Listas uninominais podem conduzir à corrupção

PorAntónio Monteiro,9 dez 2018 10:21

​Daniel Costa defende a manutenção do sistema de candidatura partidária conforme existe no sistema eleitoral cabo-verdiano. Em conversa com o Expresso das Ilhas à margem do lançamento da obra da sua autoria “Dados Eleitorais de Cabo Verde em 25 Anos de Regime Democrático (1991-2016)”, esta segunda-feira, na Praia, o cientista político ressaltou que os partidos continuam a ser ainda em Cabo Verde um elemento coordenador importante.

A única questão que se coloca é se cumprem ou não as promessas eleitorais quando assumem o poder na administração central ou local. Daniel Costa sugere que os partidos devem abrir-se à sociedade civil com vista a permitir a participação dos cidadãos no processo de escolha dos candidatos para as listas. “Quando acontece, isso obriga os candidatos a terem um compromisso maior com os eleitores”, aponta.

Qual foi a sua motivação para lançar mão na árdua tarefa de compilar todos os dados eleitorais de Cabo Verde de 1991 até 2016?

A realização da obra obedeceu, por um lado, a uma motivação muito pessoal, pois como investigador senti alguma falta de dados mais sistematizados sobre o todo processo eleitoral de 1991 até às últimas eleições de 2016. No processo de pesquisa tive de correr a vários lugares para encontrar esses dados. Depois de ter procurado satisfazer essa necessidade pessoal, dei-me conta que estava perante uma necessidade colectiva. Constatei mesmo que na dinâmica dos debates sobre os processos eleitorais os intervenientes falam, mas não tinham todos os elementos para argumentar consistentemente. Então, vi que era necessário trazer essa contribuição para substancializar, por assim dizer, os debates sobre essa matéria. Há também a questão da memória. Recordo-me de ter lido que foi em 2016 que pela primeira vez que se realizaram em Cabo Verde três eleições no mesmo ano. Claro que isso não corresponde à verdade. A primeira vez foi justamente em 1991, quando se realizaram três eleições num ano. Isto para ver que é necessário refrescar a memória sobre esta matéria. Outra motivação foi que as informações em publicações internacionais sobre o processo eleitoral cabo-verdiano nem sempre são as mais precisas, porque talvez as fontes consultadas não foram as melhores. Daí que sendo cabo-verdiano, vivendo no país, presenciando, consultando de perto aos dados a minha preocupação foi trazer dados mais correctos e mais precisos que servirão de fonte para os pesquisadores estrangeiros.

Que dados poderemos encontrar no seu livro?

Todos ou quase todos os dados sobre as eleições. Dados sobre os candidatos em todas eleições presidências, legislativas e autárquicas, dados sobre os eleitos nessas eleições e outros indicadores em termos de inscritos, votantes, abstenções, votos brancos, votos nulos e dados numéricos inteiros e em percentagem. Dando a conhecer todos esses dados está-se também a contribuir para maior transparência no processo eleitoral.

O que sobressai nestes dados eleitorais compilados de 1991 a 2016?

O que se constata é que houve um aumento contínuo da inclusão de mais pessoas nos processos eleitorais. Refiro-me aqui concretamente ao aumento desde 1991 para cá do número de pessoas disponíveis nas listas partidárias. Outro aspecto que salta à vista é a questão das abstenções que tem aumentado nos últimos anos. As abstenções têm tido variações em termos de pico em cada eleição, mas a tendência geral é de aumento. Se você pega numa linha de tendência, vê que tende para o aumento das abstenções. Então isto traz reflexões sobre o sistema político cabo-verdiano. A abstenção é um comportamento, mas também é uma expressão no quadro das liberdades. Ao ir ou não ir às urnas, você está a passar uma mensagem e compete às autoridades dar mais atenção a este fenómeno. Geralmente a abstenção traduz um crescendo da insatisfação dos eleitores. Embora este fenómeno não se limite apenas a Cabo Verde, ele deve ser analisado para saber se as instituições do Estado estão a satisfazer as necessidades das populações. Você sente-se apenas motivado a participar se ganha algum no processo.

Essa abstenção não será reflexo de certa insatisfação com sistema eleitoral cabo-verdiano que permite apenas listas partidárias plurinominais nas eleições legislativas em que escolhemos o partido, mas não os deputados?

