Porquê esta relação privilegiada com Cabo Verde, que se estende há mais de 30 anos?
Como sabe, os primeiros contactos entre os dois países, nos finais dos anos 80, foram o que se chamou “contacto de pessoas para pessoas” onde Organizações Não Governamentais (ONG) luxemburguesas foram criadas no Luxemburgo para assistir as pessoas da ilha de Santo Antão através de vários projectos. Esta é a fundação do que se tornou uma relação muito próxima. Entretanto, já assinámos também quatro PICs (Programas Indicativos de Cooperação) desde 2002. Além disso, nos últimos cinco anos houve quinze visitas de alto nível: a Sua Alteza Real o Grão-Duque Henri visitou Cabo Verde em 2015, Sua Excelência o Presidente da República Jorge Carlos Fonseca também já visitou o Luxemburgo e no final do último ano o presidente do Parlamento luxemburguês visitou diversas ilhas cabo-verdianas. A cooperação para o desenvolvimento luxemburguês tem por meta uma política de intervenção em alvos bem definidos e num número limitado de países parceiros e sectores, com o objectivo de assim conseguir efectividade e impacto. Neste contexto, Cabo Verde, no fundo, é uma escolha natural: tem um número de população similar ao do Luxemburgo e tem de enfrentar desafios específicos devido à sua localização geográfica.
Hoje debate-se, a nível mundial, a necessidade de uma cooperação mais criativa, qual a posição do Luxemburgo sobre esta matéria?
O Luxemburgo tem contribuído activamente para este debate. AS actividades que o Luxemburgo leva a cabo na cooperação para o desenvolvimento estão firmemente assentes em quatro princípios de cooperação efectiva: propriedade pelos países em desenvolvimento, foco nos resultados, parceria inclusiva e transparente e prestação de contas. O Luxemburgo tem diferentes modalidades de cooperação, Cabo Verde, por exemplo, é o único país que recebe apoio orçamental. Outro exemplo é o projecto triangular, que agora está a ser implementado, onde estudantes vindos de São Tomé e Príncipe têm acesso a bolsas de estudo para poderem ter formação na Escola de Hotelaria e no CERMI (Centro de Energias Renováveis e Manutenção Industrial). O Luxemburgo está também a aumentar o trabalho com o sector privado e nas parcerias público/privadas. Um exemplo inovador é a Facilidade de Parceria de Negócios, que providencia o financiamento inicial para empresas que queiram levar as suas actividades para os nossos países parceiros.
O que podemos esperar do futuro da cooperação Luxemburgo/Cabo Verde?
Que a nossa parceria continue a crescer e a diversificar-se. Começámos a nossa cooperação com assistência para a construção de infra-estruturas e actualmente estamos focados, essencialmente, na construção das capacidades institucionais e humanas que dêem aos cabo-verdianos as competências necessárias para continuarem a desenvolver o seu próprio país. Como disse anteriormente, estamos também a trabalhar cada vez mais com o sector privado. O objectivo último é que Cabo Verde, gradualmente, chegue a um ponto do seu desenvolvimento em que o Luxemburgo será um parceiro e um amigo e em que ambos os países terão laços muito ricos em intensos em termos políticos, económicos e culturais, em que existirá todo o tipo de cooperação excepto a cooperação para o desenvolvimento porque será a única forma de cooperação que nenhum dos países precisará.
A erradicação da pobreza continuará a ser o objectivo número um?
Sim! A cooperação para o desenvolvimento luxemburguesa põe todo o seu esforço, e de forma resoluta, ao serviço da erradicação da pobreza, principalmente nos países menos desenvolvidos e em países com vulnerabilidades particulares, como é o caso de Cabo Verde. Os principais sectores da cooperação para o desenvolvimento do Luxemburgo norteiam-se para a arena social: saúde, educação e treino vocacional, desenvolvimento local e rural, assim como a microfinança, uma vez que estes são sectores fundamentais onde os melhoramentos podem trazer mudanças significativas nas condições de vida das pessoas. A electrificação de Santo Antão mudou radicalmente a vida das pessoas que finalmente tiveram acesso à electricidade. O mesmo aconteceu com o Hospital Regional de Santiago Norte, num par de anos, os indicadores de saúde melhoraram exponencialmente para as pessoas que vivem no norte da ilha de Santiago. E o mesmo pode aplicar-se aos projectos de água em São Domingos e no Fogo.
