Medicamentos oncológicos representam cerca de ¼ dos gastos totais
A Direcção-Geral de Farmácia despende cerca de 50 mil contos por ano em medicamentos para tratamento oncológico, nomeadamente, para a quimioterapia. E a tendência é para aumentar.
Em Cabo Verde, já há vários anos que se faz quimioterapia. Começou-se em 2006/2007, com a formação de técnicos para preparação dos medicamentos e avançou-se depois da abertura do centro de dia em 2008. Segue-se, neste tratamento um protocolo de primeira linha, feito com medicamentos essenciais. Quando essa linha não resulta, deve mudar-se o protocolo, usando outros medicamentos mais recentes, e pode-se recorrer até à evacuação. “Mas a maioria dos casos, com quimioterapia, são tratados aqui”, com a primeira linha, informa a oncologista Hirondina Spencer. “Em relação à quimioterapia, não temos tido muitas dificuldades”, refere ainda a médica.
Os medicamentos são importados pela Emprofac, que detém o monopólio da importação, e fornecidos pela Direcção Geral de Farmácia.
“Existe também a Comissão Nacional de Medicamentos que define quais são os medicamentos que podem constar dos protocolos, de acordo com as patologias, os cancros, existentes no país”, destaca o Director Geral de Farmácia.
É essa comissão que, “mediante esse conhecimento tem de propor ao país os melhores medicamentos disponíveis tendo em consideração custo-efectividade”, acrescenta Eduardo Tavares.
Os medicamentos são comprados sob “uma gestão muito acurada dos recursos” que, como se sabe, são parcos. Assim, a lista de medicamentos do protocolo aqui seguido, não inclui “medicamentos inovadores” recentes, que geralmente só conseguem entrar nos mercados mais ricos. A Cabo Verde, explica o DDSF, só chegam de facto fármacos mais antigos e que já “têm a sua eficácia totalmente comprovada”.
Contudo, para além da hipótese de evacuação quando a resposta ao protocolo de primeira linha é má, há uma outra possibilidade, aponta: ”Existe a autorização de importação especial de medicamentos que é emitida pela própria Direcção Geral mediante um relatório médico detalhado sobre a efectiva necessidade para um doente daquele medicamento específico”. Os custos são sempre suportados pelo Ministério da Saúde.
Cocktail dispendioso
A lista de medicamentos essenciais é relativamente vasta e composta “na maior parte por medicamentos que ainda não possuem genéricos” e portanto “têm um valor elevado”, explica o DGF.
Além dos medicamentos directamente usados no tratamento do cancro, há vários adjuvantes, e ainda outros que são usados para minimizar os imensos efeitos secundários. “Para possibilitar que o paciente consiga aguentar o tratamento”, explica. Há também medicamentos para os cuidados paliativos, nomeadamente o alívio da dor.
“Não podem ser medicamentos de ponta, mas são medicamentos com provas dadas no tratamento desses cancros em Cabo Verde”, reitera.
Actualmente, e como referido, o Ministério da Saúde despende então cerca de 50 mil contos por ano em medicamentos para tratamento directo do cancro.
Os gastos e a própria lista têm vindo ao longo dos últimos anos a ter uma evolução constante.
“Ainda que o país não adopte imediatamente medicamentos mais recentes, com as revisões das listas, geralmente vão-se incluindo novos medicamentos, geralmente mais recentes, mais caros. E não é só o custo dos medicamentos, é também o número de casos que tem aumentado”.
Olhando para, por exemplo, 2004, era “pouquíssima a quantidade de medicamentos oncológicos comprados, tanto em termos de variedade quanto em termos de quantidade”.
Mais qualidade e mais quantidade fazem da oncologia uma das especialidade que maior parcela leva dos cerca de 200 mil contos que o Ministério da Saúde gasta na aquisição de medicamentos.
Outras áreas que consomem muitos recursos são a hematologia (medicamentos, muitos deles concomitantes com o tratamento para o cancro, e reagentes) e ainda a diálise (“mas não especificamente medicamentos. São outros produtos”).
Mercado pouco apetecível
Entretanto, aliados aos parcos recursos, a pequenez do mercado dificulta o poder de negociação de Cabo Verde. Salvaguardando que a Emprofac é que detém a exclusividade sobre a importação de medicamentos (sendo que depois a DGF os adquire a essa empresa nacional, para distribuir pelas unidades de saúde), Eduardo Tavares aponta que esse facto justifica de alguma forma a ausência de acordos e benesses dados pelas grandes farmacêuticas (ver caixa).
