terrorismo internacional, de radicalização do continente africano, que preocupações deve ter um país pequeno como Cabo Verde, com fronteiras permissivas?

Acho que há dois níveis. Um, que não pode ser assegurado por Cabo Verde, que é a protecção física da Zona Económica Exclusiva. Cabo Verde tem-se apetrechado com alguns navios interessantes, mas não tem uma armada. Portanto, tem de encontrar parceiros, e felizmente eles existem, que façam essa protecção física estratégica. Segundo, dentro de Cabo Verde o país tem de encontrar uma maneira de coordenar as liberdades civis com forças de segurança e informação bem preparadas. Daquilo que eu conheço da estrutura cabo-verdiana, quer da Polícia Judiciária, quer da Polícia Nacional, quer dos serviços de informações, penso que Cabo Verde tem muito mais capacidade do que as pessoas podem imaginar. Sobretudo por uma coisa, porque aqui as forças de segurança não são órgãos políticos, são órgãos profissionais. Enquanto noutros estados africanos a distância entre o serviço de informações e uma polícia secreta é muito pequena, aqui não caíram nessa tentação, o que já é um bom começo. Agora, há muitas coisas que têm de ser feitas, e sobretudo a Europa e os Estados Unidos da América têm de dar apoio científico, técnico e tecnológico às forças cabo-verdianas para lhes permitir, com meios, uma protecção que não cause o pânico entre as pessoas. Aqui o justo meio é uma protecção eficaz, que não seja muito visível, mas que exista e que faça também com que a sociedade seja vigilante sem se transformar numa sociedade de bufos. Tudo isso é possível, mas passa pela mudança de mentalidades e pelo papel do Estado na aculturação das pessoas.

 

Mudança de mentalidade em que aspecto?

Por exemplo, uma pessoa não pode envergonhar-se de perante uma coisa que testemunhe e que lhe pareça ameaçadora poder reportá-la imediatamente. Hoje em dia porque é que uma pessoa se há-de preocupar com um saco de um determinado tamanho se ninguém lhe falou qual é o tamanho de uma bomba? Primeiro, uma pessoa tem de ter informação. Veja que os ingleses têm feito uma espécie de campanha rodoviária adaptada ao terrorismo, em que dão aulas nas escolas, na comunicação social, etc., e isso faz falta. E acho que Cabo Verde deve fazer isso em conjunto com outros países da CPLP. Também advogava, em termos de CPLP, uma estrutura só dedicada ao problema da segurança e do terrorismo, mas, como sabe, isso pode trazer problemas de sensibilidade interna. Mas, a minha utopia é que a CPLP se pudesse organizar nessa área.

 

Por vezes pode haver a sensação de que o terrorismo é algo muito longínquo, mas como disse na sua conferência o Estado Islâmico está já na Nigéria. Isso deve-se à movimentação de leste para oeste dos grupos radicais?

Todos os grupos que têm sido mais activos, como o Boko Haram, têm um problema: estão a perder a guerra tradicional e têm de compensar essa perda com actos cada vez mais hediondos. E qual é o ídolo dessa gente toda? Não é o Elvis Presley, é o Daesh [especialistas em direito internacional têm defendido o uso do nome Daesh em vez de Estado Islâmico para lhe retirar estatuto simbólico] e o Daesh faz um pouco o papel do Elvis Presley, do género: quem é o tipo que mata mais gente? Há aqui também algo de bravata e de machismo no meio disto que não deve ser ignorado. E há um outro problema importante e que não deve ser ignorado, porque há coisas que não nos parecem óbvias mas que são importantes. Quando se dão os atentados contra o Paris/Dakar, onde é que os homens que perpetraram os atentados foram presos? Na Guiné-Bissau. Quer dizer, conseguiram vir do norte até à Guiné-Bissau. Esta ideia que há fronteiras físicas que ninguém consegue atravessar é uma ilusão.

 

Mesmo o mar?

Há tantas forças navais à volta da Europa, da América e de África que era possível criar uma força naval permanente que pudesse patrulhar 24h sobre 24h. Mas, para isso é preciso determinação e vontade.

 

Referiu a questão do turismo na sua apresentação, como um dos alvos preferenciais do terrorismo…

(interrompe) O que eu disse para Cabo Verde é válido para Portugal. Hoje se for a Lisboa encontra muitos monumentos protegidos por polícias com armas automáticas. Convém não brincar.

 

Quando pomos num prato da balança a protecção e no outro os direitos individuais dos cidadãos, qual deve pesar mais?

Eu acho que temos bons sistemas: mandados judiciais, colaboração entre várias entidades. Importante é que nada disto fique nas mãos de um só poder, porque quando isso acontece é o fim do nosso tipo de civilização. Se de repente há um ministro que pode fazer o que quer, e se não há interferência judicial ou de outros contrapoderes estamos perdidos. Temos é de fazer com que os processos judiciais sejam mais céleres, que haja coordenação entre vários países do mundo e que em vez de guardarem a informação a transmitam. Portanto, defesa das liberdades, sem dúvida, mais vigilância, mas também mais eficácia na investigação e nos processos judiciais.

