CVA 2030 : Uma agenda para responder a um desafio triplo

PorJorge Montezinho,3 out 2020 7:59

Vinte e nove compromissos e vários eixos de desenvolvimento, estratégias, pilares, mas também desafios. Este é o corolário de um longo processo de estudos, consultas, partilha de conhecimentos, debates e pronunciamentos, que ao longo dos meses, pós início da pandemia, tiveram o seu efeito prático em 16 fóruns, que foram a origem desta agenda que vai conduzir Cabo Verde na próxima década.

Controlar a pandemia, recuperar Cabo Verde e cuidar do futuro, estes são os três desafios que o país enfrenta, como enumerou o Ministro das Finanças, Olavo Correia, na segunda-feira, primeiro dia da sessão de encerramento do Fórum Cabo Verde Ambição 2030, que se prolongou até terça-feira.

Em termos gerais, a Agenda Estratégica de Desenvolvimento Sustentável de Cabo Verde tem por base a ambição de que, em 2030, Cabo Verde será uma democracia consolidada e moderna, inclusiva, uma nação azul, digitalizada, emergente e resiliente, uma economia de circulação localizada no Atlântico Médio com pleno emprego e prosperidade compartilhada, um país necessário ao mundo e referência de orgulho para todos, como é resumido na declaração de compromisso.

Cabo Verde, como reconhece o próprio Banco Mundial, é um dos países que teve o maior impacto por causa da pandemia, um choque que vai causar a maior contração económica de sempre no país e já começa a ser possível observar a magnitude dos efeitos da Covid-19 no país.

A previsão de crescimento da economia nacional em 2020 rondava os 5,5% antes da crise. No entanto, a pandemia provocou uma forte queda na actividade turística e um efeito de contágio nos demais sectores. Dada a significativa vulnerabilidade da economia cabo-verdiana à pandemia, o consumo e o investimento foram fortemente afectados, assim como o mercado do trabalho que regista uma perda de cerca de 19,8 mil empregos. Há ainda a inversão económica, com uma contração do PIB estimada em cerca 6,8% em 2020, podendo alcançar 8,5%, num cenário mais adverso.

A nível dos sectores, a eletricidade e água, as indústrias transformadoras e o comércio desaceleraram, sendo reflexos da diminuição da actividade do sector do turismo. O número de turistas deve cair aproximadamente 59%, mas num cenário mais pessimista, em que as fronteiras continuam fechadas, a redução do número de turista pode chegar a 70%.

As exportações de bens e serviços tiveram uma redução substancial (-43,8%), particularmente de serviços de turismo e transportes aéreos. O défice da balança financeira vai aumentar, em resultado da redução do IDE e do aumento do endividamento externo. Em relação à dívida, o gap de financiamento do orçamento aumentou, em função da redução das receitas fiscais e não fiscais e dos gastos adicionais para fazer face à pandemia.

A pandemia irá igualmente interromper a consolidação fiscal e a redução da dívida pública em 2020. O défice fiscal aumentará substancialmente para absorver o choque, mas a médio prazo espera-se que retome a tendência decrescente. O défice público, que vinha apresentando uma tendência de consolidação desde 2016 e que estava previsto atingir 1,7% do PIB em 2020, deverá atingir cerca de 11,4% do PIB, reduzindo para cerca de 9,7% do PIB em 2021. Este aumento do défice deve-se à perda de receitas fiscais (-19,2% em comparação com 2019, incluindo encontro de contas), e um grande aumento das despesas (+22,5% em comparação com 2019) tendo em conta os compromissos já assumidos e as respostas à pandemia.

Como resultado, prevê-se que o stock da dívida pública aumente de 124,2% do PIB em 2019 para 145,8% do PIB em 2020. Estima-se também que o défice de financiamento gerado pela crise seja de 11,4% do PIB e espera-se que seja financiado por um aumento da dívida interna, subvenções, e financiamentos concessionais.

Mas nem tudo se resume ao impacto económico, há ainda o impacto social, onde as vulnerabilidades sociais existentes podem ser ampliadas, e onde o choque será de longo alcance nos resultados do mercado de trabalho e na vida em geral e a paralisação das actividades económicas formais e informais, assim como a paragem nas actividades de formação profissional pode provocar consequências ainda piores.

Além da pobreza monetária, espera-se ainda que a pobreza multidimensional e as vulnerabilidades individuais e de certos grupos aumentem. No fundo, espera-se um aumento da pobreza e das desigualdades multidimensionais.

Este contexto é o ponto de partida da Agenda 2030, “a maior crise que qualquer um de nós teve de enfrentar, num quadro ainda repleto de incertezas”, como disse o Ministro das Finanças, Olavo Correia.

