Cinquenta inscritos, 80 por cento aprovados, este é, até ao momento, o resultado visível do programa Remote Working Cabo Verde, que tem como objectivo atrair trabalhadores remotos, os nómadas digitais, para o arquipélago. Os dados foram avançados ao Expresso das Ilhas pela secretaria de estado para a inovação.
Apresentado em Dezembro do ano passado, pelo Ministério do Turismo e Transportes, o programa Remote Working Cabo Verde insere-se na visão do Governo para o desenvolvimento do turismo assente na diversificação e desconcentração da oferta no país. Como explicou, na altura, o ministro da tutela, Carlos Santos, o teletrabalho “começa a ser uma temática com ênfase porque, de repente, as pessoas deram conta que é possível trabalhar longe das empresas, ou seja, fora dos espaços ou dos escritórios. E aqui o que está a ser feito é aproveitar esta nova largada, este destaque que se está a colocar nos nómadas digitais, para se conseguir então aproveitar essa oportunidade de negócio”.
Com a pandemia, o teletrabalho é o novo normal para milhares de trabalhadores, mas para os nómadas digitais é uma realidade que abraçaram há muitos anos.
Os nómadas digitais trabalham online e viajam a tempo inteiro pelo mundo. Com a liberdade que têm, os nómadas digitais viajam tendencialmente para os locais mais bonitos do mundo, onde procuram bom tempo, boa comida, actividades na natureza e, acima de tudo, boa internet.
E são esses alguns dos argumentos com que Cabo Verde procura atrair estes nómadas digitais. Como se lê na página Remote Working Cabo Verde: “Se procura o lugar perfeito para trabalhar nos seus projectos remotos nos próximos 6 meses, acabou de descobrir: Cabo Verde tem tudo o que pode desejar – a quantidade perfeita de sol e uma cobertura abrangente de Wi-Fi para que possa trabalhar enquanto aprecia a beleza natural do país”.
O programa consiste num visto temporário de trabalho, com a duração de seis meses, possível de ser renovado por igual período, num custo total de 54 euros por pessoa, e prevê a isenção do pagamento de imposto sobre o rendimento para os trabalhadores independentes que se fixem no arquipélago em teletrabalho.
O Remote Working Cabo Verde, cujas candidaturas podem ser apresentadas por via electrónica, destina-se apenas a cidadãos de países da Europa, América do Norte, da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Obriga, além de um teste negativo para covid-19 para entrar no arquipélago, a apresentação de prova de rendimentos: um saldo médio bancário de pelo menos 1.500 euros nos últimos seis meses, para um visto individual, e de 2.700 euros para um visto de família.
Para além do clima, da cultura, das paisagens, da gastronomia, da paz e da tranquilidade e da boa cobertura de rede, Cabo Verde está a pôr na montra mundial as infra-estruturas que vão sustentar a oferta digital, como os parques tecnológicos da Praia e de São Vicente, que, segundo o governo, estarão concluídos no primeiro semestre de 2021 e o investimento no reforço da conectividade internacional, como o cabo Ella Link, que vai permitir Internet mais rápida. Em Dezembro, quando o programa Remote Working Cabo Verde foi apresentado, o Primeiro-Ministro também garantiu que o governo ia subsidiar e baixar os preços de acesso à Internet.
Como disse o Secretário de Estado para a Inovação, Pedro Lopes, à Link To Leaders, em Janeiro, “temos o objetivo de ser a porta de entrada para o continente Africano, o continente do futuro, mas também queremos posicionar-nos como um hub digital no Atlântico, a meio caminho entre Europa, América do Sul, América do Norte e África. Como? Utilizando a nossa posição geográfica, a nossa estabilidade política, a nossa capacidade de atrair talento para um País seguro e que é conhecido pela sua mistura. Queremos que o talento de vários países se localize em Cabo Verde e que as pessoas que aqui estiverem se sintam criativas e livres para a partir da aqui desenvolver ideias para os desafios do nosso mundo”.
“Podemos ser tão bons ou melhores que outros ecossistemas de inovação no mundo”, sublinhou ainda o governante.
