Até sexta-feira, São Vicente recebe a terceira edição da Cabo Verde Ocean Week (CVOW). Lançado em 2018, o evento afirmou-se como um espaço de debate em torno do oceano e da estratégia do governo para a economia marítima. É também um ponto de encontro de diferentes protagonistas. O que pensam eles sobre a iniciativa e as políticas para o sector marítimo?
Ambiente
Desde logo, falar de economia marítima é falar de salvaguarda do ambiente e de sustentabilidade. Para Tommy Melo, presidente da associação Biosfera, falta colocar em prática aquilo que tem sido discutido nas sucessivas edições da CVOW.
“Saímos muito enriquecidos, mas existe uma falha, nessa parte, em colocar em marcha as ideias que foram absorvidas durante as sessões de trabalho”, sublinha.
“É preciso sair do papel para a prática, criar novos modelos de co-gestão, efectivar parcerias público-privadas, andar para a frente. Penso que em Cabo Verde já existe um know-how capaz de movimentar as coisas. É preciso ter um bocadinho mais de vontade, de dar o pontapé de saída”, ambiciona.
A conservação da biodiversidade é fundamental em qualquer estratégia que procure um aproveitamento sustentável dos recursos marinhos. Nesta área, para o ambientalista, é essencial levar a sério as áreas marinhas protegidas.
“Implementar os planos de gestão, muitos deles já estão escritos. Aquelas [áreas protegidas] que ainda não possuem um plano de gestão, rapidamente conseguir concretizá-lo, porque já temos pessoas capazes de fazer isso em Cabo Verde, e principalmente a parte de fiscalização, que tem de ser entregue às autoridades”, complementa.
Ensino e investigação
Na linha do presidente da Biosfera, Corrine Almeida também considera que é tempo de passar da teoria à prática.
“Ao longo dos anos, o que eu tenho notado, de facto, são bons discursos. Trabalho há 19 anos, realmente não tenho visto nenhum investimento a sério na nossa universidade, desde o tempo do ISECMAR, passando para a Universidade de Cabo Verde, agora na UTA, para que possamos ter condições de trabalhar”, lamenta.
“Questiona-se muito porque é que a universidade não faz investigação? O nosso trabalho é contabilizado como horas de aulas, é-nos imposto dar o maior número de horas de aulas possível e chega a um determinado momento que não tens tempo para investigação. A investigação precisa de tempo. Tem sido feito alguma coisa, mas é mais por muita paixão das pessoas, que vão conseguindo, através de meios próprios, não por uma questão institucionalizada, ter o mínimo de condições para dar seguimento a alguma investigação que existe”, concretiza.
Pescas
No sector das pescas, espera-se “uma atenção especial”. O vice-presidente, da Associação dos Armadores de Pesca, Susano Vicente, apela a um tratamento diferenciado, que considere as especificidades de uma actividade fundamental para o país. A velha questão do acesso ao crédito continua por resolver.
“Tem que haver financiamento com alguma urgência. É um sector que tem que ter um tratamento diferente da indústria, comércio e serviços. Tendo em conta os seus riscos e os investimentos, torna-se difícil ao banco financiar e as taxas de juros são elevadas”, detalha.
Sobre a CVOW, Susano Vicente considera tratar-se de “uma oportunidade anual” para debater os grandes temas da economia marítima, parte da atenção que o executivo tem dedicado às questões do mar.
“O governo tem dado grande atenção ao nível da legislação marítima. Este ano demos grande contribuição para o código marítimo e legislação de base pesqueira. São suportes para alavancar o sector”, exemplifica.
“No bom caminho”
Para Malik Lopes, presidente do Conselho Directo Instituto do Mar, “o sector marítimo está no bom caminho”. O responsável considera que já foram criadas todas as condições para o desenvolvimento da economia marítima.
“Foi criado o Observatório da Economia Azul, que ajudará à transição de Cabo Verde para a economia azul. A criação do Campus do Mar, que junta as valências do ensino superior, técnico-profissional e também de investigação aplicada. Estamos a caminho da criação da Zona Económica Especial da Economia Marítima. Tudo isto ajudará a clarificar e a mostrar às pessoas que o país está no caminho certo, da economia marítima e da economia azul sustentável”, acredita.
“Um grande desafio”
Na segunda-feira, durante a abertura da CVOW, o Primeiro-Ministro reafirmou o “grande desafio” que representa a concretização da agenda da economia marítima e azul.
“Ambicionamos, por isso, uma economia azul inclusiva e sustentável, enquanto importante acelerador do crescimento económico e catalisador de maior resiliência económica, mais emprego e mais bem-estar para as populações”, disse Ulisses Correia e Silva.
As sessões da Cabo Verde Ocean Week podem ser acompanhadas na página de Facebook e no canal de Youtube da iniciativa.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 990 de 18 de Novembro de 2020.