Acho que há uma tendência no sistema político cabo-verdiano que se pode verificar também em outros países que é o evento de uma crescente oligarquização dos partidos políticos no seu todo. Você encontra um conjunto de pessoas que por terem um percurso político importante, se reveem como pessoas mais capazes de participar e dar o seu contributo. Então em Cabo Verde você tem uma crescente oligarquização do processo político. Ou seja, as pessoas que têm um percurso e mais experiência política e como no seio dos partidos há uma competição para entrar nas listas, as pessoas que têm esse percurso e estão há mais tempo no partido, devido à dinâmica das coisas, assumem-se como personalidades especiais, com experiência, os ditos seniores – daí a ideia de senadores que está-se a pedir agora relativamente à questão da regionalização. Portanto, quem tem um percurso político importante, quererá manter o status quo. Por exemplo, no Brasil, onde as candidaturas são uninominais, vota-se no candidato. São listas mas vota-se no candidato. Então o candidato vai cultivar uma imagem pessoal junto dos eleitores para ganhar mais votos e ser eleito. Será que esse modelo é o melhor? Se a gente olhar para o caso do Brasil, temos que questionar esse modelo. A realidade brasileira mostra que esse modelo é potenciador de corrupção. É que o partido é importante para controlar os seus eleitos. Já no sistema de candidatura uninominal financia-se o candidato. Então ele vai procurar esse financiamento da forma que ele achar melhor que às vezes não são as mais adequadas e transparentes. Aí você tem um conjunto de riscos que é necessário ponderar. Estamos a ver que toda a corrupção no Brasil é que o candidato vai à procura de dinheiro; para se eleger ele faz qualquer negócio, como se diz no Brasil. Então isso potencia os problemas em termos de corrupção eleitoral.

Que sistema eleitoral acha mais adequado para Cabo Verde?

Defendo a manutenção do sistema de candidatura partidária, porque o partido é um elemento coordenador importante. A questão que se coloca é como os partidos quando assumem o poder na administração central ou local cumprem ou não as promessas eleitorais. Então o problema não está no modelo do tipo de candidatura, se é por lista ou unipessoal. A questão está no comprometimento dos partidos em responderem às necessidades e demanda das populações.

Nas listas plurinominais somos obrigados a votar em quem não queremos e os cabo-verdianos poderão sentir-se algo defraudados.

Aqui é uma questão de os partidos se abrirem para permitir a participação dos cidadãos no processo da escolha dos candidatos para as listas. Quando acontece, isso obriga os candidatos a terem um compromisso maior com os eleitores. Digamos, que o futuro político dos candidatos depende do cumprimento ou não das espectativas geradas.

Também o número dos deputados (72) na Casa Parlamentar é para se manter?

Há uns anos atrás defendi a possibilidade da diminuição do número de deputados quiçá para 50. Mas não defendo a diminuição do número de deputados e a substituição do número reduzido por senadores. Acho que esse modelo não satisfaz. Vai satisfazer às oligarquias, às elites que querem conservar os seus privilégios. Vai ser mais um cargo que se distancia mais ainda da população. Então eu defendo a diminuição sim do número de deputados, mas que os recursos que resultem desta diminuição sejam aplicados no reforço das capacidades em termos de recursos financeiros e humanos dos grupos parlamentares. Por exemplo, o governo tem uma equipa de assessores jurídicos muito forte, porque tem recursos para isso. O Parlamento parece que não tem. Então, esses recursos que sobram poderiam permitir que os grupos parlamentares tivessem um corpo de assessores, consultores e pessoas capacitadas que os pudessem apoiar na elaboração de propostas, de projectos de lei a nível do Parlamento. Por isso é que temos, em termos legislativos, um domínio do governo em relação ao Parlamento.

Com a reforma do Parlamento não se diminuiu o número de deputados, mas passamos a ter sessões bimensais. Que problemas acarreta?

Então você aumenta a carga de trabalho, mas não aumenta a carga de apoio para os trabalhos. Isso pode gerar uma situação de stresse e até aumentar a incapacidade do Parlamento em responder atempadamente e não estar à altura dos desafios, dos debates e das propostas de políticas públicas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 888 de 05 de Dezembro de 2018.

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Autoria:António Monteiro,9 dez 2018 10:21

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  10 dez 2018 9:37

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