Praias de Cabo Verde sem análises de qualidade

PorChissana Magalhães,19 ago 2018 7:23

​Não obstante o país já ter uma legislação referente às Águas Balneares e que regula a análise laboratorial para fins de qualificação da água das praias, há dois anos que esta prática foi interrompida. A Direcção Nacional do Ambiente prevê ainda este ano retomar a recolha de amostras e monitoração da qualidade da água das principais praias de Cabo Verde.

A “operação” de Verão é simples: calor + sol = praia. Mas, a aritmética devia ser mais sofisticada e apresentar-se em forma de uma equação onde factores como qualidade da água, entre outros, deveriam ser tidos em conta pelos banhistas e assegurados por quem tem a responsabilidade.

Em Fevereiro deste ano a notícia de que um estudo realizado por alunos do terceiro ano do curso de Biologia da Universidade de Cabo Verde tinha registado na água da ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais), assim como a das praias de Quebra-Canela, Prainha e da Gamboa, “um alto nível de contaminação parasitária que pode vir a provocar sérios problemas à saúde da população” deixou um alerta.

Realizado em Dezembro de 2017 e apresentado em Fevereiro de 2018 durante o congresso de iniciação científica promovido pela Casa da Ciência da Universidade Pública, no âmbito de uma disciplina do 3º ano do curso de Ciências Biológicas, o estudo “Ocorrência de Enteroparasitas nas Águas Residuais da ETAR e nas praias de Quebra-Canela, Prainha e Gamboa, da Cidade da Praia, com amostras de cinco litros de água recolhidas nesses locais, apresentava evidências de um alto nível de contaminação parasitária (entre outros, as presentes em dejectos fecais humanos) e trazia um alerta quanto a sérios riscos para a saúde dos banhistas.

“As amostras foram analisadas com o método de Ritchie no laboratório de Biologia da Universidade de Cabo Verde. Os resultados indicaram ampla diversidade parasitária.

“Também ficou demostrado que 100% das amostras encontravam-se contaminadas com pelo menos dois parasitas e a água da ETAR, da Gamboa e Prainha apresentam maior variabilidade parasitária”, diz informação divulgada no site oficial da Uni-CV.

Entretanto, a notícia provocou reacções com algumas pessoas a manifestarem a sua preocupação e desagrado. Na sequência, Aílton Lima, o professor que coordenou o estudo desenvolvido pelos universitários veio a público esclarecer que a investigação não era conclusiva, uma vez que só foram usadas duas amostragens, sendo necessárias novas amostras e análises para confirmar  ou descartar a contaminação.

O mesmo docente acabaria por admitir que, apesar dos estudantes terem interesse e disponibilidade em prosseguir com estudos do tipo, a capacidade financeira da instituição não permite ir mais além.

Apesar do eco na imprensa, a iniciativa dos alunos de Ciências Biológicas da Uni-CV não chegou ao conhecimento da Direção Nacional do Ambiente. Quem o diz é o engenheiro Floresvindo Furtado, director do serviço de Saneamento Ambiental.

Furtado confirma ao Expresso das Ilhas que Cabo Verde só passou a ter um sistema de análise microbiológica às águas balneares em 2015 e que faz agora dois anos que essas análises encontram-se interrompidas.

Indo por partes: Cabo Verde aprovou em Maio de 2015 o Decreto-Lei n.º 30/2015, de 18 de Maio, que tem por objecto não só estabelecer o regime jurídico de identificação, gestão, monitorização e classificação das zonas marítimas balneares e da qualidade das águas balneares (e prestação de informação ao público sobre as mesmas), como ainda, garantir a segurança dos banhistas nas zonas balneares reconhecidas pelas entidades competentes como adequadas para a prática de banhos.

Iniciativa conjunta do Ministério das Infraestruturas e Economia Marítima e do Ministério do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território – no governo da VIII Legislatura – a lei estabelece no seu artigo 1º o objectivo de tipificar as zonas balneares a nível nacional, definir parâmetros e métodos a utilizar nos procedimentos de colheita, transporte e análise das águas balneares, a regulação e monotorização das águas das praias, a sua avaliação e classificação e determinação do seu perfil. Também preconiza a definição de regras para o manuseamento de amostras para análises microbiológicas.

É esta lei que estabelece os parâmetros para a classificação de determinada água balnear como sendo Excelentes, Boas, Aceitáveis ou Más, sendo que o perfil das águas deve ser periodicamente revisto para avaliar a ocorrência de modificações. Uma modificação prevista no nº 6 do artigo 7º (Perfil das águas balneares) refere a ocorrência de obras ou de alterações significativas de infra-estruturas nas proximidades de águas balneares ou na sua vizinhança, estabelecendo que nesses casos “o perfil das águas balneares deverá ser actualizado antes do início da época balnear seguinte”.

