2020 : Um ano de pragas e bom pasto

PorSara Almeida,26 dez 2020 12:31

Depois de três anos de seca, a chuva deu um ar da bênção. Mas nem por isso o ano agrícola é considerado bom pelos agricultores. Um pouco por todo o país pragas destruíram grande parte das culturas. Há porém uma nota positiva: este foi um ano de bom pasto, factor que destaca a diferença dos ciclos precedentes.

Primeiro veio a seca. Durante três anos, pouco ou nada choveu e a terra secou. A situação che­gou a tal ponto de míngua, que em Janeiro de 2020 o Governo declarou a situação de emergên­cia hídrica em todo o país até Outubro.

Mas felizmente, contra os di­tos populares que estipulam em 7 o número de anos de um ciclo de seca, ao quarto ano choveu.

A chuva caída permitiu um “escoamento superficial razoá­vel”, avalia a Directora Geral da Agricultura Silvicultura e Pecuária (DGASP), Eneida Rodrigues. Contudo, em algu­mas zonas, mais áridas, as chu­vas “faltaram” no final da sua época, e ao nível da recarga de lençóis freáticos, dependentes de vários factores, o cenário é mais complexo.

Na Justino Lopes, por exem­plo, cooperarativa que agrega cerca de 70 trabalhadores, a si­tuação da água não pode ser con­siderada boa. “Aqui e em Santa Cruz em geral, não podemos dizer que seja um ano bom, por­que não é”, conta o presidente da Associação de Trabahadores, João Varela.

“Nós trabalhamos com água, se o lençol freático não carregar,nós não podemos ter água subterrânea”. E o que cho­veu este ano não foi suficiente, explicita. Esse e outros factores levam-no a declarar que o ano foi negativo.

Em São Domingos, entretan­to, Gilson Lopes, presidente da Associação Agro Loura, refere que não houve problemas com a água (de furo). “O problema foi por causa dos gafanhotos que acabaram com os milhos recém­-nascidos.”, diz.

Falta milho, sapatinha e ou­tros. Também foram atacados pela lagarta de cartucho.

O apoio do governo chegou “mas na hora que nos oferece­ram o tratamento, já era tarde demais”, diz.

De Santiago para Santo Antão. Adilson Gomes, da Associação de agricultores de Ribeira Fria (Porto Novo), traça um cenário semelhante. O ano foi bom em termos “de água de nascente e de furo”, mas as pra­gas de gafanhoto e de lagarta do cartucho, estragaram a colheita.

“Perdemos mais ou menos à volta de 60% da produção” para as pragas, contabiliza Adilson Gomes.

Pragas

Paula Felisberto é agricultora em Fajã, no concelho de Ribeira Brava. Também ela diz o mes­mo.

“Tivemos, e ainda temos, muitas pragas. Está a ser mesmo um ano bastante difícil”, lamen­ta, acrescentando que os agricul­tores da sua zona têm reclamado da falta de ajuda para as contro­lar.

São vários, portanto, os agri­cultores que se queixam das pra­gas em vários pontos do país.

A produção de milho, por exemplo, foi comprometida, com excepção do Fogo, reconhe­ce a DGASP. Mas, garante, esta praga foi controlada. “Só no nor­te de Tarrafal de Santiago é que o gafanhoto chegou ao estado adulto”.

Mas se a praga de gafanho­tos, já velha conhecida, terá sido controlada (mesmo que com os prejuízos), caso diferente, é a praga da lagarta do cartucho do milho, uma praga nova, que en­trou no continente africano em 2016 e em Cabo Verde um ano mais tarde. Depois da sua entra­da, seguiram-se os anos de seca, recorde-se.

Cabo Verde já iniciou a pro­dução do inimigo natural des­sa praga, o Trichogramma, no INIDA. Produção nacional e também importada do Brasil foi lançados em algumas localida­des.

“Paralelamente distribuímos pesticidas biológicos aos agri­cultores, e estivemos em algu­mas localidades a preparar a calda para fazer o tratamento”, conta Eneida Rodrigues. “Mas é uma praga muito difícil de con­trolar”.

O presidente da Justino Lopes, cooperativa que também foi afectada por esta lagarta “que ataca o milho, mas também quase todos os produtos da ca­deia produtiva” reconhece que o “Ministério [da Agricultura] já fez muito, mas não consegue” dar cabo da praga.

Seja como for, a nível desta luta biológica, com a produção nacional e o lançamento do “inimigo natural” nos campos, o próximo ano será certamente melhor. “Claro, tendo em con­ta que haverá mais inimigos no terreno a parasitar a lagar­ta do cartucho”, antevê Eneida Rodrigues.

Em Santo Antão, sublinha Adilson Gomes, e tal como em outros pontos do país, a expec­tativa da chegada desse parasi­tóide é grande...

Pasto

“A produção agrícola foi fra­ca”, mas o ano foi “bom para criar animais”, salvaguarda Gilson Lopes, da Agro Loura (São Domingos), em jeito de balanço.

Também para o Presidente da Associação dos Criadores de Gado de Porto Novo, se a chuva não trouxe “benefícios para a agricultura”, devido às pragas, para o pasto foi boa. “Este ano não há problema”, em termos de pasto, congratula-se Romeu Rodrigues.

“A nível nacional a produção de pasto é boa”, avalia também a DGASP. Excepção feita ao Maio, e principalmente à Boa Vista, que apesar de tudo apre­sentam melhor situação do que no ano passado, quando não houve nenhuma.

COVID-19

Mau ano de produção agrí­cola, bom ano para o pasto. E a covid.

“O sector agrícola é o sector que foi menos impactado pela covid, porque os produtos culti­varam-se e circularam normal­mente” apesar de alguma tur­bulência no início do estado de emergência, aponta a DGASP.

Embora admitindo que, “sem dúvida”, terá havido perdas na demanda, pelo encerramento dos hotéis, Eneida Rodrigues relembra que, por exemplo, os grandes resorts da Boa Vista e Sal recebem poucos produtos de origem nacional.

Assim, “são menos produtos vendidos, mas não podemos di­zer que houve perda de produ­tos, porque houve sempre uma outra forma de conseguir fazer o escoamento”. Os mercados estiveram sempre abastecidos e a venda online com entrega ao município entrou em força também no sector dos produtos agrícolas, recorda.

Nem todos partilham essa visão positiva. João Varela da Justino lembra que “Santa Cruz é das zonas mais produtivas de Cabo Verde, e também tem seus consumidores no Sal e na Boa Vista”.

Santo Antão, ilha que con­tinua sob embargo, e portanto não “exporta”, já tinha uma cres­cente dinâmica turistica, e os agricultores locais ressentiram a sua paragem.

“O que nós produzimos em termos de tomate, alface, etc., para restaurantes e hotéis, ficou bloqueado”, lamenta Adilson Gomes.

Já em São Nicolau, Paula Felizberto considera que apesar de alguns agricultores terem perdido clientes “em termos de hoteis”, o facto de haver trans­porte regular tem permitido escoar os produtos. “Eu mesmo não tive grande dificuldades nas vendas”, exemplifica.

Entretanto, na Agro Loura, a produção é tão pouca que nem compensa a venda. “Já são 4 anos com problemas. “A dife­rença é que agora temos pasto para os animais e antes não”, re­sume Gilson Lopes.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 995 de 23 de Dezembro de 2020. 

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Autoria:Sara Almeida,26 dez 2020 12:31

Editado porAntónio Monteiro  em  28 dez 2020 9:33

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