TACV: Crónicas de uma companhia em apuros

PorSara Almeida,19 mar 2016 6:00

Cancelamentos, atrasos, alugueres de aviões, gastos cavalgantes com a assistência aos clientes. Às dívidas milionárias -  entre as quais a que culminou no recente e mediático arresto do Boing 737-800 na Holanda - , somam-se a título diário milhares de contos de gastos nesses “extras” e acumulam-se débitos. Parece ser cada vez mais difícil pagar e cumprir obrigações, e ao mesmo tempo que se causam constrangimentos a passageiros e fornecedores, o nome da companhia vai-se denegrindo. Antevêem-se processos, nomeadamente nos passageiros que ficaram em terra no Brasil, em mais um momento problemático para a companhia.

 

Sexta-feira, dia 11 de Março. A enteada de Mônica Carla e uma amiga iam viajar nesse dia. Estavam em Natal (Brasil) e o destino final era Portugal, com passagem por Cabo Verde. O voo era o 888 da TACV.

Na “hora do embarque”, e apenas aí, conforme escreve Mônica na página de Facebook da companhia aérea, os passageiros foram informados de que o voo fora cancelado. “Não tem representantes da TACV em Natal! Mau atendimento, descaso, falta de respeito com os direitos dos passageiros! Natal não precisa de voos desse tipo!!!”, reclama.

A indignação vai crescendo, ao longo das horas seguintes. Ultrapassa a questão do cancelamento e falta de informação atempada. Os passageiros foram encaminhados para um hotel e foi-lhe dito que iriam efectuar uma viagem de 8horas de autocarro até Fortaleza, onde apanhariam um novo voo. O meio e transporte e tempo de viagem levanta mais indignações.

Uma outra internauta junta-se aos protestos via rede social. Ironiza Ana Mendes: “A ilustríssima administração da TACV, depois da brilhante decisão de os enviar de autocarro, 8 horas, a outra opção era irem a pé, e só estas duas estavam em cima da mesa porque nenhuma outra lhes ocorreu (…) É uma tremenda chatice ter de transportar pessoas. Esperemos que em Fortaleza não tenham à vossa espera um avião da 2ª guerra mundial recentemente adquirido na Rússia.”

“Quando será que proíbem estas pseudo-companhias de operar”, acrescenta.

Ao que o Expresso das Ilhas apurou, a TACV recorreu à viagem de autocarro para economizar, mas também por não haver disponibilidade em voo doméstico. Isso não acalmou o descontentamento.

 

Fim-de-semana conturbado

Além do voo 888, foi também cancelado, este fim-de-semana, no Brasil, o voo 878. No total, 194 passageiros ficaram em terra, sendo que a TACV teve de, por diversas vias, de proteger os seus direitos. A viagem de vários passageiros afectados pelo cancelamento no Brasil foi garantida em voos da TAP. Mas nem todos passageiros chegaram aos seus destinos finais três dias depois da data prevista.

Estes voos são apenas dois exemplos recentes. Os cancelamentos têm sido frequentes em todas as rotas internacionais, com as autoridades desses países a questionarem a companhia cabo-verdiana sobre os cancelamentos e a pressionarem quanto à assistência e compensação aos passageiros.

Quando há cancelamentos, conforme o Expresso das Ilhas soube, a orientação da administração devido às dificuldades financeiras que a empresa atravessa, é que seja sempre dada prioridade a outros voos da TACV sobre os de outras companhias. Mesmo quando isso é passível de causar alguns constrangimentos aos viajantes.

Uma orientação que tem vindo a ser contestada. Voltando ao Brasil, por exemplo, e na sequência das queixas deste fim-de-semana junto aos órgãos de defesa do consumidor e Juizado do aeroporto, este último relembrou à TACV que é obrigada a proteger todos os passageiros no primeiro voo disponível para o destino, independentemente do preço do bilhete. Caso não o faça arrisca-se a processos e possivelmente a ter de indemnizar os passageiros por danos morais.

Aliás, antevendo que haverá já vários processos relativos aos acontecimentos deste fim-de-semana, a TACV estará já a preparar-se para a eventualidade de ter de se defender na justiça. A hipótese de um embate a esse nível é cada vez maior, os cofres esvaziam-se, a situação deteriora-se.

 

TAP: bilhetes, só a pronto

Muitos passageiros de Natal acabaram por viajar para o Sal no voo 855, que partiu de Fortaleza no dia 14. No total, vieram 136 passageiros, dos quais 59 com ligação para Lisboa. Quase metade deveria ter viajado para Portugal no dia 11.