Análises serão retomadas

Ora, nos últimos dois anos a orla marítima da cidade da Praia tem recebido várias obras e edificação de novas infra-estruturas justamente nas três praias da cidade – Gamboa, Prainha e Quebra Canela -, sendo exactamente este o intervalo de tempo em que a Direção Nacional do Ambiente suspendeu as análises microbiológicas às águas balneares.

Conforme explicação do director do serviço de Saneamento Ambiental, era a Direcção Nacional do Ambiente a responsável pela recolha de amostras das águas de pelo menos oito praias das ilhas de Santiago, São Vicente, Sal e Boa Vista, recolha essa feita quinzenalmente no período normal e semanalmente na época balnear por coincidir com a época das chuvas, em que costuma ocorrer o arrastamento de lixo para o mar. Estas amostras eram então encaminhadas aos laboratórios da Inpharma.

“Das análises feitas até aqui não se verificou a contaminação das praias. Apenas uma vez encontramos na Boa Vista (Praia de Diante) níveis um pouco superiores às restantes praias analisadas, mas mesmo assim abaixo da média estabelecida e portanto sem constituir perigo para a saúde dos banhistas”, diz o engenheiro referindo-se à literatura da OMS sobre a matéria, o documento “The WHO Guidelines for Safe Recreational Water Environments”.

A interrupção destes procedimentos, segundo a mesma fonte, está relacionada a questões administrativas. Mais concretamente a interrupção do financiamento que provinha do Fundo do Ambiente.

Floresvindo Furtado avança ao Expresso das Ilhas que o actual plano de actividades da Direção Nacional do Ambiente prevê a retoma do cumprimento da legislação, estando reservados 400 mil escudos para efectuar análises às águas balneares antes do final deste ano alargando-se o campo de actuação às ilhas de Santo Antão e Fogo.

“Certamente que no próximo ano estaremos mais organizados e cumpriremos um calendário mais definido”, preconiza, admitindo no entanto ainda não ser possível avançar com a análise da qualidade da areia das praias, conforme recomenda a OMS.

É esta entidade mundial que, através de uma tabela de valores, estabelece os parâmetros para se classificar uma praia (ou água) própria para banhos, ou seja, a prática balnear decorre sem restrições relacionadas com a qualidade da água balnear. As autoridades de cada país devem disponibilizar ao público as informações referentes à classificação das zonas balneares e os resultados da monitorização efectuada.

É o que faz, por exemplo, a Agência Portuguesa do Ambiente, que no seu site disponibiliza informações actualizadas a cada época balnear, por região do país. Inclusive os resultados das análises às águas das várias dezenas de praias, rios, albufeiras, lagos, etc.

A retoma das operações em Cabo Verde vai constituir-se, segundo o nosso entrevistado, num projecto mais ambicioso, com um sistema de alerta para rapidamente qualquer episódio de contaminação encontre respostas. Por outro lado, a sistematização e disponibilização de informações referentes às águas balneares nacionais deverá passar a se fazer de forma mais consistente através do Sistema de Informação Ambiental (SIA).


Efeitos para a saúde associados à poluição fecal

O documento “As Directrizes da OMS para a Segurança Ambiental das Águas Balneares” (The WHO Guidelines for Safe Recreational Water Environments) refere que as águas balneares geralmente contêm uma mistura de agentes patogénicos e não-patogénicos (microrganismos). Esses microrganismos podem derivar de efluentes de esgoto, da população recreativa fazendo uso da água (defecação nas rochas, por exemplo), gado (vacas, ovelhas, etc.), processos industriais, actividades agrícolas, animais domésticos (tais como cães) e vida selvagem.

Qualquer que seja a origem da contaminação, os microrganismos patogénicos causam infecções gastrointestinais após ingestão ou infecções do tracto respiratório superior, orelhas, olhos, cavidade nasal e pele. A quantidade de microrganismos que podem causar infecção ou doença depende do patógeno, da forma em que ele é encontrado, das condições de exposição e da susceptibilidade e estado imunológico do hospedeiro.

“Infecções e doenças devidas ao contacto com a água balnear são geralmente leves e difíceis de detectar através de sistemas de vigilância de rotina. Mesmo em casos de doença mais grave, pode ser difícil atribuir à exposição à água”, aponta a cartilha.

Contudo, estudos epidemiológicos mostraram uma série de possíveis desfechos adversos à saúde e que também resultam num fardo significativo de doenças e perdas económicas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 872 de 14 de Agosto de 2018.

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Autoria:Chissana Magalhães,19 ago 2018 7:23

Editado porChissana Magalhães  em  20 ago 2018 12:25

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