Jorge Carlos Fonseca: “A pandemia deixou mais patente as assimetrias regionais e as desigualdades sociais”

PorExpresso das Ilhas,5 jul 2020 13:10

“Considero muito pertinente a importância concedida ao sector saúde no âmbito do orçamento rectificativo"
“Considero muito pertinente a importância concedida ao sector saúde no âmbito do orçamento rectificativo"

O momento de pandemia que o país e o mundo atravessam, os problemas sociais resultantes, as questões da habitação e da educação e avisos sobre o populismo, os temas principais do discurso do Presidente da República na cerimónia que assinalou os 45 anos da Independência de Cabo Verde

A “tragédia” para a qual o mundo não estava preparado só pode ter uma resposta global para resolver um problema global. A solução apontada pelo Presidente da República de Cabo Verde deu o mote para o discurso de encerramento da cerimónia solene, na Assembleia Nacional, que assinalou os 45 anos da Independência de Cabo Verde.

Como reforçou o Chefe de Estado, o esforço que o país tem de fazer é garantir que não haja uma quebra demasiado acentuada de rendimentos. “Para isso, tem que procurar assegurar o apoio aos mais vulneráveis, aos trabalhadores, aos profissionais independentes, mas também às empresas. É de longe preferível manter-se o rendimento através da garantia de postos de trabalho a garanti-lo através de qualquer outro tipo de apoio de cariz assistencialista, compreensível nas situações de incapacidade para o trabalho”

A habitação foi também um dos temas do discurso de Jorge Carlos Fonseca, de todos os dramas, como referiu, o que o toca particularmente. “Todos nós reconhecemos a importância de uma consistente política de habitação que possa concretizar o direito constitucional a uma habitação condigna. Isso implica um adequado ordenamento de território, planos de urbanização, disponibilização de terrenos infra-estruturados e linhas de apoio, para além de programas de habitação social promovidos pelo Governo e pelos Municípios. Mas isso não dispensa e nem desresponsabiliza os cidadãos. A habitação, a saúde, a educação, o emprego, um bom ambiente, não são apenas problemas do Estado, dos Municípios e dos outros. São também responsabilidade das próprias pessoas interessadas, em maior ou menor grau. Não podemos escolher sempre o caminho mais fácil e passar a responsabilidade para os outros”, disse o Presidente da República.

Por outro lado, o Chefe de Estado deixou o aviso que nunca se pode perder de vista a essência do problema, a deslocação intensa de pessoas das zonas rurais para os tais grandes centros urbanos, à procura de melhores condições de vida.

“Levar os empreendimentos económicos às zonas mais desfavorecidas deve ser uma prioridade, concedendo-se maiores benefícios fiscais e outras facilidades às empresas instaladas nessas áreas, fazendo uma discriminação positiva e dando-lhes, deste modo, vantagens competitivas no contexto nacional. Mas o Estado também deve dar exemplos de comprometimento nesta matéria, fazendo deslocar certos serviços administrativos para regiões periféricas, concentrando ali pessoas com capacidade de compra, meios e recursos. Essas medidas podem gerar processos mais dinâmicos de desenvolvimento, pois que alavancam outros sectores de actividades”, sublinhou o Chefe de Estado.

Os profissionais de saúde não foram esquecidos, com Jorge Carlos Fonseca a deixar-lhes palavras de agradecimento pelo desempenho na luta contra a pandemia. O Presidente da República comentou também o orçamento rectificativo que tem, exactamente, como prioridade o sector da saúde.

“Considero muito pertinente a importância concedida ao sector saúde, nomeadamente, no âmbito do orçamento rectificativo. As potencialidades do sistema nacional de saúde têm sido postas em evidência neste período de crise, com os seus profissionais a darem mostras de uma entrega e abnegação que vão muito além das obrigações estritamente profissionais, contribuindo, ao lado de outros parceiros, como o Serviço de Protecção Civil, o Corpo de Bombeiros, a Policia Nacional e as Forças Armadas, para uma adequado luta , em Cabo Verde, contra a epidemia do Covid19 que angustia toda a humanidade”, referiu Jorge Carlos Fonseca.

Mas o Chefe de Estado disse também que, para além dos reforços planeados para o sector, seria importante reflectir sobre o sistema como um todo, “tendo em consideração as assimetrias regionais existentes e a natureza arquipelágica do país, que condicionam o acesso de boa parte da população a serviços de saúde de qualidade”.

A educação, uma das áreas mais afectadas pela epidemia, esteve também em destaque no discurso de Jorge Carlos Fonseca. Apesar de o mais alto magistrado da nação reconhecer que é um dos maiores ganhos de Cabo Verde independente, não deixou de apontar que o desafio maior é aprofundar o debate sobre o papel que a educação deve e pode ter no processo de desenvolvimento nacional.

“O nível que hoje alcançamos deve-se à aposta feita na educação, mas temos um grande desafio que é ganhar a batalha da qualidade, da excelência. Esse objectivo deve ser prosseguido sem quaisquer complexos e com determinação, apostando-se no melhor, melhor escola, melhores professores, melhores alunos, em Cabo Verde com certeza, mas no estrangeiro também. Devemos ter a ousadia de executar políticas ambiciosas que assegurem a formação de quadros altamente qualificados e competitivos a nível internacional, nas áreas de ponta como as novas tecnologias, engenharias, indústria da saúde, entre outras. Se necessário, devemos romper com certos corporativismos e assegurar uma educação que promova o rigor, a qualidade técnica, científica, pedagógica, a competição”, sublinhou o Presidente da República.

Tempo ainda para um aviso sobre os populismos, que tendem a aparecer em momentos de maior dificuldade. “Todos estamos conscientes de que quando as condições de vida não são as mais adequadas, quando a sobrevivência de muita gente conhece limitações significativas devido ao desemprego ou a precariedade do emprego, provocando insegurança e medo, poderá existir alguma tendência para negligenciar os princípios e exigências democráticos em beneficio do que se considera objectividade e pragmatismo. Mas é necessário precavermo-nos contra certas facilitismos criados por momentos especiais de alguma tensão social, que podem criar um autêntico caldo de cultura para tentações populistas em voga em muitas paragens e que, de quando em vez, procuram, ainda com algum pudor, dar um ar da sua graça entre nós”.

Mas apesar da realidade nacional e mundial ter sofrido mudanças, possivelmente irreversíveis, nas esferas económica, sanitária, de relacionamento social e político e do trabalho, Jorge Carlos Fonseca deixou uma nota final de confiança nas capacidades nacionais, “residentes ou não no país, de criar o futuro ou pontes com o futuro nas mais diferentes áreas, sem medos, sem complexos, de forma temerária”.

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Autoria:Expresso das Ilhas,5 jul 2020 13:10

Editado porJorge Montezinho  em  6 jul 2020 10:45

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