Antes da instalação da máquina de trituração foi feita uma avaliação para se saber a percentagem de lixo nas comunidades, em que áreas eram descartadas, assim como em quais das quatro comunidades existe maior quantidade de lixo, conforme explica ao Expresso das Ilhas Roberta Baduvini, responsável pela área social e de turismo da Associação Cabo-verdiana de Ecoturismo (ECOCV).
Depois dessa avaliação, conta, a ECOCV instalou em Rincão um Eco Centro, dotado de uma máquina para triturar o vidro, produzida em São Vicente pela Escola Profissional da ilha. A escolha de Rincão deve-se ao facto de na localidade ter sido identificado uma maior quantidade de vidro.
“Em Rincão foi evidenciado uma percentagem maior de vidro do que plástico ou outro tipo de material. Por isso, decidiu-se instalar uma máquina de trituração de lixo ali. E também porque naquela comunidade ainda está muito presente a apanha de areia. Espero que a máquina possa contribuir em todos os aspectos, no que diz respeito ao lixo nas ribeiras e na redução da apanha de areia”, acrescenta.
Roberta Baduvini esclarece ainda que o projecto em si não engloba apenas a reciclagem. Visa, prossegue, engajar membros vulneráveis, especialmente mulheres e jovens desempregados de comunidades costeiras, estabelecendo eco-redes nas comunidades, no sentido de melhorar a qualidade de vida das famílias, através do desenvolvimento de oportunidades de ecoturismo, estabelecer a primeira área marinha protegida de Santiago e a monitorização dos ecossistemas marinhos e costeiros.
Desenvolvimento das Comunidades
Tendo em conta que o projecto está previsto terminar em 2022, a ECOCV está a preparar uma equipa constituída por seis pessoas para dar continuidade ao trabalho.
Nesse sentido, a equipa recebe formação, enquanto a associação está sempre à procura de formas de sustentabilidade do projecto, de modo a criar condições e novas oportunidades de rendimento para as famílias mais carenciadas nessas quatro comunidades.
“Esperamos receber outros financiamentos que possam possibilitar a continuidade do projecto e implementar outros tipos de actividade”, enfatiza.
Assim, por enquanto, a equipa formada por três mulheres e três homens desempregados, trabalha de forma voluntária contando apenas com uma ajuda de custo.
Impactos
Conforme Roberta Baduvini, o impacto visual da reciclagem dos vidros ainda é pouco, pelo curto tempo da sua implementação. Mas, a ECOCV instalou, nessas comunidades, quatro contentores para a recolha de vidro.
“Em Cabo Verde, especialmente no meio rural, não existe o conceito de recolha diferenciada de lixo, às vezes jogam o lixo em ribeiras. O facto de termos instalado quatro pontos estratégicos, escolhidos pela equipa que opera no Eco Centro, com bidões para recolha de vidros é um grande início”, refere.
Até agora, garante esta responsável, a população tem participado na recolha colocando os vidros dentro dos bidões que depois são recolhidos e levados para o Eco Centro. Além do mais, já há quem entrega os vidros directamente no centro.
Para que as pessoas adiram ainda mais ao projecto e participem na colecta de vidros, o ECOCV pretende desenvolver mais acções de sensibilização.
A máquina de trituração, que foi inaugurada no verão de 2020 rendeu, até agora, cerca de 1.000 quilos de areia, correspondente a cerca de cinco mil garrafas de vidro, conforme avança Roberta Baduvini.
“Pode ser que em termos de impacto visual as pessoas não reparem, mas são menos cinco mil garrafas nas ribeiras”, enaltece.
Por enquanto, a ECOCV aposta, de acordo com a sua responsável pela área de turismo, na construção civil tanto de empresas como de privados. Ou seja, a areia pode ser misturada com betão, usada na produção de blocos e de pavimentos.
“É claro que queremos fazer tudo em segurança, pelo que a areia tem de ser testada e aprovada antes. Estamos agora em fase de produção de pavimentos juntamente com uma empresa de Santiago que depois irão ser testados e avaliados”, revela.
