Dois anos depois de ser eleito, qual é a sua actual visão para o desenvolvimento da Ribeira Brava?
Penso que a Ribeira Brava, e a ilha de São Nicolau no seu todo, é uma oportunidade que merece uma visão de curto/médio prazo de desenvolvimento. É uma visão em que temos de englobar todos. Para isso, temos de ter uma visão integradora e capaz de trazer para a ilha investimentos que gerem emprego. Estamos a falar de uma ilha que tem uma tradição agrícola, uma paisagem fantástica e que poderá ser um destino turístico diferenciado e não de massa. Queremos um turista que respeite o ambiente, que queira contactar com as pessoas, conhecer a cultura das diversas localidades. Acredito que a cultura deste povo ficou enraizada desde a altura do seminário. É um povo com educação, que gosta deste pequeno torrão e que sabe receber. Esta simpatia não é por acaso, foi conquistada com o tempo. É isto que queremos resgatar e passar para o mundo. Precisamos também de dar passos seguros para conservarmos o nosso património – esse é o nosso tesouro. Somos uma das vilas mais antiga do país, por isso temos de ver este património com outros olhos. Para isso temos de preservar, de conservar, de regenerar, de reabilitar, para que as pessoas que nos venham visitar olhem também para este património com um olhar diferente. Têm de dizer que aqui houve uma história. Se agirmos assim, preservando o património, cuidando do ambiente, mantendo a boa educação da nossa gente, criando programas integradores, conseguiremos atingir o sucesso. Pessoas e território são os dois elementos fundamentais.
E o que considera ter sido feita para conseguir concretizar essa visão?
É claro que o primeiro passo é sempre um pouco tímido. Muitas vezes não sabemos se estamos no caminho certo e leva algum tempo a fazer essa construção. Mas assim que esta está feita, não há outro remédio. E estamos a caminhar, trazendo pessoas que têm um outro olhar, como as universidades e os seus estudos científicos. Acho que é dessa forma que devemos trabalhar.
Antes da nossa entrevista dizia-me que não se deve ter medo de experimentar. É isso que está a fazer?
Devemos perder o medo. Aliás, o medo quase não existe em São Nicolau. As pessoas são destemidas, têm vontade de dar este passo. Não temos de ficar acanhados e a colocar interrogações em tudo o que se faz. Temos é de avançar. Temos de nos sentir donos deste património. E, claro, já que somos donos, temos de o preservar. Alguém nos deixou este legado, então temos de o conservar e passar também para os outros.
E como se faz isso de maneira sustentável? Pergunto-lhe isto porque as câmaras têm sempre problemas financeiros, por isso, como pensa preservar este património?
O como é sempre a principal interrogação. Como vamos fazer sem dinheiro? Que programas devemos procurar para conservar o que temos? Essas são as questões que lançámos imediatamente. Na minha perspectiva, se ficamos sempre a pensar que vamos fazer quando tivermos dinheiro, as coisas nunca arrancam. Por isso, vamos arrancar, vamos experimentar e não ter medo de errar fazendo. Só assim se concertam os erros e se avança. Tudo o que queremos fazer nesta altura tem de ser feito de forma integrada, sem deixar ninguém para trás.
Além do património urbano, há todo o património natural. E mantê-lo também custa dinheiro.
Custa muito dinheiro. Podemos dizer que é património não visível. Quando temos uma construção podemos constatar se está a cair, se as portas ou as janelas precisam de ser reconstruídas, mas quando o património são as montanhas, as encostas, a beira-mar, primeiro é preciso quantificar não é? Só assim se conseguem fazer propostas de conservação e, depois, transformá-lo em utilidade pública, levar as pessoas para consumir o produto. Por exemplo, a orla marítima, primeiro é preciso fazer uma piscina, que por sua vez vai trazer pessoas e estas pessoas estarão a pagar a sua reabilitação, ou mesmo a ampliação do projecto. Estamos a falar de situações mais complicadas, porque este património é extenso e, muitas vezes, ficamos sem saber por onde começar. Por isso, onde começamos nós? Exactamente nas zonas onde tenho alguma marca, como por exemplo, na Preguiça. Como é que um património daqueles, que fez parte da história, está naquelas condições? Os séculos de existência estão lá. E como temos de começar por algum sítio, esse é um dos melhores.
