Cancro do Colo do Útero: Programa de rastreio nacional ganha forma

PorSara Almeida,3 jul 2016 6:00

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Segundo a Organização Mundial de Saúde, há mais de dois milhões de mulheres com cancro do colo uterino em todo o mundo. A cada dois minutos, uma mulher morre devido a este carcicoma e em Cabo Verde é o cancro que mais mulheres mata. Dados aterradores e há muito que em Cabo Verde se defende a urgência de um programa estruturado de rastreio, que tem vindo a ser pensado desde há algum tempo e começa agora a tomar forma. Uma formação em colposcopia que decorre em Mindelo e na Praia é mais um passo para combater esta doença, cuja taxa de incidência não pode deixar o país indiferente.

 

O cancro do colo do útero é o carcicoma que mais mulheres afecta em Cabo Verde, sendo seguido pelo cancro de mama. Tal como no caso de outros cancros, o diagnóstico precoce marca a diferença entre a vida e a morte.

De acordo com o Ministério da Saúde, a prevalência e a incidência do cancro tem tido, aliás, um aumento progressivo nos últimos anos constituindo a segunda causa de mortalidade nos adultos.

“Os tumores malignos particularmente os do tubo digestivo e do foro genital (mama, colo do útero e próstata) são a segunda causa de óbito em Cabo Verde”, sendo ultrapassados pelas doenças cardiovasculares [DCV], explicita o Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário de 2012-2016.

E sendo também o cancro do colo do útero o que mais cabo-verdianas afecta é também a primeira causa de evacuações para tratamento no exterior. Mas é também uma doença que, através de diagnóstico precoce e tratamento, pode ver os seus danos eficazmente combatidos.

Assim, há já algum tempo que o Ministério da Saúde pretende levar a cabo um programa nacional de rastreio do cancro de colo de útero. É nesse âmbito que se estão a realizar os cursos de capacitação em colposcopia para ginecologistas e enfermeiros que trabalham nos serviços públicos de saúde.

Durante os dias 20 a 24 de Junho, a formação decorreu no Mindelo, estando agora a acontecer, desde dia 27 e até 1 de Julho, na cidade da Praia.

Escreve a tutela ainda que “no âmbito da preparação para o rastreio do cancro do colo de útero, o Ministério da Saúde já distribuiu equipamentos como colposcópio, microscópio e outros equipamentos de anatomia patológica aos hospitais centrais contando distribuir colposcópios para os hospitais regionais”.

O programa conta com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, do escritório conjunto FNUAP/OMS, da OMS, dos Hospitais Centrais e do Instituto Nacional de Saúde Pública.

 

50 mil por ano

A antiga ministra da Saúde, Cristina Fontes Lima, revelou em Novembro do ano passado, em entrevista ao Expresso das Ilhas, que o acordo com a Gulbenkian iria permitir fazer o rastreamento de “50 mil mulheres em cada ano, num cúmulo de 250 mil em cinco anos”.

“Já aprovamos o manual de tratamento, estamos a responder a esta nova situação. No quadro deste projecto com a Gulbenkian vamos introduzir o screen-and-treat com colposcópio, para fazermos o rastreio (screen) e tratarmos imediatamente (treat) [casos de tumor do colo do útero]”, explicou Cristina Fontes Lima, salientando porém que o método, económico, não resolve todos os problemas.

 

 

Uma preocupação antiga…

O programa nacional de rastreio do cancro de colo de útero é uma necessidade há muito reivindicada pelos médicos, uma vez que o rastreio precoce é a forma mais eficiente de salvar vidas.

Em entrevista ao Expresso das ilhas, no âmbito de uma reportagem sobre os cancros ginecológicos (mama, ovário e colo do útero), publicada em Abril de 2013, defendia a oncologista Hirondina Borges que a implementação de um programa estruturado de rastreio deve ser a efectiva  prioridade na luta contra o cancro.

Uma paciente diagnosticada com cancro do colo do útero na fase 1 [são 4 fases] tem praticamente 100% de hipóteses de viver. Essa percentagem desce para cerca de 15% na fase 4. Reveste-se pois de grande importância o rastreio periódico, que possibilita a descoberta da doença em fase inicial e dita a diferença entre a vida e a morte da paciente.

Na altura, o EI contava a história de Natasha a quem tinha sido diagnosticado um tumor. A jovem fez uma conização [um exame ginecológico onde um fragmento de tecido em forma de cone é removido do colo do útero], foi operada e seguida durante três anos. Findo esse período, apenas necessitava de fazer exames anualmente.

Natasha, um exemplo de como a detecção atempada pode, de facto, salvar vidas e vencer a 100% os tumores malignos, deixava o seu conselho: “uma vez por ano façam a citologia, vulgo papanicolau. É muito importante ir ao médico, mesmo que nunca se tenha dores e se pense que tudo está bem”.

A questão é que em Cabo Verde o rastreio ainda não tem a massificação desejada. Para muitas mulheres, ir ao ginecologista ainda é algo que só acontece na gravidez ou quando há sintomas acentuados de que algo não está bem.

Do programa estruturado de rastreio, defendido pela médica Hirondina Borges, deveria inclusive constar uma calendarização, que defina a data de repetição dos exames, podendo inclusive avisar o utente de que chegou a altura de uma nova despistagem.

 

 

 

… e consensual

Tal como Hirondina Borges, também o seu colega do Hospital Agostinho Neto, o oncologista Roberto Lazo, apesar de salvaguardar a importância de vertentes como a imunização, acredita que “na realidade o rastreio é o mais importante”. Referiu-o numa reportagem do EI sobre a vacina contra o VPH, em Novembro de 2013 - ao longo destes últimos anos, o jornal tem vindo a dedicar várias matérias ao cancro do colo do útero.