Os próximos dez anos

Recuperação, estabilização e aceleração do crescimento económico, é a frase chave. Econstruir um futuro mais robusto, com menos desigualdades, mais próspero, mais coeso e mais sustentável, são os objectivos. “Os desafios”, explicou Olavo Correia, “não se esgotam na urgência da saúde pública, nem na urgência de proteger rendimentos, empregos e empresas. Temos de ser mais exigentes, olhando no médio e no longo prazo. A recuperação não pode significar regressar onde estávamos em Fevereiro deste ano, ou no início de 2020, a recuperação tem de nos permitir acelerar o futuro, temos de sair desta crise mais fortes enquanto país, com serviços públicos mais eficientes, com empresas mais capitalizadas e produtivas, com o sector privado mais forte, com emprego mais qualificado, inclusivo e disponível para todos e com melhores salários”, completou o Ministro das Finanças a mensagem interna.

E se Olavo falou para dentro do país, o Primeiro-Ministro tratou da mensagem externa. Para Cabo Verde conseguir cumprir os objectivos de desenvolvimento, sublinhou Ulisses Correia e Silva, “é necessário montar e operacionalizar soluções consistentes e previsíveis de financiamento de recuperação e relançamento das economias, entre os quais o alívio e o perdão da dívida externa. Esta é uma necessidade de curto prazo, com impacto no médio e longo prazo. E neste sentido, os recursos libertos pelo serviço da dívida pública podem ser utilizados para financiar os programas transformadores estruturais”.

Como outros Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (PEID), Cabo Verde enfrenta restrições estruturais: o alto custo per capita dos serviços, o elevado custo da energia, a escassez de água, a dispersão territorial, a conectividade limitada, o mercado doméstico e a base fiscal limitados, um tecido industrial fraco e um panorama de financiamento limitado, vulnerabilidades às mudanças climáticas e aos desastres naturais e choques económicos externos.

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Por isso, o exercício Cabo Verde: Ambição 2030 dá esta especial atenção aos desafios que determinam a continuação do percurso para o desenvolvimento sustentável, como a inserção dinâmica de Cabo Verde no sistema económico mundial, o turismo sustentável, a diversificação da economia, a descentralização, o desenvolvimento regional e a convergência, a economia digital, a economia azul, o emprego jovem, o desenvolvimento do capital humano e as novas parcerias para o desenvolvimento sustentável.

Os tempos mais próximos

A médio prazo, diz a Agenda 2030, é fundamental aprofundar o investimento na diversificação da economia, com o avanço da economia azul, economia verde e economia digital, bem como do sector turístico, para aumentar a sua resiliência a choques potenciais e actuando como pivô para as demais cadeias de valores, principalmente porque permite economias de escala. Isto inclui aumentar a participação doméstica no sector e expandir o seu alcance para além das duas ilhas de Sal e Boa Vista.

Igualmente, será importante melhorar a capacidade de atrair e orientar o IDE [Investimento Directo Estrangeiro] turístico, com mais promotores em segmentos diferentes, mas para isso é necessário concluir os Planos de Ordenamento Territoriais (POT’s ) e os Planos de Ordenamento da Orlas Costeiras (POOC’s) em todas as ilhas, regulamentando o uso sustentável das diferentes ZDTI’s e de outras zonas com elevado potencial turístico.

Mas há outro IDE que pode ser atraído, como refere ao Expresso das Ilhas Victor Fidalgo, economista e um dos oradores no fórum de encerramento. Para o consultor internacional, Cabo Verde tem de se tornar um país “necessário”, se quiser outro tipo de investimento vindo de fora, e deve criar argumentos económicos pela via político-diplomática, militar e securitária, apoiando-se na sua posição geoestratégica e onde a componente económica “será um corolário desses interesses”.

Tudo isto, sublinha o economista, exige uma nova diplomacia com diplomatas imbuídos da nova missão. “Temos de romper com certos tabus, sob pena de Cabo Verde ficar apenas dependente do Apoio Público ao Desenvolvimento [doações] e de um baixo nível de IDE, orientado apenas para o turismo e a pesca e, portanto, condenado a ser apenas um país em vias de desenvolvimento. Será esse o maior desafio da nossa diplomacia, desafio, acima de tudo político, antes de ser económico”.

O futuro de Cabo Verde, pelo menos na próxima década, passará, como resumiu o Primeiro-Ministro, Ulisses Correia e Silva, “pela recuperação, estabilização e aceleração do crescimento económico, indispensáveis para a retoma do caminho do desenvolvimento sustentável. Pelo desenvolvimento do capital humano, sistema educativo, formação, estabilidade social e segurança como superestruturas. Pela promoção de transformações estruturais, a partir da economia verde, da economia azul e da economia digital, para tornar o turismo sustentável, diversificar a economia, aumentar a eficiência e a produtividade do país. Pela garantia de saúde para todos. Pelo emprego e trabalho digno dirigido aos jovens. Pela igualdade de género. Estas são as grandes bases do compromisso que devemos perseguir com convicção”. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 983 de 30 de Setembro de 2020.

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Autoria:Jorge Montezinho,3 out 2020 7:59

Editado porAntónio Monteiro  em  5 out 2020 12:08

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