 

Por falar em troca de informação, pelo que percebi também trouxe informação para Cabo Verde.

Sim. Foi uma sessão interessante, e reservada, com os profissionais cabo-verdianos dessa área.

 

Cabo Verde pode estar na rota de fuga dos radicais que actuaram na Europa?

Pode haver problemas. Repare, esta gente não ataca nos sítios mais óbvios. Quando se esperava que pudesse haver um grande atentado em Berlim no fim do ano, o atentado dá-se em Bamako ou em Ouagadougou. E o próximo poderá ser num outro sítio qualquer que ninguém está à espera. Quando se esperava que pudesse ser em África aconteceu em Jakarta. Portanto, a imprevisibilidade, e o facto desta gente estar por toda a parte, tem de ser um dado a ter em conta. É evidente que eu não penso que Cabo Verde pode estar na linha da frente como potencial alvo, nem há aqui estruturas logísticas que permitissem a um grupo instalar-se e desaparecer. Mas, não se esqueça uma coisa, muitos destes grupos podem não precisar de estrutura logística, podem chegar aqui, podem ter alguém que tenha desviado alguns explosivos e eles fazem-se matar aqui, ou seja, nem pensam na fuga. Essa é uma situação que não pode ser esquecida. Agora, é evidente que para eles é mais importante ser num sítio de grande exposição pública, como Paris, mas, por outro lado, Ouagadougou não é um local de grande exposição pública. Há uma coisa que quem estuda o terrorismo sabe: a imprevisibilidade é muito importante e os serviços de informações têm uma velha mania de não rever os esquemas que têm. Estes esquemas precisam de ser revistos sempre. Temos sempre de duvidar daquilo que sabemos.

 

Haverá alguma maneira de um dia tornar mais previsível um ataque terrorista?

No dia 8 houve uma reunião nos Estados Unidos entre funcionários de vários serviços de informações e os homens do Google, do Facebook, do Twitter, etc., de forma a criar um algoritmo que possa prever quem está prestes a suicidar-se só pelas mensagens que escreve. Há quem ache que há formas científicas de prever isso, mas estamos ainda muito longe de o poder fazer. Porque são imensas as razões que levam uma pessoa a radicalizar-se.  

 

Causas da ascensão do Daesh num espaço temporal tão curto

A desintegração do estado sírio logo a seguir à primavera árabe local (o regime sírio reprimiu brutalmente, com todos os requintes de crueldade, a população civil. Os moderados foram sendo destruídas, e como o sangue gera sangue, essa repressão é uma das causas evidentes da transformação de moderados em radicais dentro da Síria); o governo do Iraque que sucedeu à intervenção aliada cometeu muitos erros; houve uma captura massiva de armamento ligeiro e pesado quer ao regime sírio, quer ao iraquiano quer aos curdos; a porosidade das fronteiras exteriores iraquianas; marginalização de movimentos iraquianos que tinham combatido os radicais; a deserção em massa dos soldados sírios e iraquianos para o Daesh; o descontentamento social e administrativo no norte e ocidente do Iraque; o vácuo securitário deixado pela saída dos EUA; decadência militar das forças curdas; disputas entre curdos e iraquianos; ascensão de novas doutrinas e novos doutrinários no campo jihadista; criação de uma nação sunita prometida pelo Daesh; mensagem simples, redutora e catastrofista que consegue fazer eco junto das populações descontentes; o fim da cooperação antiterrorista entre Washington e Moscovo; o desvio de armas destinadas aos rebeldes moderados da Síria.

Como se financia o Daesh

Em Outubro de 2014 o PIB do Daesh andaria à volta de 2,3 mil milhões de dólares, segundo as estimativas. Teria 900 milhões de dólares no banco de Mossul (que foi destruído há pouco tempo), dinheiro usado para pagar os funcionários públicos do Estado Islâmico. Tem feito muito dinheiro em resgates de reféns, calcula-se cerca de 80 milhões dólares; apanharam várias centrais de produção e refinação petrolífera, as estimativas dos serviços secretos alemães falam em lucros de 100 milhões de dólares por ano; também faz dinheiro com extracção mineral; tráfico de antiguidades (a destruição de ícones não passa de mera propaganda); tráfico de pedras ornamentais; o turismo islâmico (o Daesh tem agências de turismo que promovem passeios para jihadistas); direito fiscal (cobra taxas, impostos revolucionários); contrabando (armas, veículos, droga, tabaco); licenças de actividade; taxas de circulação de produtos e trânsito; taxas sobre empresas que laboram dentro do Estado Islâmico; agricultura e pecuária (com exportações para o Irão, Jordânia e Turquia); remessas internacionais; produtos financeiros investidos na banca internacional; venda de merchandising; desvio de ajuda.

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 739 de 27 de Janeiro de 2015.

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Autoria:Jorge Montezinho,31 jan 2016 6:00

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  1 fev 2016 8:35

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