Numa altura em que ainda não se sabe qual a dimensão que a COVID-19 irá atingir no país, Humberto Lélis diz que o importantante neste momento é que as autoridades consigam conter a evolução do novo coronavírus, sob pena de falharmos enquanto nação, desbaratando ganhos de sucessivas gerações e nos mais variados domínios da nossa vida.
Para o Secretário-geral da Câmara do Turismo esta tarefa é porém dificultada pela nossa cultura que nos torna com frequência avessos ao cumprimento de normas. “Aliás a resistência em acatar as recomendações das autoridades sanitárias é prova disto e muito provavelmente são estas razões que estarão a contribuir para que o vírus ganhasse terreno nos últimos dias”, aponta, acrescentando, entretanto, que o país está unido e mobilizado para a grande luta do combate ao Covid-19.
Em relação à sua ilha, diz que a população salense tem sido exemplar no cumprimento das medidas de distanciamento social e de confinamento domiciliar.
“Por aquilo que observo, mais de 90 por cento estará cumprindo o dever de recolhimento domiciliar e as forças de protecção e ordem pública no Sal têm tido um papel pedagógico estimável. O ambiente que se vive nos remete a outros tempos, trinta a cinquenta anos atrás, o tempo dos nossos pais ou avós em que tudo se fazia com algum comedimento, em que havia respeito”.
Questionado quando às perspectivas da retoma do turismo no Sal, Humberto Lélis diz não ter dúvidas que ela ocorrerá, mas isso dependerá da nossa capacidade de conter o alastramento da doença a curto prazo. Há uma outra parte, no seu entender, que tem a ver com as nefastas consequências da crise económica nos mercados emissores, expondo sobretudo as fragilidades da classe média baixa europeia que representa a esmagadora maioria dos fluxos de visitantes para Cabo Verde. “Ora, nos perfilamos, desde sempre, como um destino turístico orientado para o segmento de rendimento médio baixo europeu, ou seja, o país, a querer relançar o turismo com resultados no imediato, terá, desde logo, de colocar sobre a mesa medidas de qualificação da oferta turística, a não ser que queiramos fazer uma longa travessia pelo deserto”, concluiu.
Já José Pedro Oliveira afirmou ao Expresso das Ilhas que inicialmente acreditou que a situação estava controlada pelas autoridades, mas a certa altura com a confirmação de dezenas de casos positivos, teve receio que as coisas pudessem descambar. “No cômputo geral das ilhas, temos razões de regozijo, até o presente. Oremos para que a situação de Santiago seja rapidamente controlada de modo a continuarmos acreditando num final feliz. Este desafio exige muita solidariedade e muito rigor da parte de todos”, ressalta o empresário.
Em relação à sua ilha, o empresário diz que os santatonenses têm respeitado as medidas decretadas pelo estado de emergência. “Constato que os santantonenses têm respeitado as restrições das liberdades e, visivelmente, com muita elevação e sentido de responsabilidade. As estradas têm estado praticamente vazias, assim como os centros urbanos onde se concentram alguns dos serviços essenciais.
O confinamento familiar mexeu com a rotina do empresário da Ilha das Montanhas, tornando-o mais consciente da nossa condição humana. “Tenho refletido tanto sobre a vida da humanidade que ainda a ousadia não deu para pensar a retoma da normalidade, nem no tempo nem na forma. Chega-me, insistentemente, uma apreensiva pergunta: disto tudo, restará algum ensinamento para o homem e, desta vez, terá ele a humildade para o assimilar?”, questiona, acrescentando que tem muita fé no futuro de Cabo Verde, desejando “novas filosofias para novos caminhos para a espécie humana”.
António Pedro Silva
Quem se mostra céptico quanto à evolução da COVID-19 em Cabo Verde é o ex-presidente da ADECO, António Pedro Silva. “Tenho enormes dúvidas e penso que a situação poderá complicar. Isto por falta ou frágil liderança do processo em Cabo Verde. Eu penso que a equipa que está a liderar o processo de combate à COVID-19 para mim perdeu confiança, tem muito pouca confiança. E confiança é fundamental numa liderança”.
António Pedro Silva diz que gostaria de colaborar como cidadão, mas essa equipa não lhe inspira confiança. Não há transparência no processo. Por exemplo, eu não conheço o que se passa realmente em Cabo Verde. E tenho a impressão que nem a própria equipa conhece o que se passa em Cabo Verde. Foge às perguntas objectivas que os jornalistas colocam sobre assuntos bem concretos.Penso que até falta alguma inteligência à equipa. Porque não envolvem a sociedade civil de forma crítica?”, questiona.
“Estamos num micro-país, não só em dimensão territorial. É um micro-país principalmente em competências, ou seja, em termos de utilizar a inteligência de forma criativa. Não são pessoas inferiores, mas efectivamente há uma fraca competência neste país”, atira.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 960 de 22 de Abril de 2020.