PGR avança com acusações contra agentes do IMP

PorExpresso das Ilhas,4 mai 2019 9:14

Afinal, pode haver sim (outros) “culpados” no caso do naufrágio do Navio Vicente, ocorrido em 2015 e no qual 15 pessoas perderam a vida. O Procurador-Geral da República ordenou a abertura de uma nova instrução criminal, por indícios de prática de crime de corrupção. Recolhidas as provas, quatro pessoas individuais, nomeadamente agentes da então Agência Marítima Portuária (AMP), bem como a Sociedade Anónima proprietária do navio, deverão ir agora a julgamento.

Havia indícios de “várias irregularidades e ilegalidades alegadamente praticadas”, contextualiza o Ministério Público, em Comunicado. Estas teriam ocorrido, designadamente, “no processo de registo do mencionado navio, de inspeção inicial, de emissão de certificado de navegabilidade e de vistorias subsequentes”. Foi com base nesses indícios de corrupção que o PGR ordenou uma nova instrução, ora encerrada, “contra agentes do Instituto Marítimo e Portuário, na sequência do afundamento do navio “Vicente””. Realizadas todas as diligências de prova, o MP encerrou a instrução, deduzindo acusações. A julgamento devem ir, agora, “o então Presidente do Conselho de Administração do IMP”, sob acusação “da coautoria material e concurso real, de quinze crimes de homicídio negligente, um crime de falsificação de documento e um crime de corrupção passiva”. Dois Inspectores da antiga AMP, actual Instituto Marítimo e Portuário (IMP), “que também exerceram, em períodos distintos, as funções de Director dos Serviços de Inspecção e Registos Convencional de Navios”. Estes agentes são acusados da prática, “em coautoria material e concurso real, de quinze crimes de homicídio negligente, um crime de falsificação de documento e um crime de corrupção passiva”. A quarta pessoa singular no rol das acusações é o “ inspector e então Director dos Serviços da Marinha Mercante e Portos” a quem é “imputada a prática, em coautoria material, de quinze crimes de homicídio negligente”. Também à Sociedade Anónima proprietária do navio “Vicente” foi imputada a prática de um crime de corrupção activa. Todos os crimes imputados estão previstos e são punidos sob a égide do Código Penal. No comunicado, onde nenhum nome é citado directamente, a Procuradoria refere ainda o arquivamento dos autos por extinção da responsabilidade criminal, relativamente ao armador do Navio, uma vez que este faleceu no decorrer da instrução. Lembrando “Vicente” Este é mais um desenvolvimento no caso do naufrágio do Vicente, navio que se afundou a 8 de Janeiro de 2015, a quatro milhas do porto de Vale de Cavaleiros, ilha do Fogo. Zarpara de São Vicente, três dias antes, e fizera escala no Porto de Palmeira, no Sal, onde foi multado por não ter reportado que saíra com avaria numa máquina. No percurso entre o Sal e a Praia, houve duas avarias. Chegado ao Porto da capital, procedeu-se a trabalhos de reparação. E, apesar dos percalços, seguiu. Mas seguiu “torto”. Quando partiu do Porto da Praia, o navio tinha um adorno de mais ou menos cinco graus e os embornais de saída de água do navio e as marcas de bordo livre submersos. Levava 280 toneladas de carga, contra as 203 toneladas fixados como limite máximo. À chegada a Vale dos Cavaleiros, o cais encontrava-se ocupado por um outro navio, o Ostrea, que estava prestes a zarpar. A mando do Comandante, iniciam-se as manobras que acabariam por levar ao afundamento do Vicente, por alegadamente não ter tido sido em conta o estado do vento e do mar, bem como o adornamento. O navio virou. A operação de buscas e salvamento foi coordenada pelo Capitão dos Portos de Barlavento com recurso a meios privados, uma vez que os meios da Guarda Costeira estavam em manutenção. Das 26 pessoas a bordo, 11 foram resgatadas com vida. O corpo de uma das vítimas foi recuperado. Catorze corpos nunca foram encontrados. Depois da tragédia realizaram-se inquéritos, investigações. Relatórios disponibilizados no site da (então) AMP apontavam que o factor determinante fora a falha humana. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre Segurança Marítima, criada na sequência da tragédia, concluía que o mau tempo, a deficiente gestão do tráfego e o erro do comandante, tinham sido as principais causas do naufrágio. Ninguém era directamente responsabilizado, no relatório que segundo Eunice Silva (então deputada do MpD), que presidiu à CPI, este documento era “o possível”, tendo em conta as visões diferentes das bancadas (PAICV e MpD) sobre o acidente. Por esse motivo, no relatório não há referências a quem é o verdadeiro responsável. Noticiava-se então que “o MpD quis, o PAICV não, defendendo que estas devem ser apuradas pelas autoridades judiciais”. O relatório da CPI dava conta que à saída do Porto da Praia, houve uma discussão , envolvendo o Comandante, o Imediato e os demais tripulantes. Em causa, nomeadamente, o acima referido adorno e o excesso de carga. O agente a bordo contactou o Armador, pondo-o ao corrente do facto, tendo este respondido que nada podia fazer porque a responsabilidade era do Comandante. Conforme revelado nesse documento, o adorno do navio foi comunicado minutos depois da saída aos responsáveis da AMP, através de um email enviado pelo Inspector João Emanuel Brazão Barbosa, com o seguinte conteúdo: “Desde manhã estive acompanhando a estiva do Ro-Ro Vicente no Porto da Praia. O navio zarpou do Porto da Praia pelas 12:25 horas, do dia 08/01/2015, destino para Fogo, com um adorno de mais ou menos 5.º para estibordo, sem a possibilidade de o endireitar pois, os tanques de lastro não o permitiam. É de realçar que a partir de agora fiscalizações permanentes devem ser efectuadas a fim de evitar acidentes marítimos”. Entretanto, no processo-crime instaurado na sequência do afundamento do Vicente, e conhecido em Agosto de 2016, há também um incriminado exclusivo: o capitão do navio, falecido no naufrágio. As instituições passaram intactas pelas averiguações, como referia o Expresso das ilhas em notícia de então. Agora, com o encerramento da nova instrução, e a dedução de acusações, o caso do Navio Vicente conhece, pois, uma nova etapa. Desta feita com caras (embora ainda não inteiramente reveladas e que até ao fecho de edição não nos foi possível por a descoberto) e instituições envolvidas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 909 de 01 de Maio de 2019.

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Autoria:Expresso das Ilhas,4 mai 2019 9:14

Editado porSara Almeida  em  5 mai 2019 7:50

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