Os pilares da Educação

PorSara Almeida, Sara Almeida,27 abr 2019 9:25

​São 8.985, segundo dados divulgados pelo INE, e estão distribuídos por vários níveis de ensino. Ontem, 23 de Abril, data escolhida em homenagem a Baltasar Lopes da Silva, celebrou-se o dia deles. Falamos, claro, dos professores cabo-verdianos. E se o momento é de celebração e apreço, deve ser igualmente de reflexão sobre esta classe que impacta, quiçá mais do que qualquer outra, todo o futuro do país.

“Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”. Com toda uma vida ligada à educação, Clara Marques cita o conhecido pedagogo Paulo Freire para falar da necessidade de valorizar a profissão de docente e o seu status social. Não basta ter “bons professores, não é só ter uma escola adequada”. Tudo isso é importante, mas quando se almeja qualidade é preciso ter, “sobretudo, professores motivados, que procurem a excelência no ensino, e que procurem inovar na educação”. E para isso, estes têm de ser valorizados. As autoridades políticas, particularmente as educativas sabem-no, considera, mas deve-se procurar também, junto com a sociedade civil, “apoiar e estimular e promover todo o valor que o professor deve ter, na sociedade onde está inserido”.

Esta valorização e motivação são, aliás, os grandes objectivos por trás do Leciona (ver caixa), explica Clara Marques, diretora do Museu da Educação, entidade promotora do Prémio do Professor Cabo-verdiano do Ano.

O bom professor

Valorizar e motivar. Um bom professor é, então, alguém motivado. “É aquele que não se limita a cumprir o que está estabelecido no programa, no currículo, mas que efectivamente inova, tem iniciativa, que procura que os seus alunos não só tenham instrução ou conhecimento científico, como também o saber ser, o saber estar, o saber conviver. Isto é que é realmente educação integral”, aponta a ex-docente, que exerceu também, durante muito tempo, funções de inspectora-geral da Educação. Mais ainda é um professor interessado no seu aluno, que procura estar com a família deste e saber quais os problemas e dificuldades deste.

Mas será que o sistema promove a motivação nos seus professores? Para Julião Barros, actual Inspector-geral da Educação, “motivação dos professores deve ser repensada”.

E deve sê-lo, “na perspectiva de ser qualquer coisa sistemática e possa, de facto, privilegiar o mérito”, aponta, salientado que algumas prerrogativas, como a possibilidade de reforma mais cedo e com menos anos de serviços do que outros quadros da função pública são benefícios muito ténues. “Não chega, sobretudo porque há muitos riscos, muitos desafios que envolvem a carreira de docente. É preciso também ter alguma compensação, alguma motivação”.

Um profissional motivado é também alguém que quer ter impacto. Que, como referido, precisa de espaço para ter iniciativas e para inovar, para fazer a diferença nas suas comunidades. Tudo isto são, aliás, factores apontados como importantes na qualidade de ensino. Mas em Cabo Verde as directivas são nacionais, centralizadas. Há espaço, aqui, para a introdução de elementos mais autónomos, mais localizados? Clara Marques acredita que sim.

“O currículo realmente é único, até certo ponto, mas há sempre algo que cada escola, cada comunidade educativa, pode fazer. Pode ter a sua especificidade em função da comunidade onde está inserida”. Deve haver, inclusive, sempre a procura desse espaço aberto a novas formas de planear e elaborar projectos. Novas iniciativas que venham ao encontro do currículo nacional. E que permitam motivar, também, os alunos.

Avaliação manca

Há elementos que motivam. E outros que se não motivam, pelo menos obrigam a não cair no “tanto-faz”. A avaliação de desempenho é um deles, usada um pouco por todo o mundo.

Em Cabo Verde, o Plano Estratégico da Educação 2017-2021 fala bastante em avaliação. Avaliação para melhorar o desempenho dos profissionais da educação, nomeadamente dos profes­sores, para melhorar os próprios estabelecimentos de ensino, ou curricula, etc. Mas nada é referido em relação à avaliação individual de cada professor. Contudo, o Estatuto do Pessoal Docente (2015) prevê essa avaliação, e esta tem peso na progressão da carreira. Prevê-se inclusive um prémio de desempenho, que siga critérios cumulativos rigorosos.

