"A pandemia de covid-19 vai afectar severamente a economia de Cabo Verde devido à predominância do turismo, que vale 23% do PIB, apesar de haver poucos casos no arquipélago; prevemos que o PIB caia 14% este ano e que o turismo só recupere, e ligeiramente, em 2021", diz a Fitch Ratings num relatório sobre a evolução das economias da África subsaariana nos últimos meses, no qual prevê que Cabo Verde cresça 8,5% para o ano.
De acordo com o relatório, enviado aos investidores e a que a Lusa teve acesso, a dívida pública do arquipélago deverá aumentar bruscamente para 157,1% em 2020, bem acima da média de 52% dos países soberanos a que a agência de notação financeira dá o rating de B, devendo ainda descer para 150% no ano seguinte.
"Esperamos que o financiamento da dívida venha dos parceiros multilaterais e bilaterais, com o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial a darem 37,3 milhões de dólares [32,7 milhões de euros] em Abril", acrescentam os analistas, notando que a dívida sobe "devido às medidas de estímulo do Governo e à forte contração nominal do PIB" e que, por isso, "será mais caro servir a dívida e haverá riscos de refinanciamento".
A dívida externa, ainda que elevada, "é mitigada por termos favoráveis, como a maturidade média nos 30,5 anos, taxas de juro baixas e com o apoio da indexação do escudo ao euro".
Para além disso, Cabo Verde "tem um desempenho melhor que a média dos países com rating de B e BB nos indicadores de governação, reflectindo instituições fortes e transições políticas pacíficas", a que se junta "uma forte estabilidade política e de governação que ajuda a atrair financiamento concessional", isto é, abaixo das taxas de juro praticadas na banca comercial.
Cabo Verde registou, até ao momento, quase 700 casos de infecção e seis mortos devido ao novo coronavírus.
A assunção do problema da dívida pública como uma questão central para os governos africanos ficou bem espelhada na preocupação que o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial dedicaram a esta questão durante os Encontros Anuais, que decorrem em Abril em Washington, nos quais disponibilizaram fundos e acordaram uma moratória no pagamento das dívidas dos países mais vulneráveis a estas instituições.
A 15 de Abril, também o G20, o grupo das 20 nações mais industrializadas, acertou uma suspensão de 20 mil milhões de dólares, cerca de 18,2 milhões de euros, em dívida bilateral para os países mais pobres, muitos dos quais africanos, até final do ano, desafiando os credores privados a juntarem-se à iniciativa.
Além disso, a Comissão Económica das Nações Unidas para África (UNECA), entre outras instituições, está a desenhar um plano que visa trocar a dívida soberana dos países por novos títulos concessionais que possam evitar que as verbas necessárias para combater a covid-19 sejam usadas para pagar aos credores.
Este mecanismo financeiro seria garantido por um banco multilateral com 'rating' de triplo A, o mais elevado, ou por um banco central, que converteria a dívida atual em títulos com maturidade mais alargada, beneficiando de cinco anos de isenção de pagamentos e cupões (pagamentos de juros) mais baixos, segundo a UNECA.
Os credores privados também já avançaram com um plano que permite diferir os pagamentos da dívida sem influenciar os ratings atribuídos pelas agências de notação financeira, mas o receio de que a falta de pagamento possa cortar o acesso aos mercados internacionais tem levado a que sejam poucos os países a anunciar uma reestruturação da dívida a credores privados.