A Cadeia Central da Praia é o maior estabelecimento prisional do país e debate-se com problemas sérios de sobrepopulação e falta de meios humanos no corpo dos guardas prisionais. Em São Martinho há um guarda para cada 87 presos que ali estão a cumprir pena.
Ao todo há 1140 pessoas, entre homens e mulheres, num espaço de detenção “projectado inicialmente para 550 detidos”, explica Paulo Tavares, o novo director da cadeia de São Martinho.
Um problema óbvio de sobrelotação de um espaço vigiado por apenas 90 agentes.
Com ‘apenas’ 90 guardas disponíveis o rácio entre guardas e presos preocupa o director da cadeia. “Como não estão todos de serviço ao mesmo tempo, o rácio guardas/presos é de um guarda prisional para cada 87 presos”, explica Paulo Tavares que se mostra esperançado na entrada de novos elementos quando for concluído o concurso para a contratação de novos guardas prisionais. “Vão ser 30 e, desses, espero que a maioria seja colocada aqui na Praia”, aponta. Porque a Praia é o maior problema em termos de falta de meios humanos, garante.
Paulo Tavares tomou posse como director da Cadeia Central da Praia há pouco mais de um mês e, garante, hoje já se notam mudanças radicais em relação à gestão anterior.
Um caso que causou polémica, e que chegou à comunicação social, foi o da utilização de mão-de-obra dos presos em trabalhos particulares da anterior direcção. “Soube do que se passava no dia em que cá cheguei, no primeiro dia em que trabalhei aqui como director”, recorda. O processo administrativo contra o chefe de segurança da cadeia ainda não está concluído, “lá para o fim deste mês teremos conclusões”, avança garantindo igualmente que aquele responsável se encontra desde então suspenso.
Outra situação preocupante: a anterior direcção da Cadeia Central da Praia emitira um despacho que permitia aos presos deixarem as celas de manhã e só regressarem a elas ao final do dia. A justificação dada era o calor que se começava a sentir e a falta de condições das celas. “Acabei com isso”, conta Paulo Tavares.
“Essa política causa muitos problemas de segurança, havia rixas entre os presos, furtos nas celas. Temos de nos lembrar que alguns dos presos que aqui estão pertencem a gangues rivais, se lhes for permitido andar o dia todo cá fora a hipótese de haver conflitos entre eles aumenta”, explica. Isso agora acabou. Os presos de São Martinho têm agora horários a cumprir. “Depois da hora do banho e do pequeno-almoço estão nas celas, saem para almoçar, para o banho de sol e para jantar. Fora esses períodos estão nas suas celas”, nota Paulo Tavares, relembrando que só está em São Martinho quem cometeu actos que o privaram da sua liberdade.
Os presos
Homem, com baixa instrução escolar, 22 a 30 anos, preso a cumprir pena de 5 a 10 anos por crimes contra pessoas. É este o retrato que se pode fazer do preso típico da Cadeia Central da Praia, em São Martinho.
Mas não há apenas homens. Ao todo “temos 35 mulheres” aqui presas, esclarece Paulo Tavares ao Expresso das Ilhas.
Mulheres, na sua maioria, ainda jovens. Presas grande parte delas por tráfico de estupefacientes e homicídio. As estatísticas relativas ao mês de Outubro ainda não estão concluídas, mas em Setembro havia 19 mulheres presas em São Martinho por homicídio, 12 por tráfico de droga, 3 por crimes contra a honra e duas por outros crimes e transgressões. Um número que, entretanto cresceu.
A população masculina é significativamente maior. 1105 homens estão a cumprir pena na Cadeia Central da Praia.
“O crime contra pessoas é o delito mais comum” (744, segundo dados relativos ao mês de Setembro), aponta o director. Há depois 145 homens presos por violação e 78 condenados por tráfico de droga.
Os casos de violação são vistos com preocupação pelo director da cadeia. “São pessoas doentes” e como pessoas doentes “têm de ser acompanhados e tratados”. Por isso a Cadeia Central da Praia providencia a estes casos acompanhamento psicológico.
O mesmo acontece com os detidos que sejam toxicodependentes. A Unidade Livre de Drogas, que funciona dentro da cadeia, tem o apoio de psicólogos e assistentes sociais da Comissão de Combate à Droga e trabalha em proximidade com os 48 detidos, homens e mulheres, que se querem sujeitar a tratamento contra a toxicodependência.
Prevenção e reintegração
Recentemente, aquando da entrega do relatório do Ministério Público sobre a situação da Justiça em Cabo Verde ao Presidente da Assembleia Nacional, o Procurador-Geral da República, Óscar Tavares, defendeu que, além de combater a criminalidade, é preciso trabalhar a montante do problema, ou seja, é necessário que haja um trabalho de prevenção da criminalidade. Algo que não tem sido feito.
Paulo Tavares alinha, também ele, por esse discurso de defesa da prevenção. “É preciso responsabilizar famílias, escolas, a comunicação social, os políticos, os governantes, a sociedade em geral”, defende dizendo que todos estes sectores têm um papel a cumprir no que respeita à prevenção da criminalidade.
No entanto, a realidade mostra que a criminalidade tem vindo a crescer. Só no ano judicial que terminou no passado dia 31 de Julho registou-se a entrada de 29 750 novos processos-crime registados nos Serviços do Ministério Público um aumento de 1 870 casos, lê-se no relatório entregue por Óscar Tavares ao Presidente da Assembleia Nacional. Também o número de pendências aumentou, passando dos 96 115 processos-crime em 2014/2015 para 102 194 processos-crime.
2926 casos de violência baseada no género dos quais resultaram 945 acusações, 215 acusações de homicídio (95 tentados, 120 consumados), 504 casos de crime sexual, 13895 casos de crime contra o património (4621 furtos e 6810 roubos), 24 novos processos-crime relativo ao exercício de funções públicas, 172 novos processos-crime relativos aos crimes de droga, 17 novos processos-crime relativos ao crime de lavagem de capitais. Foram estes os números apresentados pela Procuradoria-Geral da República no relatório anual sobre a situação da justiça.
Com o aumento do número de processos, a tendência natural é que a população prisional venha a aumentar, o que exige um maior esforço por parte das autoridades no que respeita à reintegração social dos presos.
A cadeia de São Martinho tem, por isso, a funcionar diversos cursos destinados aos presos, sejam eles homens ou mulheres, com o objectivo de lhes dar uma orientação na vida depois de saírem da cadeia, para que não voltem a reincidir na criminalidade. Às mulheres está reservado um curso de estética e beleza, para os homens há cursos de mecânica e carpintaria. “Trabalhos que trazem rendimentos” aos presos masculinos uma vez que tanto a oficina de mecânica como a carpintaria estão abertas para trabalhos vindos do exterior. “Os presos recebem 75% do valor, a cadeia fica com 25% para manutenção das máquinas com que eles trabalham e para comprar materiais”, explica Paulo Tavares.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 781 de 16 de Novembro de 2016.