Primeiro veio a seca. Durante três anos, pouco ou nada choveu e a terra secou. A situação chegou a tal ponto de míngua, que em Janeiro de 2020 o Governo declarou a situação de emergência hídrica em todo o país até Outubro.
Mas felizmente, contra os ditos populares que estipulam em 7 o número de anos de um ciclo de seca, ao quarto ano choveu.
A chuva caída permitiu um “escoamento superficial razoável”, avalia a Directora Geral da Agricultura Silvicultura e Pecuária (DGASP), Eneida Rodrigues. Contudo, em algumas zonas, mais áridas, as chuvas “faltaram” no final da sua época, e ao nível da recarga de lençóis freáticos, dependentes de vários factores, o cenário é mais complexo.
Na Justino Lopes, por exemplo, cooperarativa que agrega cerca de 70 trabalhadores, a situação da água não pode ser considerada boa. “Aqui e em Santa Cruz em geral, não podemos dizer que seja um ano bom, porque não é”, conta o presidente da Associação de Trabahadores, João Varela.
“Nós trabalhamos com água, se o lençol freático não carregar,nós não podemos ter água subterrânea”. E o que choveu este ano não foi suficiente, explicita. Esse e outros factores levam-no a declarar que o ano foi negativo.
Em São Domingos, entretanto, Gilson Lopes, presidente da Associação Agro Loura, refere que não houve problemas com a água (de furo). “O problema foi por causa dos gafanhotos que acabaram com os milhos recém-nascidos.”, diz.
Falta milho, sapatinha e outros. Também foram atacados pela lagarta de cartucho.
O apoio do governo chegou “mas na hora que nos ofereceram o tratamento, já era tarde demais”, diz.
De Santiago para Santo Antão. Adilson Gomes, da Associação de agricultores de Ribeira Fria (Porto Novo), traça um cenário semelhante. O ano foi bom em termos “de água de nascente e de furo”, mas as pragas de gafanhoto e de lagarta do cartucho, estragaram a colheita.
“Perdemos mais ou menos à volta de 60% da produção” para as pragas, contabiliza Adilson Gomes.
Pragas
Paula Felisberto é agricultora em Fajã, no concelho de Ribeira Brava. Também ela diz o mesmo.
“Tivemos, e ainda temos, muitas pragas. Está a ser mesmo um ano bastante difícil”, lamenta, acrescentando que os agricultores da sua zona têm reclamado da falta de ajuda para as controlar.
São vários, portanto, os agricultores que se queixam das pragas em vários pontos do país.
A produção de milho, por exemplo, foi comprometida, com excepção do Fogo, reconhece a DGASP. Mas, garante, esta praga foi controlada. “Só no norte de Tarrafal de Santiago é que o gafanhoto chegou ao estado adulto”.
Mas se a praga de gafanhotos, já velha conhecida, terá sido controlada (mesmo que com os prejuízos), caso diferente, é a praga da lagarta do cartucho do milho, uma praga nova, que entrou no continente africano em 2016 e em Cabo Verde um ano mais tarde. Depois da sua entrada, seguiram-se os anos de seca, recorde-se.
Cabo Verde já iniciou a produção do inimigo natural dessa praga, o Trichogramma, no INIDA. Produção nacional e também importada do Brasil foi lançados em algumas localidades.
“Paralelamente distribuímos pesticidas biológicos aos agricultores, e estivemos em algumas localidades a preparar a calda para fazer o tratamento”, conta Eneida Rodrigues. “Mas é uma praga muito difícil de controlar”.
O presidente da Justino Lopes, cooperativa que também foi afectada por esta lagarta “que ataca o milho, mas também quase todos os produtos da cadeia produtiva” reconhece que o “Ministério [da Agricultura] já fez muito, mas não consegue” dar cabo da praga.
Seja como for, a nível desta luta biológica, com a produção nacional e o lançamento do “inimigo natural” nos campos, o próximo ano será certamente melhor. “Claro, tendo em conta que haverá mais inimigos no terreno a parasitar a lagarta do cartucho”, antevê Eneida Rodrigues.
Em Santo Antão, sublinha Adilson Gomes, e tal como em outros pontos do país, a expectativa da chegada desse parasitóide é grande...
Pasto
“A produção agrícola foi fraca”, mas o ano foi “bom para criar animais”, salvaguarda Gilson Lopes, da Agro Loura (São Domingos), em jeito de balanço.
Também para o Presidente da Associação dos Criadores de Gado de Porto Novo, se a chuva não trouxe “benefícios para a agricultura”, devido às pragas, para o pasto foi boa. “Este ano não há problema”, em termos de pasto, congratula-se Romeu Rodrigues.
“A nível nacional a produção de pasto é boa”, avalia também a DGASP. Excepção feita ao Maio, e principalmente à Boa Vista, que apesar de tudo apresentam melhor situação do que no ano passado, quando não houve nenhuma.
COVID-19
Mau ano de produção agrícola, bom ano para o pasto. E a covid.
“O sector agrícola é o sector que foi menos impactado pela covid, porque os produtos cultivaram-se e circularam normalmente” apesar de alguma turbulência no início do estado de emergência, aponta a DGASP.
Embora admitindo que, “sem dúvida”, terá havido perdas na demanda, pelo encerramento dos hotéis, Eneida Rodrigues relembra que, por exemplo, os grandes resorts da Boa Vista e Sal recebem poucos produtos de origem nacional.
Assim, “são menos produtos vendidos, mas não podemos dizer que houve perda de produtos, porque houve sempre uma outra forma de conseguir fazer o escoamento”. Os mercados estiveram sempre abastecidos e a venda online com entrega ao município entrou em força também no sector dos produtos agrícolas, recorda.
Nem todos partilham essa visão positiva. João Varela da Justino lembra que “Santa Cruz é das zonas mais produtivas de Cabo Verde, e também tem seus consumidores no Sal e na Boa Vista”.
Santo Antão, ilha que continua sob embargo, e portanto não “exporta”, já tinha uma crescente dinâmica turistica, e os agricultores locais ressentiram a sua paragem.
“O que nós produzimos em termos de tomate, alface, etc., para restaurantes e hotéis, ficou bloqueado”, lamenta Adilson Gomes.
Já em São Nicolau, Paula Felizberto considera que apesar de alguns agricultores terem perdido clientes “em termos de hoteis”, o facto de haver transporte regular tem permitido escoar os produtos. “Eu mesmo não tive grande dificuldades nas vendas”, exemplifica.
Entretanto, na Agro Loura, a produção é tão pouca que nem compensa a venda. “Já são 4 anos com problemas. “A diferença é que agora temos pasto para os animais e antes não”, resume Gilson Lopes.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 995 de 23 de Dezembro de 2020.