Por estar à espera da avaliação do produto final, a areia não é ainda comercializa. Entretanto, diz Roberta Baduvini, o centro está aberto a propostas tendo em conta que o objectivo é a produção de areia ser rentável e traga algum ganho tanto para as pessoas que trabalham no centro, como para a comunidade.
Até agora, toda a areia produzida tem sido entregue a uma empresa para ser testada. Aliás, o Eco Centro produz vários tipos de areia, já que a máquina tem vários filtros.
“Dependendo da necessidade, pode ser produzido areia mais fina ou mais grossa”, avança acrescentando que dependendo da necessidade, o objectivo é trazer mais máquinas para o espaço.
Enquanto no Rincão foi evidenciado uma quantidade maior de vidro, em São Francisco o plástico lidera os materiais de lixo. Por isso, a responsável pela área social e de turismo da ECOCV informa que São Francisco está em fase de preparação de outro Eco Centro de recolha e reciclagem de plástico que vai ser também triturado e transformado.
Por amor à comunidade
Wilson Dias, nascido e criado em Rincão, de 26 anos de idade, faz parte do grupo de jovens que trabalha no Eco Centro. Por causa da pandemia da COVID-19, o grupo desdobra-se em dois. Num dia trabalha um grupo e no dia seguinte trabalha outro grupo, assim sucessivamente e de forma alternada.
Com os bidões distribuídos em pontos estratégicos da localidade para que as pessoas possam deixar o vidro, o grupo, com um carrinho, recolhe as garrafas e leva para o centro onde é deixado na água, para depois serem tiradas as etiquetas e a cola, secarem e depois serem trituradas.
Depois de triturar, os jovens pesam a quantidade de areia de vidro produzida, que depois armazenam num bidão. Aliás, a areia é guardada de acordo com a tipologia, fina ou grossa.
Segundo Wilson Dias, a comunidade está satisfeita com o trabalho realizado no centro, mas alguns ainda não se consciencializaram e continuam a deitar a garrafa na natureza.
“Nós não ligamos tanto se deitam ou não na natureza já que recolhemos tudo todas as manhãs. Vamos com o nosso carrinho, recolhemos, lavamos e depois transformamos. Os jovens da comunidade já não deitam a garrafa na natureza, deitam nos barris que distribuímos pela comunidade, inclusive nos bares onde há muito consumo de álcool”, narra.
Para este jovem, o trabalho realizado no centro tem um grande impacto na vida da comunidade tanto para aqueles que ali trabalham, “embora sem salário”, quanto para a natureza que “está cada vez mais limpa”.
Por dia, cada grupo tritura cerca de 100 garrafas, equivalente a 35 quilos de areia. Além de triturar as garrafas, limpam a casa da máquina, a máquina e o espaço que, conforme Wilson Dias, recebe sempre visitas daqueles que querem conhecer esse trabalho.
“As pessoas já começam a mostrar interesse pela nossa areia, já tivemos propostas de venda mas ainda não vendemos. Estamos à espera de um teste que fizemos, só por isso ainda não vendemos”, pontua.
Ainda que estejam à espera de uma avaliação, este entrevistado informa que já disponibilizaram areia para pedreiros locais, além de que eles próprios já o usaram na construção de paredes e pisos. Até agora, garante, o feedback tem sido “muito positivo”.
“Como se diz, carro parado não ganha frete, ao invés de ficar parado em casa estou a trabalhar, mesmo que ainda não tenha rendimento. Fazemos isso por amor à comunidade e para que esteja sempre limpa. Não ganho ainda mas mudou a minha consciência sobre a poluição”, enfatiza.
O projecto Raiz Azul é um acrónimo do projecto Eco Vila, uma abordagem para promover a resiliência do sistema sócio ecológica em Cabo Verde. Esse projecto é financiado pela Darwin Initiative do Reino Unido e desenvolvido, na ilha de Santiago, pela Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), juntamente com a ECOCV. O projecto é ainda desenvolvido com outros parceiros como as Câmaras Municipais, associações locais e o Centro de Energias Renováveis e Manutenção Industrial (CERMI).
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 991 de 25 de Novembro de 2020.