Porquê Preguiça?
Porque é pequeno, restrito e tem elementos para pegar. Portanto, precisamos de reabilitar, trazer de volta essa história, criar um ambiente familiar para podermos conservar e vender o produto, obviamente. É um dos princípios onde temos de pegar: regeneração de centros históricos. Na sequência, não basta ter algo bonito, é preciso que exista também um produto, quem visita tem de conhecer essa história. Como é que essa peça veio cá parar? O que foi isto? E qualquer criança tem de saber essa história para contar ao turista. É neste diálogo que as pessoas vão interagir. E o turista, se fica satisfeito, paga.
Para que haja esse diálogo, primeiro as pessoas têm de chegar a São Nicolau. A conectividade da ilha – os transportes – é o maior desafio?
Com certeza. Mas, não podemos ficar tímidos porque não há transporte. Se houver um produto de qualidade, as agências virão e com elas virão também os transportes. Se houver pessoas, de certeza que haverá aviões e barcos a fazer este percurso. Não nos podemos esquecer que estamos a duas horas de barco de São Vicente. O turista pode ter uma espécie de pacote do Barlavento, com Santo Antão e São Nicolau a uma distância relativamente curta de São Vicente. E nós aqui temos muita diversidade, não é só montanhas. Temos a pesca desportiva, temos a parte cultural, o turismo religioso, temos praias, quase todas as ilhas cabem cá. Quer um vulcão? Temos as crateras. Portanto, temos um pouco de tudo, de Santo Antão, de Santiago, do Fogo, até do Sal, porque também temos praias de areia branca. Sim, o transporte é um problema, mas temos de continuar nesta linha, investir na qualidade. E depois continuar a dialogar com os governantes. Segundo o senhor Primeiro-Ministro, em breve teremos a linha marítima a funcionar.
Tem sido esse o principal diálogo com o poder central? Liguem-nos às ilhas e ao mundo?
Olhe que este trabalho não pode ser só dos políticos, tem de ser de todos. Sejam os sãonicolauenses, sejam todos os cabo-verdianos. Não podemos deixar as ilhas isoladas. E isso faz-se com linhas aéreas e com barcos. Para mim, a solução deste país passa naturalmente pelo mar. As ilhas são todas próximas. Com uma ligação eficiente, acredito que as pessoas preferirão navegar a voar. Para já, o avião é mais caro. Depois, sabemos que o cabo-verdiano viaja com muita bagagem. Quem consegue transportar essas cargas? O barco. Temos de criar o hábito de navegar. Até o turista tem uma viagem mais agradável, vê golfinhos, é acompanhado pelas aves, etc. E não apenas os turistas. Costumo dizer aos meus colegas que é muito triste os cabo-verdianos não conhecerem Cabo Verde. Poucos cabo-verdianos conhecem todas as ilhas. Como se pode falar, por exemplo, de questões da Brava sem conhecer a Brava? É preciso desbravar também o turismo interno. Claro que temos de baixar os custos, porque é um país caro para viajar e ficar e comer. Mas temos de dar essa oportunidade.
Como tem sido o diálogo com o poder central, sendo independente e tendo concorrido à câmara depois de romper com o MpD?
O diálogo tem sido frutífero. Com o governo temos uma relação muito próxima. O próprio Primeiro-Ministro foi autarca, conhece as dificuldades dos municípios, por isso inverteu a política. Enquanto o governo anterior tinha uma ideia muito centralista, este é diferente, cada câmara apresenta o seu pacote e as verbas são distribuídas mediante critérios definidos antecipadamente. Criou-se uma relação bilateral de contacto directo. O que é que o presidente da câmara e a sua equipa entende que deve ser feito no município? É esta política que tem sido posta em prática. Portanto, tem sido um bom diálogo. É claro que nós exigimos sempre mais, que o governo esteja mais próximo, que venha ouvir o seu eleitorado.
