“Há mais técnicos sociais do que crianças de rua”

​Situação agrava-se. Aldeias SOS pedem respostas articuladas e estranham que o problema ainda não tenha sido resolvido Não são de agora os alertas para o problema dos menores em situação de rua em São Vicente. Ano após ano, repetem-se apelos, enquanto os números não param de aumentar.

Os dados mais recentes, relativos a 2017/2018, apresentados dia 4, pelas Aldeias SOS, num fórum sobre o tema, que aconteceu no Mindelo, indicam a existência de 53 crianças em situação de rua na ilha do Monte Cara, um aumento de 7 menores nesta condição, face a 2016 (46), que já tinha sido ano de crescimento, perante os 33 identificados em 2015. A maioria já passou pelos centros de acolhimento de São Vicente, mas acabou por regressar às ruas. Neste momento, a Aldeia SOS local está a trabalhar com 30 dessas crianças e adolescentes.

Para o director das Aldeias SOS de Cabo Verde, Dionisio Simões Pereira, o quadro actual é preocupante e exige uma resposta coordenada.

“Temos uma tendência crescente nos últimos três anos. Crianças e adolescentes que estão em risco de colisão com aspectos legais, com práticas nocivas para a sua saúde, nomeadamente o consumo exagerado de estupefacientes e demasiada violência, não só entre si, mas em relação a terceiros. É uma situação que deve interpelar as autoridades, a sociedade civil”, alerta.

Das 30 crianças acompanhadas pela Aldeia SOS, apenas seis nunca foram levadas à esquadra ou a tribunal por roubos ou distúrbios na cidade. 29 admitem que já usaram drogas. Só três frequentam a escola.

Técnica das Aldeias SOS, Vânia Lopes mostra-se especialmente preocupada com o consumo de estupefacientes, que atinge níveis preocupantes. Existem casos de uso de substâncias pesadas e situações de dependência que já exigem institucionalização para tratamento.

Um dia de rua, entre esmolas e recados, pode render de 2 a 5 mil escudos. O valor significativo, associado à liberdade de uma vida sem regras, dificulta qualquer intervenção social, ao mesmo tempo que torna mais fácil o acesso às drogas.

“É um apelo que deixamos à Polícia Nacional, porque as crianças estão a conseguir droga de forma muito fácil. Compram por 50 escudos, 100 e o máximo que compram é 1000 escudos”, adverte Vânia Lopes.

Dionísio Simões Pereira não entende como é que o problema atingiu estas proporções e aponta o dedo à falta de articulação entre instituições.

“Temos dito quase sempre: há mais técnicos sociais em São Vicente do que crianças de rua e é inadmissível que não tenhamos competência e não nos mobilizemos para trabalhar de forma concertada para pôr temo definitivamente a esta situação”, declara.

“Há falta de articulação institucional, há falta de financiamento adequado para esta intervenção, para que seja uma intervenção robusta, e há uma debilidade tremenda e falta de trabalho com as famílias”, acrescenta.

Precisamente, os dados revelados pelas Aldeias SOS, na última semana, confirmam que os problemas começam em casa. Muitos dos menores em situação de rua começaram por ser vítimas de maus tratos em ambiente familiar, foram confrontados com situações de pobreza ou viviam com pais dependentes de álcool e drogas.

“A questão da violência no seio da família é um aspecto que tem feito com que muitos meninos prefiram a rua, porque seguramente na rua estarão melhor do que na vida horrível e nas vicissitudes a que estão sujeitos no próprio seio da família”, destaca Simões Pereira.

Atacar o problema quando este chega às ruas é apostar na consequência e não na causa. O responsável das Aldeias SOS de Cabo Verde quer um combate na origem, nas famílias.

“Até agora, a maioria das organizações tem-se focalizado nos meninos que chegam ao centro urbano, quando o problema vem de casa. E quando não se ataca o problema pela raiz, obviamente que se vai continuar a alimentar a rua”, observa Simões Pereira.

Arranjar um trabalho, obter tratamento para a dependência ou acesso à formação são algumas hipóteses que as crianças em situação de rua admitem quando questionadas sobre o que seria necessário para virarem a página nas suas vidas.

Para Vânia Lopes, uma outra alternativa passa pela criação de centros de acolhimento atractivos, que não sirvam “para manter as crianças fechadas, estilo prisão”.

À espera de resolução, o problema dos menores em situação de rua diz respeito às instituições do Estado, mas também interpela a sociedade, no seu conjunto.

“Apelamos à sociedade para que não dê dinheiro às crianças. Sabemos que muitas vezes dizem que é para comprar comida, mas isto nem sempre é verdade e acabam por utilizar o dinheiro para comprar drogas ou jogar batota”, apela a técnica das Aldeias SOS.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 876 de 12 de Setembro de 2018.

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira, Lourdes Fortes,16 set 2018 7:30

Editado porChissana Magalhães  em  17 set 2018 13:29

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