Terra de abundância. O que quer a Tailândia de África? (I)

PorChissana Magalhaes,8 out 2017 6:37

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O mais básico que se pode dizer sobre o Reino da Tailândia é que é um país muito bonito, fértil, com uma economia pujante e sem conflitos bélicos. Indo aos números, e só para registar já alguns, encontramos um PIB de 406, 8 bilhões USD (em 2016; superior ao das suas vizinhas da região Malásia e Singapura), uma população de 68.86 milhões de habitantes e o desemprego a manter a média de 1% em cerca de uma década. Em anos recentes o país iniciou uma aproximação a África que conhece agora uma intensificação. O que poderá querer este reino do sudeste asiático, onde tudo parece abundar, de Cabo Verde? A resposta óbvia é: mercado. Mas será só isso?

 

O calor em Bangkok, sendo intenso, tem qualquer coisa de diferente do calor da África Ocidental. Á falta de uma análise mais científica decidimos atribuir a diferença à presença latente da chuva. E mesmo sem ver mais do que um breve sinal da mesma durante as duas semanas de viagem, a presença está sempre lá. Latente.

A chuva e água abundantes no país, sobretudo no norte, são tão almejadas lá como por cá. Afinal a agricultura é um dos principais sectores de produção do país e, com os desafios trazidos pelas mudanças climáticas, toda a atenção é pouca já que há áreas do país propensas á seca.

Ainda na capital salta à vista a imagem do rei, Bhumibol Adulyadej, por toda a parte. O país está de luto. O rei morreu há quase um ano e pela cidade – e também nas outras visitadas – encontram-se enormes retratos do monarca em molduras de flores brancas.

Jirasak Weraarpachai, o jovem secretário da embaixada tailandesa no Senegal e que é o nosso guia nessa denominada viagem de familiarização ao Reino da Tailândia, explica-nos que o seu sempre igual traje preto e branco deve-se ao luto pelo falecido rei. Como ele, outros funcionários públicos vestem-se de preto ou de preto e branco para honrar a memória do monarca.

As grandes cerimónias fúnebres só irão acontecer agora em Outubro. Só depois delas é que o filho, o actual rei Maha Vajiralongkorn, será corado em cerimónia pública.

Muito amado e respeitado, o rei Bhumibol Adulyadej, que iniciou o seu reinado em 1946, empenhou-se a fundo pelo desenvolvimento do país, criando uma série de iniciativas com vista a um desenvolvimento sustentável. Uma caminhada que enfrentou alguns percalços quando em 1997 o país foi duramente atingido por uma crise financeira. Os tailandeses acreditam que a saída da crise deveu-se ao mesmo método que levou o país a alcançar o seu alto nível de desenvolvimento: a filosofia criada pelo rei, a chamada Sufficiency Economy Philosophy (SEP, ou Filosofia da Economia Suficiente) que mais não é do que uma série de princípios centrados nas pessoas, em que indivíduos e instituições são aconselhados a tomarem decisões baseadas em informações concretas e a ter em conta toda e qualquer possível repercussão. Ou seja, um país onde ao nível mais alto decisões pessoais e institucionais baseados em fofocas, boatos e rumores, são desencorajados, para dizer o mínimo.

Parece bom e simples demais para ser verdade. Mas pelo que pudemos atestar, da nossa experiência de dias, ficou a forte impressão de um país onde cada pessoa parece empenhada no seu trabalho, qualquer que ele seja, e engajada num esforço colectivo de superação.

Superação. Como não associar esta palavra a um país que em 2008, em plena crise económica mundial, queixava-se de estar a beirar o 1 milhão de desempregados e desde então tem conseguido manter o desemprego em praticamente menos de 1%? Não por acaso, o país ganhou do Bloomberg’s Misery Index 2016 a etiqueta de “lugar mais feliz para se viver e trabalhar” na Ásia.

Os tailandeses, de facto, parecem sempre felizes. Sorriem muito. O sawasdee kha/khap (a saudação típica) que recebemos quer nas recepções dos diferentes hotéis, quer nos mercados, instituições e praias visitadas – no norte, centro e sul – vinha sempre acompanhado de sorrisos. O país é mesmo comumente denominado “Land of Smiles”.

 

Motivos para sorrir?

A Tailândia é a produtora de cerca de 1/3 do arroz do mundo. Isso ajudou o país a reduzir a sua posição no Índice Global da Fome de 28.4 em 1990 para 11.9 na actualidade. Para além do perfumado arroz tailandês (cujo plantio até é actividade de lazer oferecida aos turistas) tivemos oportunidade de comprovar (e provar) a abundância (outra vez esta palavra…) de frutas, legumes, peixes e mariscos existentes e produzidos no país. Porém, falando apenas da produção agrícola, e porque a safra pode falhar nas áreas propensas à seca, a “Nova Teoria Agrícola” implementada em mais de 40.000 aldeias promove a diversificação de culturas e estipula que se coloque 30% das terras cultivadas em reserva de modo a assegurar uma reserva anual de água. Outra inovação seguida pelo país para ultrapassar a escassez eventual de água é a inseminação de nuvens para provocar chuvas.

Não sabemos dizer se a chuva que nos recebeu à chegada à região sul, na província de Krabi, resultou de inseminação. O que pudemos constatar já na descida do avião vindo do norte do país sobre Ao Nang foi a beleza do lugar, um dos mais procurados pelos milhares de turistas que anualmente visitam a Tailândia.

