Há um ano, em Setembro de 2017, acontecia a 1ª reunião técnica de preparação do Plano Nacional de Leitura (PNL) entre o Ministério da Cultura e o Ministério da Educação. A agenda desse encontro – de onde sairia o desenho da comissão conjunta dos dois ministérios para o PNL, coordenada pela Curadora da Biblioteca Nacional, Fátima Fernandes – previa definir o próprio conceito do PNL cabo-verdiano, traçar os objectivos, as estratégias e identificar os desafios e as condições necessárias para a sua implementação.
Uma das condições apontadas seria a da definição de um quadro legal que orientasse e regulasse o processo de constituição e implementação do PNL. O mesmo viria a ser realidade meses depois quando, em Dezembro de 2017, os dois ministérios assinaram o despacho conjunto que oficializou a comissão de trabalho integrada por técnicos das duas instituições.
Na ocasião, os dois governantes com responsabilidades na matéria levantaram pela primeira vez o véu sobre o que poderá vir a ser o PNL. O Ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abraão Vicente, declarou então que O PNL seria uma solução institucional “à inquietação com os níveis de literacia da população em geral e, em particular, dos jovens” referindo também que com a educação e a cultura como eixos de governação deve-se assumir a leitura como uma prioridade política.
Definido como um conjunto de estratégias destinadas a desenvolver as competências nos domínios da leitura e da escrita, bem como a alargar e a aprofundar os hábitos de leitura da sociedade cabo-verdiana, o ambiente escolar é apontado desde logo como primordial na promoção da leitura, nomeadamente a leitura orientada em sala de aula.
A Ministra da Educação, Maritza Rosabal, anunciou então que já estavam a ser feitos esforços para que as escolas fossem dotadas das ferramentas para desenvolver a leitura. Mais recentemente em entrevista ao Expresso das Ilhas (excertos não publicados) adiantou que a equipa de trabalho já tem recolhido subsídios e que “já começamos a trabalhar – da parte que nos toca – as bibliotecas escolares. Foi assinado um protocolo com a Biblioteca Nacional e o Instituto Camões para o desenvolvimento das mesmas.”
A governante refere-se ao projecto-piloto de dinamização de bibliotecas escolares, em que depois de um levantamento das condições foram escolhidas nove escolas na ilha de Santiago, com o fim de preparar a criação de uma Rede de Bibliotecas Escolares. A formação de professores que se realiza nos próximos dias em Santa Catarina é mais um passo nesse sentido, sendo que os docentes serão eles mesmos coordenadores e dinamizadores dessas bibliotecas.
Até aqui
E é o que há até aqui no que se refere ao Plano Nacional de Leitura. Em Abril de 2017, quando pela primeira vez o governo (através do Ministério da Educação) se pronunciou sobre um PNL já avisara que o caminho seria longo e muito debate e engajamento da sociedade seriam necessários.
Foi durante a Semana da Leitura, promovida pela Presidência da República, que Leonor Sanches, assessora técnica do ME avisara em declarações à Lusa que a criação e implementação de um PNL não dependeriam exclusivamente do governo e que para além do necessário e profundo debate seria de esperar o envolvimento de países parceiros que poderiam partilhar a sua experiência na matéria.
Um mês depois, em Maio, e na sequência de contactos já feitos por Maritza Rosabal aquando da sua visita a Portugal mais cedo nesse ano, técnicos portugueses estariam em Cabo Verde – com o apoio do Instituto Camões – a ministrar uma formação a professores seleccionados para dinamizar e coordenar bibliotecas escolares.
Depois da assinatura do despacho conjunto entre os dois ministérios, em Dezembro do ano passado, foi só em Abril deste ano que se voltou a ter notícia do PNL. Embora alguma imprensa tenha então anunciado que acontecia a apresentação do Plano Nacional de Leitura, o que de facto ocorreu foi a primeira conferência internacional sobre o PNL, um evento realizado para traçar estratégias (desta vez com a presença de especialistas internacionais, como a comissária do PNL de Portugal, Teresa Calçado) e de onde saiu, pela voz do Ministro da Cultura, o importante anúncio de que o documento base para o PNL de Cabo Verde será apresentado até final de 2018.
Nessa ocasião Abrão Vicente referiu a importância da reactivação e reapetrechamento das bibliotecas municipais, apontando a entrega de 300 títulos ofertados por Portugal a cada município do país como um primeiro passo nesse sentido.