Mas, como referido, alguns passageiros do 888 acabaram por ser incluídos em voos da TAP (na sua rota Brasil/Europa). Ora essa companhia, como é do conhecimento público, desde Dezembro que não aceita os bilhetes da TACV, nem os seus passageiros em situação de irregularidade do voo.

A medida foi tomada em consequência da suspensão da TACV do Clearing House da IATA (Associação Internacional de Transportes Aéreos). Entretanto, a TACV foi readmitida naquele organismo em finais de Janeiro, mas a posição da TAP manteve-se, conforme confirma o delegado da companhia aérea portuguesa em Cabo Verde, João Inglês.

“A TAP decidiu não aceitar bilhetes pelo Clearing House, mas se algum problema houver com  TACV ou seus passageiros, nós aceitamos esses passageiros”, diz. Há, porém, uma condição importante: “O pagamento ser feito na altura da aceitação.” Ou seja, a TACV paga como qualquer outro cliente particular.

João Inglês não o diz, mas por trás dessa posição está a falta de crédito da companhia cabo-verdiana junto a TAP.

Dívidas? “Não podemos falar de dívidas porque estamos disponíveis e abertos a colaborar, mas é um facto: os pagamentos são feitos na altura e a pronto, devido a várias circunstâncias”, responde, evasivamente.

O delegado avança ainda que em Cabo Verde a TACV não tem, no entanto, recorrido à compra de bilhetes da sua congénere portuguesa.

Mas também João Inglês já ouviu falar do que se passou na sexta-feira no Brasil. “Penso que a compra foi feita através uma agência de viagem”, diz-nos.

A compra foi feita (conforme soube por outra fonte o Expresso das Ilhas), efectivamente, através de uma agência de viagens, que tem vindo a conceder crédito à TACV para a emissão de bilhetes, mas que já alertou a companhia que não ter mais capacidade de responder às suas necessidades.

Além disso, como se sabe, a situação – agravada pela falta de confiança dos passageiros na TACV e queda das vendas – está grave e a delegação do Brasil não tem, actualmente, condições para comprar bilhetes.

Aliás, terá mesmo sido pedida ajuda a Lisboa para emitir bilhetes de protecção na TAP devido à falta de crédito junto das agências de viagem. Falta de crédito que se estende a outros fornecedores.

Os cancelamentos sucessivos, em larga escala provocados pelo arresto, vieram portanto aumentar em grande escala as facturas e a estrangular ainda mais as acções financeiras da TACV.

 

Queixas diminuíram na AAC

O cenário no Brasil parece estar deveras complicado, com as queixas e a ameaças de processo ao rubro. Em Cabo Verde, pelo contrário, segundo apuramos junto da reguladora, a Agência de Aviação Civil (AAC), as reclamações tem vindo a reduzir.

Tal deve-se ao facto da TACV estar a prestar efectivamente assistência a todos os cancelamentos e atrasos.

E essa assistência “reduz as queixas e reclamações”, avança o administrador para a área de regulação.

Octávio Oliveira salvaguarda no entanto – e tendo em conta que parece estar a haver um aumento desses cancelamentos e atrasos nos últimos dias - que há algum desfasamento temporal entre a reclamação, recolha, envio e a sua chegada à AAC. Ou seja, a verdadeira situação actual das reclamações só será do pleno conhecimento da AAC daqui a 15 a 20 dias.

Entretanto, observa o administrador, a reclamações relacionadas com a falta de informação e a qualidade de serviço representam neste momento mais de 20% das queixas já recebidas pela entidade reguladora cabo-verdiana.  

 

Testemunho: “Jamais voarei por essa companhia” 

O voo 888 da TACV, de Natal para Lisboa, com escala em Cabo Verde, foi cancelado e  a assistência prestada pela a companhia aérea cabo-verdiana lidou com os passageiros alvo de inúmeras críticas. A enteada de Mônica Carla Oliveira foi um desses passageiros a ficar em terra.  Depois de protestar nas redes sociais, a brasileira partilhou com o Expresso das ilhas o que se passou no passado fim-de-semana no Brasil.

“A minha enteada, que é portuguesa, e uma amiga deveria viajar no Voo 888 da TACV, dia 11 de Março, às 23h15. Chegamos ao aeroporto Aluízio Alves às 20h00, para elas embarcarem. Foi então que soubemos que o voo havia sido cancelado. Não fomos avisados nem por telefone nem por email.

