Estudo traz propostas para mitigar centralismo do Estado

PorChissana Magalhães,25 nov 2018 9:13

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​Com a descentralização a regressar à arena pública de debate em Cabo Verde, constata-se que as assimetrias regionais também são tema de análise além-fronteiras. Estudo da Universidade do Minho publicado na semana passada confirma o excessivo centralismo do Estado Português e sugere medidas para descentralizar a economia e desconcentrar os serviços do Estado.

Tido como um dos países europeus de administração mais centralizada, e sendo aquele cujo modelo administrativo mais inspira o modelo cabo-verdiano, Portugal tem um longo histórico de debate sobre descentralização, desconcentração e regionalização sendo que, em 1998, chegou a realizar-se um referendo nacional sobre a regionalização, chumbado pela população.

Intitulado “Assimetrias e Convergência Regional: Implicações para a Descentralização e Desconcentração do Estado em Portugal” o estudo agora efectuado pela Universidade do Minho, caracterizado como sendo o “maior estudo alguma vez realizado em Portugal sobre descentralização”, foi solicitado pela Associação Comercial do Porto (ACP) cujo presidente, Nuno Botelho, avançou ao jornal português Expresso o objectivo de fornecer aos decisores políticos “mais instrumentos de análise”. Botelho justifica ainda a iniciativa como tendo por base a defesa do interesse nacional, “para a descentralização não ser um mero slogan”.

Tornada pública na semana passada a pesquisa concluiu, a partir da análise de 85 mil contractos do Estado, que as aquisições deste estão concentradas na área metropolitana de Lisboa, a capital portuguesa.

Os investigadores da Universidade do Minho (com sede na cidade de Braga) confirmam as assimetrias regionais e a sua evolução bem como no referente ao PIB per capita, às assimetrias a nível das qualificações e especialização produtiva que acabam por conduzir a ciclos económicos diferenciados entre as regiões o que deveria demandar do Estado estratégias e políticas apropriadas à realidade de cada região.

O estudo traz exemplos do quanto as economias da região da Área Metropolitana de Lisboa e do Resto País são diferentes, como o facto de as Actividades Administrativas representarem na AM de Lisboa 10% da economia enquanto no resto do país apenas 4%. Também a nível de Informação e Comunicação a disparidade é notória com 11% na AM Lisboa vs. 2% no Resto do País. Já no que toca à Indústria Transformadora a situação inverte-se: apenas 12 % na AM Lisboa vs. 34% no Resto do País.

“A centralização da despesa pública na Administração Central e a forte concentração de serviços públicos na capital do país não favoreceram a resiliência das regiões a choques económicos, nem a implementação de estratégias de desenvolvimento adequadas às especificidades das regiões”, lê-se na síntese do documento assinado pelos pesquisadores da UMinho Fernando Alexandre (Coordenação), João Cerejeira, Miguel Portela e Miguel Rodrigues (com a colaboração de Hélder Costa) que refere ainda que o peso da AM Lisboa na economia nacional e a elevada concentração do poder político nessa região resultam num risco das políticas do Governo Central estarem “mais focadas nas condições da actividade económica nessa região”.

Compras e negócios em Lisboa

Outro aspecto destacado pelo estudo centra-se nas aquisições públicas. O documento refere que a concentração excessiva dos serviços do Estado na região de Lisboa “favorece a elevada centralização das vendas ao Estado por empresas dessa região”. Perto de 80% das compras de bens e serviços feitas pelo Estado são-no a empresas da área metropolitana da capital. Daí o estudo recomendar a revisão do enquadramento legal dos procedimentos de contratação pública, “de modo a favorecer uma distribuição geográfica mais equilibrada do fornecimento de bens e serviços ao Estado”.

A nível do poder local a situação é diferente, com os municípios a optar por fornecedores de diferentes regiões, espalhados pelo território português. Não obstante conseguirem poupar mais com essa opção, ainda assim, 40% das aquisições tiveram empresas da Região de Lisboa como fornecedoras.

Reconhecendo o impacto dos serviços do Estado na economia das regiões o estudo faz recomendações, como alocar novos serviços a serem criados sempre fora da área metropolitana de Lisboa e, no âmbito de um plano estratégico a ser implementado no período de 10 anos, deslocar as “Entidades Reguladoras, bem como entidades como a Provedoria da Justiça, o Tribunal de Contas, o Tribunal Constitucional e outras entidades que do ponto de vista funcional não beneficiam da sua localização na capital do país”, desta para outras áreas do território português.

“As condições específicas de competitividade das regiões devem ser consideradas nas políticas de qualificação dos trabalhadores e no financiamento da economia”, diz ainda o breviário do estudo que está a ser amplamente analisado pela imprensa lusa.

Um artigo publicado no jornal Economia Online, aponta que “regra geral, os países mais desenvolvidos do mundo são os mais descentralizados, ou seja, as competências e os fundos para realizar certas tarefas e decisões estão localizadas não no Estado central mas sim junto de regiões administrativas mais pequenas, dependendo da organização do país”.

E continua, lembrando que mesmo o FMI (Fundo Monetário Internacional) que em tempos encarava a descentralização económica como “uma ameaça à solidez das finanças públicas” acabou por passar a recomendá-la, com a articulista a lembrar que “Certos estudos mostram mesmo que a descentralização pode ajudar a manter as finanças públicas sob controlo”.

Num outro estudo, este da Universidade Nova de Lisboa, um especialista defendeu que a descentralização poderia servir para “aproximar o poder dos cidadãos” e, em certa perspectiva, melhorar o conhecimento que os actores políticos têm da realidade de cada território e assim delinear políticas compatíveis.

Cabo Verde também possui um estudo sobre a descentralização, elaborado entre 2013 e 2014 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) a pedido do Governo. Lê-se nas Conclusões e Recomendações:

“Recomenda-se uma abordagem global ao processo da descentralização, implementando em simultâneo, ainda que de forma gradual, as seguintes vertentes: desconcentração dos serviços municipais e a descentralização administrativa e institucional a nível municipal; implementação das unidades de coordenação da administração periférica do Estado e implementação, se for o caso, das autarquias supra e inframunicipais”.


Que diferenças?

A nível da política, eis de modo resumido as diferenças entre os conceitos:

Descentralização: processo político que visa a transferência de poderes e competências do poder central para o poder local.

Desconcentração: processo administrativo em que se distribui pelas localidades ou entidades locais as atribuições do poder central.

Regionalização: divisão de um território em circunscrições políticas ou administrativas regionais; atribuição de competências administrativas ou políticas (ou ambas) a órgãos de soberania de âmbito regional.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 886 de 21 de novembro de 2018.

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Autoria:Chissana Magalhães,25 nov 2018 9:13

Editado porAndre Amaral  em  13 ago 2019 23:22

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