A vacina traz certamente vantagens no combate ao cancro do colo do útero, mas apenas a uma camada da população, uma vez que deverá ser tomada antes do início da vida sexual, enquando a jovem não esteve ainda em contacto com o vírus, portanto. Após início da vida sexual, os estudos não demonstraram nenhuma eficácia.

Além disso, a vacina só protege de quatro serotipos de vírus no meio dos mais de 150 existentes. Mesmo assim pode evitar 70% dos casos.

Para os oncologistas, pesando os custos/benefícios, a vacina, embora importante, não deveria ser, prioritária, até porque a inserção da vacina não irá, de todo, substituir a necessidade de exames.

Contudo, a vacina é definitivamente a forma mais concludente de evitar que futuras gerações vejam a sua saúde (e até a sua vida) comprometida. Apostar na prevenção trará ganhos incomensuráveis para o futuro e a introdução da vacina contra o vírus que provoca a maior parte destes tumores é, também há muito, um desígnio de Cabo Verde.

 

Correndo atrás da vacinação

O cancro de colo de útero é causado na maioria dos casos pelo vírus do papiloma humano (VPH ou HPV, do inglês human papiloma virus), transmitido sexualmente.

Assim, quando se fala em cancro do útero, um dos assuntos recorrentes é a, referida, introdução da vacina contra o VPH no calendário de vacinação, que o governo tem assumido como um objectivo a implementar. Essa meta fazia inclusive parte do Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário (PNDS) 2012-2016.

Na referida reportagem do EI sobre a vacina, a então ministra da tutela, Cristina Fontes Lima, definia mesmo a introdução da vacina no calendário nacional como fundamental. O objectivo era, como referido, conseguir introduzir a vacina até 2016, algo que não deverá ser possível.

Entretanto, as farmácias cabo-verdianas comercializam uma das duas vacinas existentes contra o VPH. A vacina Gardasil está disponível mas devido ao seu preço é, claramente, inacessível à esmagadora maioria da população. A solução para muitas centenas de cabo-verdianas teria de passar obrigatoriamente pela inclusão dessa vacina no calendário nacional de vacinação. Por outro lado, o governo dificilmente conseguiria pagar, sozinho, tal custo. Sendo um país de rendimento médio, Cabo Verde vê também vedado acesso a financiamento de algumas das principais entidades que apoiam os Estados a este nível, designadamente a GAVI.

 


O que é a colposcopia

Ccolposcopia é uma palavra de origem grega que significa literalmente “inspecção da vagina”.

É um dos exames complementares de diagnóstico que irá permitir ao clínico visualizar e examinar todo o aparelho genital feminino inferior. Através dessa visualização é possível detectar lesões que muitas vezes são difíceis de visualizar a olho nu. O exame permite ainda fazer biopsia precisa das lesões suspeitas.

A técnica consiste no exame de colo de útero, através de um colposcópio – um aparelho que permite uma visualização microscópica da vagina e do colo uterino. é então aplicada  uma solução, nomeadamente ácido acético e iodo, que irá levar a  que as células anormais fiquem de cor diferente das normais. Se for detectada alguma anormalidade, é retirada uma pequena amostra de tecido, com uma pinça, para biopsia.

Os especialistas frisam que este teste não deve ser visto como método de substituição ao Papanicolau (citologia) e que não fornece diagnóstico de cancro e de displasia. Indica apenas áreas suspeitas de anormalidades. Mas embora a colposcopia possa não substituir a citologia é vista como um bom exame complementar, que trará benefícios incontestáveis.

 

Conhecendo o cancro

O cancro do colo do útero ou cancro do colo uterino é, como referido, o cancro que mais mulheres mata em Cabo Verde, tal como em muito outros países do mundo – principalmente os menos desenvolvidos - , e resulta de uma infecção provocada pelo vírus do papiloma humano (HPV).

Há ainda outros co-factores como a alimentação, o consumo excessivo de álcool e tabaco, a multiparidade ou a multiplicidade de parceiros sexuais, que contribuem para o surgimento do cancro.

Na realidade, praticamente todas as mulheres com uma vida sexual activa terão estado em contacto com o vírus Mas apenas uma pequena percentagem de mulheres (cerca de 12%) corre riscos de desenvolver cancro, uma vez o próprio sistema imunológico da mulher geralmente elimina o vírus. Sendo uma doença de transmissão sexual, o uso de preservativo é altamente recomendável.

 

SINTOMAS do cancro do útero

Um dos problemas do diagnóstico de um cancro é que, pelo menos numa fase inicial praticamente não há sintomas, o que, só por si, justifica a realização do rastreio periódico. No entanto, com o decorrer do tempo estes acabam por aparecer e, relembra-se, quanto mais cedo consultar um médico, maiores as probabilidades de cura.

Em relação ao cancro do útero os sintomas podem ser: sangramento pós-coito, dores pélvicas, obstipação, emagrecimento, sangue na urina, entre outros.

 

A Vacina

Gardasil® é uma vacina quadrivalente que age como um escudo contra quatro tipos do vírus HPV — os 6, 11, 16 e 18 -, responsáveis por 70% dos casos de cancro. É aplicada em três doses e é recomendada tanto para raparigas como para rapazes. Nos rapazes a Gardasil, reduz os tumores penianos em 40% e os anais em até 75%.
Existe uma segunda vacina, chamada Cervarix® que previne a infecção de dois tipos do HPV, embora ofereça resultados de protecção cruzada contra outros tipos de vírus.

 

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 761 de 29 de Junho de 2016.

 

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Autoria:Sara Almeida,3 jul 2016 6:00

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  4 jul 2016 12:35

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