É que embora haja várias questões em jogo, as farmacêuticas “não têm grande interesse no mercado cabo-verdiano, que é realmente muito pequeno para o volume de negócios que têm”.
O mercado é pequeno e a oferta, por outro lado, é também pequena e centralizada. Apenas a Praia oferece tratamento quimioterapêutico e apenas neste hospital central há médicos da especialidade e técnicos formados para a manipulação dos medicamentos. É que estes fármacos, “apesar de serem industrializados, precisam de cuidado especial, de treinamento na sua preparação”, além de equipamento especial de protecção. São medicamentos que curam, mas “o medicamento que cura também pode causar cancro”. Seja como for, assevera, o Ministério garante a medicação a quem dela necessita, mediante o seguimento médico.
ÁFRICA
Acordo com farmacêuticas pode levar a cura a milhares de pessoas
O aumento de cancros não é um problema que afecta só Cabo Verde. É um problema mundial. Mas, se por um lado, surgem cada vez mais casos, por outro, os avanços científicos têm permitido que a temida doença seja cada vez menos uma sentença de morte.
Em África, porém, o cenário ainda não é esse. Cerca de 450.000 africanos morrem anualmente de cancro, muitos dos quais tratáveis. Em 2030, de acordo com a Organização Mundial de Saúde serão 1 milhão. Entre os tumores com tratamentos destacam-se os de mama, colo uterino, e próstata.
Por exemplo, nos Estados Unidos, 90% das mulheres com cancro da mama sobrevivem cinco anos. No Uganda, apenas 46% tem essa sobrevida, e na Gâmbia, apenas 12%, aponta o The New York time.
Recentemente, um acordo celebrado entre duas farmacêuticas e seis países africanos (Etiópia, Nigéria, Quénia, Uganda, Ruanda e Tanzânia), vai permitir que estes comprem medicamentos para a quimioterapia a preços de desconto, o que se acredita poderá reverter em grande parte o cenário. Estima-se que nesses seis países ocorram 44% dos cancros da África Subsariana.
Especifica o NYT, que a americana Pdizer e a indiana Cipla se comprometeram, assim, a cobrar preços baixos em 16 medicamentos de quimioterapia, o que deverá trazer tratamento, e salvar a vida, a dezenas de milhares de pessoas.
Segundo o jornal, a Pfizer acordou vender os seus medicamentos a preços que estão apenas ligeiramente acima dos custos de fabricação enquanto a Cipla prometeu vender comprimidos por 0,50 dólares e infusões por 10, uma fracção do que eles custam em países ricos (1/8 do que custam nos EUA).
Os medicamentos são antigos, já estão disponíveis como genéricos, mas representam um peso considerável nos orçamentos dos países na luta contra o cancro.
Da parte das farmacêuticas, enquanto a Pfizer frisou que o intuito é pelo menos não perder dinheiro, uma vez que a solidariedade tem de ser sustentável, a Cipla já afirmou que tenciona começar a produzir medicamentos contra o cancro em fábricas do Uganda e África do Sul.
Acredita-se que o acordo torne, por exemplo, possível salvar uma criança com leucemia (doença que nos EUA tem uma taxa de cura de 90% e na África uma taxa de mortalidade de 90%), por 300 dólares.
Mais do que medicamentos
O acordo vai além dos medicamentos. Prevê, além da redução dos preços, que oncologistas americanos simplifiquem os protocolos do tratamento, adaptando-os a hospitais mal equipados, e que programadores da IBM criem pro bono uma ferramenta online com essas directrizes.
Em África 80% dos tumores só são descobertos quando as metáteses já se espalharam e o continente tem uma enorme falta de máquinas de radioterapia, de condições para cirurgias complicadas e também de oncologistas. A Etiópia, por exemplo, tem apenas quatro oncologistas, para uma população de 100 milhões de cidadãos e a Nigéria, 40, para 180 milhões de pessoas.
“O complicado acordo foi conseguido pela sociedade americana do cancro, juntamente com a Clinton Health Access Initiative, fundada em 2002 pelo ex-presidente Bill Clinton; a IBM; a National Comprehensive Cancer Network, uma aliança entre os principais hospitais americanos contra o cancro; e a African Cancer Coalition, uma rede de 32 oncologistas em 11 países africanos”, escreve o jornal americano. SA c/NYT.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 831 de 31 de Outubro de 2017.