A concorrência é forte
Cabo Verde não está sozinho nesta corrida pela atracção dos nómadas digitais. Milhares de nómadas digitais foram incentivados a mudarem-se para as Caraíbas através da oferta de vistos especiais para “trabalhar em casa”. Barbados deu início à tendência, em Julho, quando começou a oferecer um visto de trabalho remoto de um ano para candidatos que ganhassem 50.000 dólares, ou mais, por ano, desde que o empregador estivesse baseado fora do país.
Desde então, as Bahamas, Santa Lúcia, Bermudas e Antígua lançaram os seus próprios esquemas. São apenas uma das maneiras pelas quais os governos do Caribe, uma das regiões mais dependentes do turismo do mundo, estão a tentar administrar o colapso no número de turistas por causa da Covid-19. “O impacto desta pandemia nas economias caribenhas é [tal que] se houvesse uma escala de furacões acima da categoria cinco – o máximo – seria esta pandemia”, disse ao Financial Times Tahseen Sayed, directora do Banco Mundial para o Caribe.
“Especialmente os pequenos Estados insulares do Caribe foram dramática e desproporcionalmente atingidos pela pandemia, com uma média de cerca de 40% do PIB conectado ao turismo”, sublinhou ainda a responsável. A economia caribenha encolheu 12,2% em 2020, de acordo com o Banco Mundial, e deve recuperar apenas 3,7% este ano. Só em 2024, diz a entidade financeira, é que a economia da região deverá regressar aos níveis pré-pandémicos.
Daí esta corrida aos trabalhadores remotos endinheirados. O visto Barbados Welcome Stamp, custa 2.000 dólares e pode ser obtido, tal como o cabo-verdiano, preenchendo um formulário online. Segundo os dados do Turismo de Barbados, 3.678 pessoas foram aceitas no programa desde o início. Mais de dois terços dos candidatos ao programa, que é isento de impostos, são dos Estados Unidos, Reino Unido e Canadá.
Vincent Vanderpool-Wallace, ex-ministro do turismo das Bahamas, disse ao Financial Times que o esquema de vistos atraiu até estudantes ricos que estudam remotamente em universidades americanas. “O interesse pelo programa foi muito maior do que se esperava”, referiu. “Não vejo razão para ser interrompido. É um dos benefícios decorrentes da pandemia. ”
Na Ponta do Sol, não de Santo Antão, mas da ilha da Madeira, nasceu também um programa para atrair trabalhadores remotos, um projeto piloto único em todo o mundo chamado Digital Nomad Village. Como o nome indica, o objectivo desta parceria entre o governo regional e a Startup Madeira é transformar o município de Ponta do Sol na primeira vila nómada do mundo.
Além de criar um novo local de trabalho para os nómadas digitais, o projeto espera ter impacto na economia local, colmatando a redução de turistas e a sazonalidade do mercado turístico. “A vila tem as condições perfeitas para nómadas que procuram o sol e um estilo de vida tranquilo rodeados de natureza e será a primeira vila nómada do mundo. A beleza natural da vila, o acesso ao mar, à natureza e a excelente internet são os cartões-de-visita desta bela vila para atrair nómadas digitais de todos os pontos do globo”, lê-se no comunicado oficial do projecto.
Na Ponta do Sol, os nómadas digitais terão acesso a um espaço de coworking gratuito, ajuda na reserva de apartamentos ou hotéis, pequenos eventos, actividades desportivas e o contacto com uma comunidade de trabalhadores remotos para criar oportunidades de negócio e networking com a comunidade local. O período mínimo de estadia será de um mês, podendo chegar até aos 6 meses.
No início eram esperados 700 novos trabalhadores remotos, mas depois da notícia ter corrido mundo, mais de 2.600 pessoas aceitaram o desafio, segundo dados de Janeiro deste ano.
Os nómadas digitais já andam pelo mundo há uns anos, mas só recentemente alguns países resolveram criar programas de incentivo e esquemas de atribuição de vistos de residência para oferecerem melhores condições de atractividade. O que procuram estes trabalhadores remotos, para além de locais paradisíacos, um custo de vida relativamente baixo, facilidade com a língua inglesa e excelentes estruturas tecnológicas e de trabalho.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1002 de 10 de Fevereiro de 2021.