Plantar melhor qualidade de vida nas cidades

PorChissana Magalhães,23 mar 2019 9:44

​As árvores são os pulmões do mundo. A frase é um dos slogans muito repetidos a cada Dia Mundial da Árvore e da Floresta, que reparte a data de 21 de Março com outras efemérides. Em tempos de alertas sobre as alterações climáticas e suas consequências e com as emissões de carbono a atingirem records, volta a ser importante falar sobre a necessidade de plantar e manter vivas as árvores e as florestas.

Há também cada vez mais especialistas a apontarem a necessidade das cidades fazerem crescer a sua mancha verde, não apenas pelos benefícios que esta traz a nível da sustentabilidade ambiental, mas também para o bem-estar quotidiano das suas populações. Para além de amenizar a temperatura ambiente, aumentar a humidade do ar, dar sombra, absorver a água da chuva – evitando inundações – e até bloquear a entrada de barulho e poeira nas nossas casas, as árvores cumprem importante papel na filtragem da poluição, concretamente no sequestro do carbono emitido pela indústria poluente e pelos automóveis, por exemplo.

A quantidade de gás carbono na atmosfera atingiu um novo recorde de 405,5 partículas por milhão em 2017, segundo as Nações Unidas. “A ciência é clara. Sem cortes rápidos em CO2 e outros gases estufa, as mudanças climáticas terão efeitos destrutivos e irreversíveis sobre a vida na Terra. A janela de oportunidade para acção está quase fechada”, disse na altura o secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, agência da ONU.

Uma das ONG ambientalistas que, a nível mundial, desenvolve campanhas e pressiona governos para políticas de redução da emissão de carbono, a 350.org tem em Cabo Verde uma célula, a 350 Cabo Verde, que desde o ano passado tem desenvolvido na cidade da Praia algumas acções de sensibilização.

O Dia Mundial da Árvore e da Floresta é só amanhã mas a iniciativa pró-ambiente 350 Cabo Verde, formada por um grupo de cidadãos praienses, não quis esperar pela data simbólica para promover mais uma acção no terreno. No bairro de Achada de Santo António, frente à esquadra policial, na manhã de sábado (dia 16) fez-se a plantação de algumas árvores de fruta.

Ciente de que o plantio de árvores e a conservação de florestas são das técnicas mais comuns de neutralização do carbono, a 350 CV abraçou prontamente a ideia que lhe chegou da empresária Luísa Lobo de espalhar árvores fruteiras pela cidade.

Débora Carvalho, porta-voz desta iniciativa ambiental, explica que foi fácil abraçar o sonho da empreendedora que já vinha plantando árvores na propriedade onde funciona a sua empresa e na zona onde esta se localiza.

“A Dona Luísa Lobo contactou-nos com esta ideia, de plantar árvores de frutas em diferentes pontos da cidade, e nós quisemos logo participar. Ela já tinha as mudas e nós só tínhamos que apoiar”.

A Polícia Nacional, nomeadamente o contingente da esquadra de Achada de Santo António, também deu o seu contributo, que na verdade deverá ser contínuo já que assumiu a responsabilidade de fazer a rega da meia dúzia de abacateiras e mangueiras que ali se plantou. E não se pense que são inexperientes na tarefa. Mesmo frente à esquadra, notamos um canteiro verdejante de bananeiras, aparentemente bem cuidadas.

No mesmo dia, também uma zona residencial junto a avenida Santo Antão, no bairro de Palmarejo, ganhou um pequeno pomar de árvores fruteiras, com os vizinhos a comprometeram-se a cuidar para que as mudas consigam se tornar árvores, o que começou já com a protecção do canteiro que as recebeu pois na zona é frequente a deambulação de vacas que tendem a comer tudo o que seja planta que encontrem pelo caminho.

Antes, em Fevereiro, a parceria entre Luísa Lobo e a 350 CV já tinha resultado na plantação de fruteiras em Achada Grande Frente. Aí, como na acção realizada no sábado passado, a participação entusiástica de crianças foi registada. Elas têm também papel importante na preservação dos brotos plantados.