O actual programa indicativo de cooperação (PIC IV) tem como eixos prioritários o emprego e a empregabilidade, água e saneamento, energias renováveis (para além da cooperação multilateral, da cooperação regional e das ONG). Porquê a escolha destes eixos estratégicos?
Estes sectores foram escolhidos, através de uma decisão concertada entre os dois países, como sendo prioridades para o desenvolvimento de Cabo Verde e como áreas onde o Luxemburgo tem um bom conhecimento. Emprego e empregabilidade, água e saneamento, são sectores onde decidimos continuar os nossos esforços conjuntos porque os desafios são ainda enormes. Energias renováveis e desenvolvimento local são novas áreas que ambos os países identificaram como importantes o suficiente para fazerem parte do actual PIC, dada a importância de se reduzir os custos da energia para o desenvolvimento humano.
Em termos mais gerais, qual é a ideia principal por trás da ajuda luxemburguesa? E como é que um país tão pequeno consegue dotar a sua ajuda ao desenvolvimento com um orçamento tão robusto?
O Luxemburgo tem contribuído com ajuda ao desenvolvimento há mais de 30 anos. Na Cimeira da Terra, no Rio de Janeiro, em Junho de 1992 [A Conferência das Nações Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento, também conhecida como ECO 92, realizou-se entre os dias 3 e 14 de Junho e teve como objectivo reconciliar o desenvolvimento económico com a protecção do ambiente], o primeiro-Ministro luxemburguês Jacques Santer anunciou o desejo do país de “providenciar 0,7 por cento do Produto Nacional Bruto (PNB) até 2000”. Este objectivo foi depois confirmado e em 1999, durante a formação do governo, foi decidido estabelecer como um objectivo esta taxa de 0,7 por cento em 2000 e depois aumentar este apoio “com a meta de alcançar 1 por cento até ao fim do mandato do governo”. Este objectivo de 0,7 por cento foi alcançado, como planeado, em 2000 e esse compromisso foi continuado nos anos que se seguiram, com a contribuição do PNB a nunca ficar abaixo desse limiar. Em 2009, a assistência oficial do Luxemburgo ultrapassou o limite de 1 por cento do PNB pela primeira vez. Há uma vontade política forte e um consenso público à volta deste 1 por cento do PNB para a ajuda ao desenvolvimento e isso nunca foi questionado ao longo dos anos. A ajuda ao desenvolvimento do Luxemburgo tem como objectivo principal a erradicação da pobreza através de intervenções cirúrgicas sempre alinhadas com as prioridades dos países parceiros. Além disso, a assistência ao desenvolvimento luxemburguesa inclui uma importante componente de acção humanitária, que torna possível responder em primeiro lugar sob a forma de ajuda de emergência no caso de haver um desastre humanitário e natural, em casos de conflitos violentos.
Regressando ao apoio bilateral, além da cooperação, Cabo Verde é também visto como uma oportunidade? Por exemplo, para os privados luxemburgueses.
Actualmente, os privados luxemburgueses estão principalmente interessados nas energias renováveis em Cabo Verde, onde está, obviamente, o seu grande potencial. Alguns também demonstraram interesse no sector marítimo ao participarem na Expomar nos últimos anos. Podemos também destacar a parceria estabelecida entre o CERMI e o Centro de Competências do Luxemburgo com o fim de estabelecer um centro de competências aqui em Cabo Verde. Estes são bons exemplos da diversificação da nossa relação. Os nossos dois países também acabaram as negociações para terminarem com a dupla tributação no ano passado, acordo que vai ser assinado brevemente, um instrumento que permitirá melhorar os nossos laços económicos.
Os interesses de Cabo Verde na sub-região africana poderão ser benéficos também para o Luxemburgo?
Nós temos uma concentração geográfica na zona do Sahel. O Luxemburgo está igualmente presente no Senegal, no Mali, no Burkina Faso e no Níger. Onde a nossa cooperação para o desenvolvimento tem também como objectivo erradicar a pobreza na região, dar às populações melhores oportunidades no acesso aos serviços e assegurar que os seus direitos humanos são respeitados. A nossa intervenção está alinhada com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.
As autoridades cabo-verdianas têm passado esta mensagem?
Gostaria de assinalar que as relações entre os dois países são muito próximas e de grande confiança. Estas relações são baseadas num apoio que já se faz há bastante tempo e alinhado com as prioridades cabo-verdianas. Aliás, as trocas e as visitas ministeriais regulares mostram a amizade que existe entre nós.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 863 de 13 de Junho de 2018.