A avaliação de desempenho, entretanto, explica Julião Barros, é feita pelos “próprios directores” das escolas e homologada pelos delegados de educação”. E duas avaliações de desempenho negativo podem ser “ motivo de procedimento disciplinar”.

“A avaliação contribui para um melhor desenvolvimento da carreira do professor. Obviamente tendo um professor com avaliação de muito bom, isso sempre encoraja, e há algumas bonificações previstas no estatuto”, aponta o inspector-geral. Contudo, apesar dessa avaliação, e de “mecanismos de identificação e acompanhamento” do desempenho e gestão curricular, podem surgir anomalias, reconhece.

A rede “de acompanhamento é funcional. Entretanto todos os sistemas têm as suas vicissitudes e limitações”, explica.

Seja como for, avaliar, seja uma pessoa, seja um sistema, é sempre um processo complexo, mas importante quando se persegue a excelência.

Clara Marques, antiga Inspectora-geral da Educação é também especialista em avaliação (área onde tirou o seu mestrado).

E como refere esta é sempre uma área sensível que deve “ser tratada com muita seriedade”, até porque “mexe com as pessoas, com a vida profissional dos professores. Deve ser, em primeiro lugar, sistemática e contínua. “A avaliação, por si, é subjectiva e quando ela não é recolhida sistematicamente e de forma contínua pode ter aspectos negativos”. Assim, deve ser feita a vários níveis, com instrumentos fiáveis de recolha de dados, “que possam realmente trazer um resultado mais justo e mais objectivo”.

Mas controlo e avaliação são importantes, considera a ex-delegada e ex-inspectora-geral da Educação e não devem ser encarados como uma ameaça. “Desde o momento em que se pense numa avaliação baseada na realidade do nosso país e do nosso contexto escolar, com os alunos, os professores e todo o sistema educativo, é possível fazer uma avaliação justa e dinâmica”. Uma avaliação que traga inputs para melhorar, que é, aliás, o objectivo principal da mesma, na sua óptica.

Assim, sem falar especificamente na avaliação do desempenho dos docentes, esta é uma área que na sua opinião deve ser trabalhada. É necessária inclusive maior organização a nível da avaliação da aprendizagem, seja avaliação aferida, seja avaliação contínua. E “também temos de começar a fazer comparação com outros países”, acrescenta, nomeadamente de África. “É sempre bom, comparando, saber onde que estamos e para onde vamos”, diz.

Clara Marques recorda, ainda, a modalidade de avaliação institucional por si criada, “que tem duas vertentes, auto-avaliação das escolas”, feita pelos professores sobre a gestão e outros aspectos da mesma, e “a avaliação externa”, feita por instância superior.

O objectivo desta avaliação é essencialmente a melhoria da gestão pedagógica.

Rácio e reconversão

A gestão pedagógica ainda é uma fragilidade do Sistema. No Plano Estratégico Nacional 2017-2021, lê-se que “tendo em atenção os recursos mobilizados e os resultados da aprendizagem obtidos, o ensino básico tem consumido demasiados recursos em determinados aspetos (pessoal docente e não docente; rácio aluno-professor e aluno-sala de aula) em detrimento da gestão pedagógica e da formação de professores onde não se têm investido recursos suficientes”.

E apresenta números: em 2013/2014havia “um funcionário não docente relacionado com a área da educação para 3,5 professores em exercício”. Indo mais além e citando o Relatório Elementos de Análise Setorial da Educação em Cabo Verde (2015), lê-se que “com esses números teríamos o direito de esperar que a qualidade dos serviços educativos estivesse garantida e que existisse um bom desempenho em matéria de gestão pedagógica”. Mas não.

Incrementar a gestão pedagógica é pois um objectivo claro do Plano Estratégico. E prevê-se aumentar o rácio de aluno por professor, passando dos actuais 22 para 24.

Ora, o sistema ficará com professores excedentários. Mas o Plano define também um novo papel para eles, até porque se pretende aumentar o tempo de permanência dos alunos na escola.