Sempre que se refere ao PNL uma das maiores curiosidades é saber que livros irão integrar o Plano e de que forma. Nas intervenções que se têm feito sobre o PNL várias vezes foi referido que este será necessariamente adaptado ao contexto cabo-verdiano. Daí a afirmação do Ministro da Cultura, na referida ocasião, em como é preciso “reconhecer que é necessário voltarmos para dentro e valorizar os nossos [autores]” e assim incluir obras nacionais na selecção de livros recomendados pelo PNL. E, embora ressalvasse que este não se resume a uma lista de livros para ler, admitiu que conseguir introduzir no sistema educativo uma lista de livros, por ciclo escolar, é “o objectivo principal nos próximos meses”.
Entretanto, da entrevista ao Expresso das Ilhas (excertos não publicados) Maritza Rosabal deixa entender que ainda não haverá no arranque deste ano lectivo um kit de livros prontos para todas as escolas.
“Vamos ver quais os livros adoptados. Isto tem de ser cauteloso. O que se pretende, sobretudo, é dinamizar a leitura. E não só dinamizar em cada um, mas em grupo, a leitura como forma de socialização”, respondeu à jornalista Sara Almeida, sem destoar da sua directora nacional da Educação, Sofia Figueiredo, que já na Conferência Internacional sobre o PNL de Abril passado dizia que nas bibliotecas escolares que já tivessem algumas condições [para integrar a rede] seria feito “um trabalho de melhoria, de reforço de títulos, mas essencialmente de identificação de dinamizadores que serão formados para trazer essa vontade de leitura, criar acções que possam despertar o gosto pela leitura nas crianças dentro das escolas”.
Estas formações – que, até aqui, constituem o que já há de componente prática do PNL – são financiadas no âmbito do Programa Estratégico de Cooperação (PEC) Portugal-Cabo Verde, prevendo-se que o Orçamento de Estado que em Outubro chega à Assembleia Nacional para discussão já contemple uma rubrica de financiamento ao PNL mediante proposta dos dois ministérios. Ou não.
É que o documento norteador do PNL estará ainda em processo de elaboração, estando a sua finalização aprazada para o final do ano.
PNL de Portugal. Uma longa caminhada ainda em curso
O Plano Nacional de Leitura de Portugal, que actualmente tem um quadro estratégico que vai até 2027, também é gerido por uma comissão interministerial integrada não só pelos ministérios com a tutela da Educação e da Cultura mas também pela Secretaria de Estado do Ensino Superior e pela Secretaria de Estado das Autarquias Locais.
“Os membros da comissão provenientes dos quatro departamentos governamentais diretamente envolvidos asseguram a prossecução e concretização dos objetivos do PNL em cada um dos sectores, e têm, desta forma, a missão de garantir a articulação e convergência entre a missão do plano e as suas atividades próprias, evitando contradições e redundâncias e contribuindo para a sua plena execução”, lê-se no bem apetrechado site do programa.
“Apoiar e fomentar programas especialmente vocacionados para favorecer a integração social através da leitura, em diferentes suportes; a formação dos diferentes segmentos da população - crianças, jovens e adultos; a inclusão de pessoas com necessidades específicas; o desenvolvimento articulado de uma cultura científica, literária e artística; e, ainda, o acesso ao saber e à cultura com recurso às tecnologias de informação e comunicação” são os objectivos actuais de um PNL que já leva mais de 20 anos a evoluir.
Neste ponto e, com 2027 como horizonte, estão definidas áreas de intervenção que abarcam o alargamento dos públicos-alvo, o incentivo à escrita, o reforço da leitura por prazer, a colocação da leitura e da escrita no centro da escola e a mobilização de pessoas qualificadas, inovadoras e criativas, entre outras áreas.
O PNL português edita um catálogo de livros recomendados, e que recebem o selo Ler+, livros esses que contemplam desde não-leitores - faixa dos 6 aos 12 meses, faixa de 1-2 anos e de 2-3 anos – e depois o pré-escolar e demais ciclos, para além do programa de formação de adultos, diferenciando-se nas diferentes etapas a leitura em voz alta, a leitura orientada em sala de aula (até 9º ano), leitura autónoma e sugestão de leitura. O Plano inclui livros nacionais e estrangeiros (traduções a partir de diferentes línguas e livros em Língua Inglesa) e livros técnicos para apoio a projectos escolares, para todas as etapas de ensino.
O PNL de Portugal disponibiliza ainda uma série de recursos digitais, formações, e promove vários concursos e prémios de leitura e escrita.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 876 de 12 de Setembro de 2018.