O nome do projecto já explica o seu propósito: “Melhoria do diagnóstico e tratamento das doenças oncológicas em Cabo Verde”. Nesse sentido, a partir do próximo ano e até 2020, vários profissionais de saúde de Cabo Verde receberão formação especializada em Portugal (21 estágios), sendo que, em fluxo inverso, especialistas portugueses virão prestar formação “on the job” a 34 profissionais.
O projecto, que conta com a assistência técnica de destacadas instituições portuguesas ligadas ao cancro (nomeadamente o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto e os Institutos Portugueses de Oncologia Dr. Francisco Gentil de Lisboa e Porto) vai ainda reforçar o equipamento clínico especializado nos dois hospitais centrais do país.
Visa-se assim, com estas iniciativas orçadas em mais de 170 mil contos, “contribuir para a melhoria dos cuidados de saúde na área da oncologia, com impacto expectável no prognóstico das doenças oncológicas”, refere a Fundação, em nota de imprensa.
Projecto-Piloto centrou-se no cancro do colo do útero
Esta intervenção da Fundação Calouste Gulbenkian na área do cancro foi antecedida por um outro projeto piloto, da responsabilidade do Ministério da Saúde e que foi também apoiado pelo UNFPA: o “Rastreio de base populacional do cancro do colo do útero em Cabo Verde”, que decorreuentre Março de 2016 e Junho de 2017. Participaram no projecto-piloto, que decorreu em três centros de saúde de diferentes concelhos, 2600 mulheres, tendo sido detectadas e tratadas lesões pré-malignas em 174 delas.
“O projecto-piloto serviu para diagnosticarmos e identificarmos as questões críticas que podem atrasar o processo de implementação do rasteio”, explica Maria da Luz Lima, então Directora Nacional de Saúde aquando do projecto-piloto e coordenadora do Plano Estratégico de Controlo do Cancro 2018-2022.
Frente às lacunas e no âmbito então desse projecto-piloto, recorda por seu lado a Fundação, foram formados vários profissionais de saúde, com especial incidência na área de anatomopatologia , e procedeu-se à aquisição de equipamento de diagnóstico e tratamento de pequenas lesões.
Assim, o apoio centrou-se, na altura como agora, nos mesmos aspectos - formação e equipamentos – uma vez que o intuito fulcral da Fundação não se prende com acções temporárias e isoladas como as campanhas de rastreio, mas com a autonomia dos serviços para dar resposta contínua à problemática do cancro.
Entretanto, “este (segundo) protocolo tem aspectos mais abrangentes e técnicos”, resume Maria da Luz Lima.
Cabo Verde prepara respostas estratégicas
As intervenções a serem levadas a cabo no âmbito do protocolo assinado foram definidas a partir da identificação de algumas fragilidades na área oncológica em Cabo Verde, e das prioridades plasmadas no “Plano Estratégico Nacional de Controlo do Cancro, 2018-2022”.
Este plano, que ainda não foi validado, mas que contempla eixos incontornáveis na problemática e no qual o projecto da Gulbenkian se enquadra, pretende ser um instrumento que garanta uma boa resposta ao cancro e abrange áreas que vão da prevenção aos cuidados paliativos, passando por todo o controlo contínuo, integral e multidisciplinar da doença.
Da parte do projecto para o qual foi agora assinado o protocolo, visa-se pois dar resposta à questão da formação de recursos humanos e da melhoria do diagnóstico, destacadamente o anatomopatológico (que permite perceber melhor a neoplasia, se esta existir).
“Precisamos de formação específica, ou de capacitação e treino para, por exemplo, leitura das “lâminas”, execução das biopsias com técnicas mais atualizadas, por forma a termos um diagnóstico mais eficiente”, ilustra a coordenadora do Plano, Maria da Luz Lima, que destaca ainda, ao nível do tratamento, a capacitação em cirurgia oncológica, entre outras.
Vacina HPV é prioridade no Plano Estratégico
O cancro do colo do útero é o cancro que mais cabo-verdianas mata, e ao contrário dos outros cancros … para este há vacina. Não é eficaz a 100% (não ataca todas as causas e subtipos de HPV), mas pode reduzir em cerca de 70% a incidência.
Há muito que Cabo Verde pretende introduzir no seu Programa Nacional de Vacinação a vacina contra o Vírus do Papiloma Humano (HPV), mas até agora o objectivo ainda não conseguiu ser concretizado.
O “Plano estratégico nacional de controlo do cancro, 2018-2022” prevê esta introdução.
“É mesmo, diria, uma das principais prioridades do plano estratégico. É muito importante!”, destaca a coordenadora do Plano.
Contudo, ainda não há data concreta para essa introdução, estando a fazer-se um estudo não só para se ver a viabilidade e sustentabilidade dessa inclusão (as vacinas são comparticipadas a 100% por Cabo Verde), como até para proceder à escolha da vacina mais eficaz. A idade em que esta será aplicada deverá ser também objecto de análise uma vez que deve ser tomada antes do início da vida sexual (geralmente é tomada por volta dos 10 anos).
Sobre a possibilidade de um financiamento, pela Gulbenkian, nestas vacinas, diz Maria da Luz Lima que o mesmo chegou a ser abordado, mas o foco da intervenção da fundação, mais do que a prevenção, é o diagnóstico e o tratamento. Além disso, “mesmo que financiassem, não o fariam eternamente. Temos de trabalhar a sustentabilidade, é uma opção do país, e o país tem de fazer” a sua aposta, diz.
Ainda falando do cancro do útero, após a realização do projecto piloto (ver texto ao lado), actualmente o país está a entrar na fase de expansão do programa.
“Ainda não foi implementado porque estamos à espera que as capacitações sejam feitas e que sejam adquiridos mais equipamentos para proceder ao alargamento do rastreio”, explica.
Pretende-se, designadamente, que as utentes dos grupos-alvo de rastreio que, por qualquer motivo, acedam aos centros de saúde sejam orientadas para a realização dos testes de diagnóstico nessa infra-estrutura. Depois da “colheita” pretende-se que os resultados sejam conhecidos no espaço de um mês e que, em caso de pré-lesão ou lesão maligna, se accionem as estruturas que podem dar resposta.
“O centro de saúde contacta directamente o hospital da área”, explica Maria da Luz Lima. Aí será feito o seguimento especializado.
“O que se quer é um processo que seja mais eficiente, tanto no diagnóstico como no seguimento dessas pessoas que tem lesões positivas”, resume.
O cancro do colo do útero é um dos quatro tipos sobre os quais incidem acções prioritárias, pela sua prevalência e taxa de mortalidade. Os outros são o cancro de mama, da próstata e do tubo digestivo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 886 de 21 de novembro de 2018.