Assim, no documento é proposta “a reconversão (após formação) de uma parte do pessoal docente excedentário em tutores, com o objetivo de apoiarem os alunos com dificuldades de aprendizagem e comportamentos desviantes.”

Para melhorar a gestão pedagógica, Clara Marques, por seu turno, salienta a importância de pensar numa carreira de gestores escolares com formação. E também uma eventual eleição de cada gestor, promovendo-se a confiança dos professores no seu gestor.

Formação e estágio

Com mudança de funções, ou sem elas, um elemento fundamental na vida de um docente é a formação quer inicial quer contínua. Não há sistema de ensino de qualidade que não a contemple. Aliás, para o inspector-geral da Educação, a formação é algo que “decorre da própria carreira de docente porque é uma carreira que exige atualização frequente. Normalmente essa formação é indispensável”.

Caberá essencialmente ao Ministério da Educação desenvolver e fornecer oportunidades de formação contínua. Nem sempre essa área está activa.

Neste momento está a ser elaborado um plano “que prevê formação contínua e formação inicial e que está sendo preparado no quadro do novo financiamento do Banco Mundial”, recorda Julião Barros.

Entretanto, questionado sobre o elevado número de candidatos a docentes que falharam o concurso de recrutamento de professores no início deste ano lectivo, e se isso não coloca a nu algumas fragilidades no processo de formação desses candidatos, o inspector-geral refere: “esse é um assunto bastante controverso, mas não foi visto em toda a sua dimensão”. Isto porque têm-se assistido a cenários semelhantes em outros concursos para outras áreas. Concursos onde apenas cerca de 10% dos candidatos passam as provas de conhecimento. Ou as declarações [na abertura do Ano Judicial] da bastonária da ordem dos advogados levantou o véu sobre essas fragilidades formativas em relação às escolas de Direito”. Ou seja, o problema é “transversal” e mostra que é “preciso repensar” várias questões, nomeadamente a “qualificação das estruturas de formação”.

Não obstante a transversalidade, a preparação dos candidatos a professores é, incontornavelmente, uma questão que preocupa as autoridades da educação. E um dos aspectos que o Inspector-geral aponta como deficitários a esse nível é o estágio, que é “uma componente muito forte na formação”.

“Normalmente, nas nossas universidades os estágios começam já nos últimos anos, contrariamente a muitas universidades estrangeiras. Depois, mesmo no último ano, esse estágio é muito limitado em termos de horas”, aponta. Assim, , “é preciso haver um estágio mais rigoroso, muito mais cedo, com acompanhamento muito mais sistemático” e recorrendo também a “outros instrumentos para que de facto haja melhoria no processo de estágio”, analisa.

Professor do ano

O vencedor da 1ª edição do Leciona - Prémio Professor Cabo-verdiano vai ser conhecido, de entre cinco finalistas, numa gala a ter lugar no próximo dia 27, na Assembleia Nacional.

Os finalistas são professores do Ensino Básico obrigatório, oriundos das ilhas de Santo Antão, São Nicolau, Sal, Boa Vista e Santiago, que se destacaram na inovação e criatividade nas práticas pedagógicas nas suas escolas.

O prémio foi instituído pela ASPPEC e Museu da Educação (uma associação da sociedade civil, sem fins lucrativos que visa preservar e valorizar o património matéria e imaterial ligado à educação, em Cabo Verde) e conta com o alto patrocínio da Presidência da República e do Ministério da Educação.

A anteceder a gala, no dia 26, vai realizar-se na Biblioteca Nacional a conferência “O Professor”, proferida pelo ex-ministro da Educação, Victor Borges, e pelo ex-reitor da Piaget e ex-presidente do Instituto Superior de Educação, Jorge Brito. Após a conferência será lançado o livro “Vamos brincar”, da autoria de Clara Marques, resultado de uma recolha sobre jogos, histórias e cantigas de roda.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 908 de 24 de Abril de 2019.

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Autoria:Sara Almeida, Sara Almeida,27 abr 2019 9:25

Editado porAntónio Monteiro  em  28 abr 2019 2:45

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