Krabi é a região do turismo de sol e praia onde ficam as famosas ilhas tailandesas. Sem dar-se conta do nosso contentamento pelo reduzido número de turistas que encontramos na tour que fizemos por quatro das várias pequenas ilhas da região, o guia da ocasião apressou-se a explicar-nos que aquela afluência menor era certamente resultado da chuva da noite anterior.

O turismo é outra das fontes de rendimento do país. E uma fonte que não para de aumentar o seu jorro. Os preços acessíveis e a isenção ou facilidade nos vistos têm parte nisso. Em 2016 o reino recebeu mais de 30 milhões de turistas. O número de visitantes não para de crescer, tendo o Financial Times previsto que até 2030 deverá duplicar e chegar aos 60 milhões (quase o número da população local). Um facto interessante é que o fluxo turístico distribuiu-se com relativo equilíbrio pelas diferentes regiões do país: Norte, Centro e Sul. Embora os europeus cada vez mais procurem a Tailândia, é da China que chegam os maiores fluxos.

O que parece maravilhoso pode entretanto não o ser completamente. A par do já velho problema com o turismo sexual, que estimula os altos números de prostituição, o país que ocupa o terceiro lugar - apenas superado pela Singapura e Malásia - na lista do Travel and Tourism Competitiveness de 2017 (Ásia & Pacífico) pode em breve enfrentar problemas ambientais e pressão sobre as infra-estruturas existentes se não souber dar resposta a este super-fluxo turístico.

Outro desafio é a segurança. Em Chiang Mai, uma das 66 províncias do país, o governo local está a levar a cabo um projecto de instalação de videovigilância e reforço das forças policiais. Esta província do norte do país recebeu no ano passado 10 milhões de turistas (30% destes eram estrangeiros).

Questionado por nós sobre as razões desta medida, o governador limitou-se a referir a prevenção como motivo. Mas o facto é que a imprensa britânica, e não só, noticiou em anos recentes sobre turistas atacados e até mortos e a explosão registada no verão passado em um spa que matou 4 tailandeses e feriu vários turistas estrangeiros na região Sul.

 

África porquê?

Aos números espectaculares do turismo juntam-se bons indicadores também no que se refere à Educação e à Saúde. E mais: no recentemente publicado Relatório da Competitividade Global este reino do sudeste asiático conseguiu manter a posição alcançada no ano passado: 34º lugar. No ranking do sul da Asia sobe para a 10ª posição. A Tailândia está a competir com Singapura, com o Japão, Malásia, Hong Kong e Taiwan (que constam no ranking de forma independente) e a própria China.

Se pararmos para pensar como a presença da China cresceu em África nos últimos anos será fácil compreender a aproximação da Tailândia e o seu interesse numa parceria estratégica com os países da África Ocidental. O país está ciente de que mais de 60% da população africana tem menos de 25 anos. É o mercado do futuro.

Num artigo publicado em Março deste ano o Bangkok Post aponta que, em 2016, 171.962 africanos visitaram a Tailândia. A maioria, proveniente da Etiopia e do Sudão, esteve em Bangkok para tratamento médico. “Em contrapartida, apenas cerca de 3000 a 4000 tailandeses visitaram África no mesmo período”. Quénia, Egipto e Etiópia são os países cujas companhias áreas têm voos directos para a Tailândia e, em sentido inverso a Thai Airways pretende em breve abrir linhas directas para África.

Para reforçar a sua presença no nosso continente a Tailândia conta ainda aumentar o número de embaixadas e consulados. Angola e Etiópia deverão receber as próximas embaixadas e juntarem-se assim a Marrocos, Egipto, Senegal, Nigéria, Quénia, África do Sul e Moçambique. Há ainda um consulado em Madagáscar e 12 consulados honorários em vários outros países.

Já o Reino da Tailândia deverá juntar o Sudão à lista de 32 países africanos com representação diplomática em Bangkok. São sete embaixadas e 25 consulados honorários.

Uma das várias companhias tailandesas que já investe em África é a Petroleum Authority of Thailand Exploration and Production. Há também gigantes da hotelaria, empresas de produção de peças automóveis, de conserva de pescado, e ainda pequenas e médias empresas como spas e restaurantes.

Jóias, pedras preciosas e citrinos são os principais produtos importados de África pela Tailândia. No sentido inverso, vai da Terra dos Sorrisos para o continente berço da humanidade arroz, carros, peças de automóvel, têxteis, artigos de plástico, marisco e peixe enlatado.

Este “frenesim” actual resulta de directrizes mais formalmente estabelecidas a partir de 2013 em que o governo tailandês traçou a política “Olhar para o Ocidente”, com o fito de relacionar-se para além da esfera asiática. O reforço da relação com África - tanto como continente como a nível individual das relações com os países - através de uma parceria estratégica foi então apontando.

Em anos recentes a Tailândia lançou a Thai-African Initiative, um mecanismo para estimular o relacionamento de longo prazo com Africa.

A esta iniciativa e outros aspectos observados voltaremos na próxima edição.

(*O Expresso das Ilhas viajou a convite da Embaixada do Reino da Tailândia no Senegal)  

 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 827 de 04 de Outubro de 2017. 

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Autoria:Chissana Magalhaes,8 out 2017 6:37

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  9 out 2017 15:01

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