Cidadania Verde

“Se plantarmos mil árvores e quinhentas sobreviverem já é bom”, diz com optimismo Luísa Lobo. Mas, ciente de que apenas optimismo não é suficiente a mesma fala da parceria que têm encetado com as associações comunitárias dos bairros por onde já passaram e deixaram a sua “pegada verde”.

“O que temos feito é falar com as associações dos bairros e pedir que identifiquem no bairro pessoas que gostem de plantas, que autorizem que plantemos árvores ao pé da sua porta e assim fiquem responsáveis por cuidar destas. Para além de Achada Grande Frente, também fizemos plantação em Achada Grande Trás (inclusive na escola) e em Safende e temos o apoio das associações Pilorinhu, Vindos do Norte e Safende Tudo Hora, respectivamente”, continua a empresária que junta agora a Polícia Nacional em Achada de Santo António ao grupo de parceiros da campanha que já vai em mais de 50 árvores de frutas plantadas.

Débora Carvalho, por sua vez, antecipa futuras campanhas de plantação de fruteiras e por isso lança apelo aos cidadãos para que guardem as sementes de frutas ou criem eles mesmos os rebentos em pequenos vazos para depois realizarem o transplante em algum espaço disponível nas suas zonas.

A expectativa da activista vai mais além da manifestada pelo vereador do pelouro do Ambiente, António Lopes da Silva, que gostaria de ver os cidadãos a colaborarem para uma cidade mais verde pelo menos contribuindo para o suplemento de água de que estas carecem.

O autarca aponta a escassez de água como um dos grandes desafios à vontade de ter mais espaços verdes na cidade da Praia e lamenta que os cidadãos não tenham ainda bem presente o útil que seria reaproveitarem a água de uso doméstico, nomeadamente das limpezas, para regar as árvores e plantas em vez de atirar fora como é frequente ver acontecer.

“Desde 2008, o Ambiente é uma área contemplada pela Câmara Municipal da Praia e fundamental na gestão da cidade. A cidade está mais verde. O arquitecto Siza Vieira esteve cá recentemente e notou e disse-nos isso mesmo”, contesta o vereador quando confrontado com as reclamações existentes de que a requalificação urbana da cidade vem acompanhada de diminuição da sua mancha verde por se registar o abate de árvores já adultas.

António Lopes da Silva defende que a edilidade tem tido mesmo o cuidado de, nas zonas requalificadas, deixar “um sinal verde” com a plantação de novas árvores. E cita o exemplo de Cidadela onde, no ano passado, a CMP fez a sua intervenção do Dia Mundial da Árvore plantando dezenas de mudas.

A falta de água e o crescimento acelerado da cidade são desafios apontados pela autarca. “É claro que podíamos fazer mais, e queremos fazer mais, mas a grande dificuldade é a escassez de água”, justifica.

Florestas Urbanas

Praia é, juntamente com Mindelo, Espargos e Porto Novo, uma das cidades contempladas pelo projecto “ Apoio à Floresta Urbana e Periurbana”, parceria entre a FAO e o governo de Cabo Verde, através do Ministério da Agricultura e Ambiente, financiado em 423 mil USD e que durou de 2015 a 2017.

Sendo um projecto pequeno, era no entanto um sinal de interesse em tentar alcançar as metas 11 e 13 dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (anunciados precisamente em 2015) que preconizam, respectivamente, Cidades e Comunidades Sustentáveis e Combate às Alterações Climáticas.

José Castro, especialista da FAO e um dos consultores do projecto, explica que no processo de elaboração do mesmo foi traçado um diagnóstico da situação nestas quatro cidades do país.

“Elaboramos um diagnóstico e também planos de acção e de gestão para essas quatro cidades. Identificamos nessas cidades quais os bairros mais desfavorecidos em termos de arborização, de floresta urbana e quanto seria preciso investir. Foi um trabalho mais de avaliação”.

Nesse processo de diagnóstico um dos primeiros passos foi a análise de fotografias áereas das cidades contempladas para que assim se contabilizasse a quantidade de árvores que cada uma tinha. A partir destas fotografias áereas, produzidas por ocasião do Censo de 2010, foram assinaladas 2348 árvores na cidade de Espargos, 3891 árvores em Mindelo e cerca 33392 árvores na cidade da Praia. Em relação a Porto Novo, dificuldades técnicas impediram que fossem analisados dados de 2010. Para que não se avançasse sem qualquer informações, foram então usadas fotografias áereas de 2003 que permitiram assinalar 3890 árvores.