E como é ser um independente entre dois gigantes?
Quando nasci não havia luz eléctrica e tínhamos de saltar entre pedras às escuras, portanto, perdi o medo desde muito cedo. Esta caminhada conduziu-me também para outros patamares. Não podemos ter medo do que pensamos, devemos sim procurar seguir esse caminho. Eu gosto de ouvir as pessoas, com calma, perceber a lógica, e decidir. Sem medo. Podemos até tomar uma decisão errada? Com certeza, não sou dono da verdade. Mas se erramos, devemos também saber corrigir as nossas falhas. Sabermos ter a coragem de dizer “falhei”, vamos ver como se pode melhorar. Quando avançámos, as pessoas não acreditavam que conseguíssemos passar entre estes dois partidos, ambos muito experientes, e eu disse que íamos fazer o caminho, caminhando, mostrando a nossa proposta, falando com as pessoas. No fundo, falámos a linguagem dos munícipes, num tempo muito curto, e as pessoas começaram a ouvir-nos. Acreditamos que é possível fazer muito mais, mas também acreditamos que é possível avançar sem ser empurrado pelos outros, mas sim seguir as suas ideias.
Quando disse no início da entrevista que a sua visão era de curto/médio prazo, disse-o porque tem consciência que a eleição de um independente é um fenómeno raro e que pode não se repetir? O seu projecto é para quatro anos?
Tem que ser. Os partidos políticos podem estar mais ou menos frágeis, mas conseguem sempre ir buscar força. Coisa que os independentes não têm. Eu patrocinei a minha própria campanha eleitoral. Também não quis, porque tive sempre a certeza que estava a fazer um percurso onde não queria responsabilizar ninguém. Arrisquei. Às pessoas só pedi o apoio intelectual e moral. A financeira foi minha responsabilidade. Não sou político, sou pragmático.
Continua a ser mais matemático?
Com certeza. Um matemático é um estratega, porque vai procurar a forma de meter a matéria na cabeça do aluno. Como é que o faz? Com várias ferramentas. Sou assim na sala de aula, sou assim com os meus pares na política. Eu não tenho medo de perder votos, quero é saber se uma decisão é eficiente e se há uma razão para ser implementada. Isso é que quero ouvir. Essa é minha responsabilidade. Eu quero é uma opinião técnica, não política. É isso que os políticos ainda temem em Cabo Verde. Trabalham para conquistar o eleitorado. Eu não estou aqui para isso. Estou aqui para ouvir as pessoas, para ver o que é possível fazer. Trabalhamos muito na parte social porque não quero pessoas vulneráveis em termos de habitação, de alimentação, de educação, de assistência à saúde. Pode-se fazer muita coisa com dinheiro? Pode. Mas o que interessa é fazer algo que deixe uma marca. Uma marca na qual as pessoas podem pegar e mudar a sua vida. Para sempre. A Preguiça pode ser um exemplo. Se for concretizado, o projecto resolve os problemas da habitação social, da conservação do património, do esquecimento da história e vamos conseguir ligar a Preguiça ao mundo. E economicamente é sustentável. É um projecto sólido. Para mim, que sou matemático, é um projecto mesurável. E pode mudar a vida das pessoas para sempre. Digo-lhe mais, se conseguirmos levantar aquelas pessoas, todas as pessoas podem ser levantadas.
Uma última questão: que Ribeira Brava espera ver no fim do seu mandato?
Espero ver uma Ribeira Brava reabilitada, com pessoas mais amantes deste património e com vontade de preservar o que temos. A ideia de trazer para São Nicolau a Universidade Católica é reviver o passado. Fomos o primeiro centro de educação em Cabo Verde. Portanto, é esta Ribeira Brava que eu espero ver no final do mandato. Uma Ribeira Brava com pessoas que amam a sua terra, que conseguem conservar esta maneira de bem receber as pessoas e conseguindo viver disso. É onde pretendemos chegar.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 891 de 24 de Dezembro de 2018.