Não havia ninguém da TACV para prestar informações. A TACV não possui guichê de atendimento, nem funcionários em Natal.

Um dos quatro funcionários do próprio aeroporto que lá estavam foi chamando os passageiros um a um para os avisar do cancelamento, porém não disse qual o motivo para o mesmo. Quanto às alternativas de voo que havia, disse que não estava autorizado a aprová-las.

Não divulgou também aquilo a que os passageiros tinham direito. Ficamos a conhecer esses direitos após consulta ao site da ANAC [Agência Nacional de Aviação Civil] e exigimos hotel, alimentação e translado.

Ele informou-o sobre qual o endereço do site para pedir reembolso, através de um pedaço de papel, escrito a caneta.

Encaminhou quem não tinha onde ficar para um hotel e disse que embarcariam em um voo da TAP no domingo à noite. O que aconteceu, porém, é que no domingo, ao meio dia, chegou ao hotel um ónibus para leva los a Fortaleza, uma viagem com duração de 8 horas, onde iam embarcar em um voo da TACV. Não havia ninguém da TACV no momento do embarque no ónibus, só o motorista da empresa proprietária do ónibus, que disse que não haveria almoço.

Os passageiros chamaram a polícia. O motorista ligou para alguém da empresa, e resolveram então pagar almoço antes da viagem. A meio da viagem para Fortaleza, o ónibus foi parado pela fiscalização e ficou preso. Depois de esperarem na estrada, os passageiros seguiram em outro ónibus, para o aeroporto ,onde embarcaram as 3h35 para ilha do Sal. Chegando à ilha do Sal embarcaram em outra companhia para Lisboa, onde chegaram na segunda feira as 15h49 horas, horário de Lisboa. Bilhetes comprados pela TACV.

Fizemos queixa na ANAC  - que controla a aviacão no Brasil - , e no Juizado das pequenas causas de Natal, que funciona no aeroporto. A advogada do Juizado ligou para o representante da TACV no Brasil, o Sr José Luiz, e pediu que ele embarcasse as pessoas nos voos partindo de Natal, como determina a lei no Brasil. Ele respondeu que não embarcaria ninguém porque não possui convénios com outras companhias e que podiam entrar [com processo] na justiça, se quisessem. Ela disse que havia passageiros portugueses precisando de ajuda. Ele, que também é português, disse que  não iria ajudar, que entrassem na justiça. Não se preocupou com a condicão financeira das pessoas que já não tinham real brasileiro (dinheiro), ficaram em um hotel longe de tudo, sem possibilidade de sacar euros, com compromissos de trabalho em suas cidades de origem, problemas de saúde, sem falar no constrangimento de ficarem no meio de uma estrada, no meio da madrugada, no Brasil, sem segurança alguma, e sem forma de comunicação (aquando da viagem de ónibus).

A minha opinião é que a empresa, a TACV, não possui estrutura para operar esse voo para Natal, Recife e Fortaleza. Me questiono como é possível uma empresa assim, ganhar uma licença para operar dessa forma em voos tão longos. Só possui uma aeronave, e não tem funcionários para atender as pessoas. Fomos maltratados pelo funcionário do aeroporto, iremos processa lo também, porque tratou os passageiros de forma diferente, oferecendo soluções diferentes para pessoas com o mesmo problema, e omitindo os direitos dos passageiros no caso em que o voo havia sido cancelado. JAMAIS VOAREI POR ESSA COMPANHIA.

Para finalizar, o que me causou maior indignação foi que havia um senhor idoso de nacionalidade francesa com problemas de saúde (problemas renais e nas mãos), com cirurgia marcada para segunda dia 14,com todos os exames feitos, hospital reservado em Guadalupe nas Caraíbas, e com voo marcado em Paris. Mesmo assim não viu o seu apelo atendido. O atendende só dizia que não tinha autorização para encaixa lo em outra companhia. Ficou 3 horas de pé e teve que desmarcar a cirurgia porque não tinha condições de fazer a viagem de 8 horas de ônibus e, além disso, chegaria a Paris após a hora do seu voo.” - Mónica Oliveira


TACV vai ser subsidiada nas rotas domésticas deficitárias

“Não pode!”

Melhor dizendo: o empresário Jorge Spencer Lima considera que a subsidiação das rotas domésticas deficitárias é, efectivamente, uma medida muito positiva e há muito esperada. No entanto, o facto da Resolução que (finalmente) estipula contemplar apenas a Transportadora Aérea de Cabo Verde – assim no singular – é, para o empresário, um absurdo. “É desvirtuar o mercado, é o Estado a proteger o Estado, a subsidiar o próprio Estado”, indigna-se.