Sem surpresas, estes números e outros dados evidenciaram um défice acentuado na mancha verde das cidades cabo-verdianas, nomeadamente quando relacionados ao número de habitantes das mesmas.

“Em traços gerais, a floresta que existe nas cidades cabo-verdianas não chega para cobrir as necessidades da população. Está em cerca de 10% das necessidades, daquilo que deveria ser. A nível global, e como costuma dizer-se, para uma cidade estar bem arborizada é preciso haver uma árvore por cada habitante. Estimamos que em Cabo Verde haja uma árvore por cada 10 habitantes. Portanto, é preciso muito mais”, analisa José Castro.

“O quadro actual da organização dos espaços urbanos em Cabo Verde revela enormes deficiências, entre os quais falta de qualidade urbanística e paisagística e défice de espaços verdes, espaços de lazer e convívio; os espaços verdes inseridos no tecido urbano são praticamente inexistentes (parques, jardins e praças públicas, corredores ou cinturas verdes) e remetidos ao tratamento secundário. A realidade evidencia uma grande deficiência em matéria de criação de espaços verdes. Daí e também por causa disso, a designação de “cidades cinzentas””, aponta o documento produzido, “Diagnóstico e prioridades para a floresta urbana e periurbana nas cidades da Praia, Mindelo, Espargos e Porto Novo”.

Remetendo ao Estatuto das Cidades (Decreto-lei nº 15/2011), o diagnóstico alertava para a necessidade de reverter esta situação e desenvolver uma abordagem “mais ecológica” do urbanismo e encarrar os espaços verdes como componentes indispensáveis da qualidade de vida urbana, ajudando assim a cumprir o equilíbrio ambiental estabelecido na lei.

José Castro sublinha ainda uma das conclusões do diagnóstico, que aponta que em muitas das situações analisadas registou-se que, para além da carência de florestas, há muitas outras carências nos bairros das cidades, concluindo que “uma coisa não pode vir desviada da outra”.

“Ou seja, não faz sentido ir actuar num bairro onde falta arruamentos, saneamento e começar a trabalhar a arborização, e isso apontávamos no diagnóstico. As cidades precisam ser infra-estruturadas em termos de verde mas isso não pode vir dissociado de todas as outras carências que têm, sobretudo os bairros mais necessitados”, refere o consultor.

Já em relação a florestas periurbanas, o estudo produzido aponta que o crescimento acelerado e espontâneo de algumas das cidades tem vindo a afectar a superfície florestal.

“São florestas que tem vindo a sofrer uma forte pressão inerente à expansão urbana, à construção de infra-estruturas e a cortes clandestinos, levando à perda gradual do cinturão verde da cidade”, diz o diagnóstico em relação à cidade da Praia, informando ainda que, de ano para ano, perdem-se importantes espaços florestais urbanos e periurbanos, com impacto negativo a nível ambiental, estético, e de recreação e lazer, subsistindo pequenas manchas, nomeadamente nas encostas mais declivosas.

Foi com esse diagnóstico que a CMP, no âmbito deste mesmo projecto, iniciou a plantação de centenas de árvores na cidade, tendo a encosta sobre a qual se situa o Liceu Domingos Ramos sido um dos pontos privilegiados e que o vereador do Ambiente da autarquia aponta que dentro de anos será uma “bonita floresta urbana”, coroada com um miradouro. Para amanhã, Dia Mundial da Árvore, já está no programa da Câmara Municipal mais uma etapa da arborização da urbe.

E assim, ainda que com pequenos passos, busca-se aproximar da receita apontada por Charles Landry, especialista britânico em cidades, para a felicidade das pessoas e que passa por ter cidades mais humanas, mais criativas, mas também mais próximas da natureza.

Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 903 de 20 de Março de 2019.

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Autoria:Chissana Magalhães,23 mar 2019 9:44

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  23 mar 2019 17:21

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