A informação consta do despacho de encerramento de instrução, que o Departamento Central de Acção Penal levou mais de quatro anos e que conta com 67 páginas, confirmada igualmente por um comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR), na sequência de denúncias, em 2015, “dando conta de alegadas ilegalidades cometidas no âmbito da gestão de verbas do Fundo Nacional do Ambiente”.
Trata-se de um dos mais polémicos processos judiciais em Cabo Verde nos últimos anos, visando desde logo dirigentes afectos ao Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), o que motivou várias acusações públicas por parte de dirigentes do Movimento para a Democracia (MpD).
Em causa, segundo a PGR, estavam indícios de crimes de abuso de poder e corrupção na atribuição de verbas daquele fundo a favor de associações e câmaras afetcas ao PAICV (até 2016 no poder). A PGR acabou por abrir uma investigação, tendo sido constituídos arguidos, entre outros, o então ministro do Ambiente, Antero Veiga, e o director-geral do Ambiente à época, Moisés Borges.
“Dos autos não restam dúvidas de como os arguidos Moisés Borges e Tatiana Neves [funcionária do ministério] – e bem assim o então ministro do Ambiente, Habitação e Ordenamento do Território – terão praticado atos contrários aos deveres do cargo, enquanto gestores da coisa pública, actos contrários aos princípios orientadores da actividade financeira pública, em violação clara, por exemplo, do princípio da legalidade”, acrescenta o despacho.
Contudo, refere ainda, “à exceção de uma única situação”, relativamente a Moisés Borges - que “será alvo do competente despacho de acusação”, depois de detectado “movimento de quantias significativas” na sua conta - “não foi possível recolher qualquer elemento de prova no sentido de que essa violação dos deveres do cargo tenha ocorrido visando obter, para os mesmos ou para terceiros, dinheiro ou qualquer outra dádiva”.
Sobre a conduta do então ministro do Ambiente, o despacho reconhece que alguns dos factos imputados também já prescreveram, por terem ocorrido há mais de cinco anos.
“Dúvidas não restam de como, de 2012 a 2015, câmaras Municipais do PAICV foram as maiores beneficiárias de financiamento do Fundo do Ambiente”, lê-se no despacho, que acrescenta que “o mesmo se verifica relativamente a associações lideradas por pessoas singulares ligadas ao PAICV”.
Porém, o MP iliba a responsabilidade política do então ministro Antero Veiga: “No entanto, e a bem de verdade, diga-se que os financiamentos são concedidos mediante pedidos ou apresentação de projectos, e no caso dos autos não se conseguiu recolher prova de como pedidos de outras associações ou câmaras municipais foram recusados ou preteridos e em que circunstâncias”.
No comunicado, a PGR refere que foram realizadas “todas as diligências de investigação possíveis”, nomeadamente o recurso à “quebra de sigilo bancário de inúmeras contas, de sigilo de telecomunicações e fiscais em relação a vários contactos e a várias pessoas singulares e coletivas”, bem como “buscas domiciliárias, investigações patrimoniais e financeiras, perícias e audição de mais de centena e meia de intervenientes processuais”.
Acabou por ser proferido, este mês, despacho de encerramento de instrução, que segundo a PGR “comporta uma parte relativa ao arquivamento de alguns factos e uma outra parte acusando e requerendo o julgamento para efeito de efectivação de responsabilidade criminal de dois dos arguidos” – casos do antigo director-geral do Ambiente e de uma trabalhadora do Ministério – “por estarem fortemente indiciados da prática de ilícitos criminais”.
Segundo a PGR, ao antigo director-geral do Ambiente é imputada a prática de um crime de corrupção passiva e à funcionária do Ministério do Ambiente um crime de corrupção activa.
Conforme admite o despacho de encerramento de instrução, o processo de recolha dos elementos de prova “revelou-se especialmente complexo e moroso, atendendo não só ao volume da informação em causa, à sua deficiente organização e arquivamento na DNA [Direção Nacional do Ambiente]”, ou ainda pela “falta de centralização de informações comerciais ao nível dos Registos e à dispersão territorial das pessoas colectivas envolvidas”.
“O ambiente pré e pós-eleitoral em que se vivia [re corde-se que o MpD assumiu o poder nas eleições legislativas de 2016] com mudança de Governo e reestruturação dos ministérios” com consequências nos arquivos, contribuíram igualmente para esta morosidade.
Ainda assim, a Procuradoria recorda que os elementos de prova deram origem a autos com 13 volumes, 3.000 páginas, dois apensos e 39 anexos, estes compostos por mais de 90 pastas, em que “foram identificadas inúmeras ilegalidades e irregularidades no âmbito da gestão das verbas do Fundo do Ambiente”.
É ainda explicado pela PGR que estes autos “tiveram por finalidade apurar se tais ilegalidades e irregularidades” teriam sido verificadas “para além de factos susceptíveis de responsabilização política e/ou financeira/orçamental, a serem efectivadas pelas entidades constitucionalmente competentes para tal, também suscetíveis de responsabilização criminal dos seus autores”.
Sobre o antigo ministro do Ambiente, a PGR esclarece que foram analisados os tipos penais de violação de regras e princípios de contrato de direito público e de abuso de poder, “tendo sido ordenado, nesta parte, o arquivamento dos autos”, quanto ao primeiro crime, pela não verificação de todos os elementos do tipo. “E quanto ao segundo, em parte pela não verificação de todos os elementos do tipo e, em parte pela ocorrência da prescrição do procedimento criminal”, acrescenta.