A alegada justificação para que apenas seja abrangida uma Transportadora – a TACV (Transporte Aéreos de Cabo Verde) terá a ver com o actual panorama da aviação doméstica cabo-verdiana, onde esta é ainda a única empresa a funcionar. De acordo com uma fonte contactada pelo Expresso das Ilhas, existe já, inclusive, uma Proposta Lei, a accionar a partir do momento em que haja mais transportadoras a operar no mercado e que impõe o concurso público quanto a esse serviço subsidiado.

Para Spencer Lima, que foi director comercial da TACV e posteriormente dono da companhia de aviação Halcyonair (que encerrou a actividade em 2013), essa situação algo provisória da Resolução é absurda.

Como acusa o empresário, as leis não podem ser feitas desta forma.

“Não se pode fazer uma lei para cada pessoa [empresa] que entrar. Isso não tem pés nem cabeça”, ainda para mais quando as necessidades de subsidiarização se irão impor a qualquer empresa que trabalhe nas rotas deficitárias. “A lei é uma só”, diz, o empresário e actual presidente da Câmara de Comércio de Sotavento

Spencer Lima reitera porém que esta medida é importante, até porque há ilhas para as quais voar dá mais prejuízo do que lucro.

“Por exemplo, ir ao Maio tem os seus custos. Se as empresas forem trabalhar exclusivamente numa perspectiva de negócio, ninguém voa para o Maio”, afirma. E o mesmo se poderia dizer quanto a São Nicolau.

Assim, o Estado deve, sim, subsidiar a diferença com os custos. “O princípio [da subsidiação] está correcto, é uma medida que já muito se esperava e está correcta, mas como está [feita essa resolução], não pode ser”, defende. “Tem de ser para todas as empresas nacionais, empresas registadas em Cabo Verde!”

 

A Resolução

O diploma em causa, a Resolução nº 24/2016, foi publicado no Boletim oficial de 15 de Março e estabelece “a subsidiação financeira do Estado atribuída no âmbito dos serviços aéreos domésticos regulares prestados pela Transportadora Aérea de Cabo Verde, nas rotas consideradas periféricas ou com baixa intensidade de tráfego”.

A medida é tomada tendo em conta que essas rotas, “apesar de serem de baixa densidade de trafego, são consideradas vitais para o desenvolvimento económico e social do país”,

Assim, “ enquanto não for aprovado o diploma que regula as obrigações de serviço público e as compensações financeiras do Estado”, fica criado ao abrigo desta Resolução, “um mecanismo que visa garantir a regularidade, frequência e qualidade na exploração dessas rotas”.

A subsidiação financeira visa entre outras coisas “compensar a transportadora aérea nacional pela prestação deste serviço”e  é atribuída “sempre que as condições de mercado não garantam que os níveis adequados de serviço na rota possam ser assegurados sem o pagamento”.

Compete à AAC, Agência de Aviação Civil (Autoridade Aeronáutica Civil, no texto do diploma) fiscalizar o cumprimento dos aspectos técnicos, de qualidade e de segurança. À Inspecção-geral de Finanças cabe fiscalizar “as operações económicas, financeiras e fiscais praticadas pela transportadora aérea nacional no âmbito das rotas subsidiadas”.

A Resolução foi aprovada no Conselho de Ministro de 2 de Março de 2016 e entrou em vigor no dia seguinte à sua publicação.

 

TACV nega venda de imóveis

A TACV refuta estar em curso qualquer operação de alienação dos imóveis pertencentes à companhia aérea. Assim, a empresa não se está a desfazer de nenhum imóvel, até porque, como explica em nota de esclarecimento publico, o seu conselho de administração “não tem competências para o fazer”. Além disso, “a venda não resolveria os profundos problemas que a empresa enfrenta”.

Na nota enviada às redacções no início desta semana, lê-se ainda, e caso dúvidas houvessem sobre a declarada ausência de “competências”, que: “O próprio Accionista” incluiu um ponto na convocatória para a Assembleia Geral Ordinária de 15 de Março, “com a seguinte redacção ‘orientações do accionista Estado ao Conselho de Administração para não alienar qualquer activo da empresa’”.

Ou seja, como mais à frente se refere, “nenhuma decisão foi tomada” nem o poderia ser “sem a devida autorização e, deliberação da Assembleia Geral”.

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Autoria:Sara Almeida,19 mar 2016 6:00

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  19 mar 2016 20:10

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