Apesar de já participarem na vida política, enfatizou a primeira-dama, as mulheres viam sempre a “porta fechada ou um conjunto de barreiras” que impediam a sua participação em cargos de decisão política.
“A participação da mulher cabo-verdiana foi sempre muito activa, é só olharmos para a nossa sociedade, como que a gente vive”, pontuou Lígia Fonseca, indicando o exemplo das candidaturas que são apresentadas directamente pelas interessadas e não através de partidos políticos ou de grupos.
A primeira-dama de Cabo Verde fez essas considerações em entrevista à Inforpress, à margem da Cimeira Pan-Africana e reunião de compromissos de líderes regionais para melhorar o acesso à água potável, saneamento e higiene, que decorreu sexta-feira, 23, tendo participado através da plataforma digital.
Citou o exemplo de ela própria se ter candidatado, pela primeira vez, ao cargo de bastonário da Ordem dos Advogados de Cabo Verde (OACV), quando, na altura, a maior parte dos causídicos eram homens.
“Eu, enquanto mulher, apresentei a minha candidatura e fui eleita [primeira bastonária da OACV]”, observou, acrescentando que, outrora, quando a apresentação das mulheres à corrida a qualquer cargo era feita por escolha de terceiros ou através dos partidos, estas eram “barradas”.
Na sua perspectiva, tais situações verificavam-se não porque havia falta de mulheres com vontade de participar na vida política ou com competências comprovadas e com capacitação, mas porque havia “entraves que foram afastados com a lei da paridade”, aliás, devido à lei, precisou, verificou-se nas últimas eleições “grande participação das mulheres”.
“Não ouvimos, quer nas eleições autárquicas de 2020, quer nas eleições legislativas de 2021, nenhum partido a queixar-se das dificuldades em cumprir a lei por não ter mulheres disponíveis para a política”, comentou a primeira-dama.
Lembrou que houve partidos que se opuseram à lei da paridade, alegando que seria difícil encontrar mulheres, mas foram estes que “mais mulheres apresentaram como cabeças de listas”.
Para Lígia Fonseca, com as mulheres a ocupar lugares de destaque no parlamento, nas assembleias municipais, nas câmaras municipais e nos conselhos de administração vai-se estabelecer uma “maior participação de homens e mulheres, em igualdade de circunstâncias, na tomada de decisões”.
Segundo ela, estudos mostram que as decisões em Cabo Verde tendem a ter “maior receptividade” por parte da população, porque são deliberações com maior participação dos representantes, quer de homens, quer de mulheres que compõem a sociedade cabo-verdiana.
Instada sobre a forma como a líder da oposição, Janira Hopffer Almada, tem sido tratada nas redes sociais, nomeadamente com uma caricatura em que aparece o líder do partido vencedor das ultimas eleições legislativas a pontapeá-la, a primeira-dama admitiu que “estão a ser demasiado valorizadas coisas que não correspondem à realidade”.
“A primeira vez que vi esta caricatura, quem ma mostrou, indignada, foi a minha filha. Expliquei-lhe que durante a campanha eleitoral houve excessos, é verdade, mas não pela condição do género. Houve excessos inaceitáveis e acho que a nossa sociedade já tem um nível de democracia que não é compatível com achincalhamento político”, precisou Lígia Fonseca, para quem a política não precisa deste tipo de coisas.
Na opinião da primeira-dama, esses casos “são pontuais e é pena que se esteja a dar tanto realce”, porque, afiançou, “se está a querer dizer que a nossa sociedade não aceita as mulheres na política e estudos feitos revelam que isto não é verdade”.
“Não é por ser mulher que hoje em Cabo Verde uma pessoa se deixa de ser eleita”, ressaltou Lígia Fonseca, que explica que isto pode acontecer quando não se consegue convencer o eleitorado da bondade de um determinado projecto.
Citou o exemplo de “um miúdo dos seus nove anos” que, no dia das eleições, lhe dizia que “ia votar na Janira, uma mulher”.
“Isto é um sinal de evolução da nossa sociedade”, concluiu Lígia Fonseca, admitindo, embora, que possam existir “mentalidades retrógradas e preconceituosas”.
Lembrou que em 2011, quando Jorge Carlos Fonseca concorreu às presidenciais, houve quem dissesse que ele não podia ser Presidente da República de Cabo Verde porque era branco.
“Não se deve valorizar isto para se dizer que somos uma sociedade racista”, lançou Lígia Fonseca, que se opõe àqueles que falam mal dos políticos, quando se sabe que são eles que tomam as decisões e gerem os recursos do País, “políticos da oposição e da situação”.
“Uma oposição forte, competente e determinada é essencial para que tenhamos bons governos. O poder de fiscalização e de apresentar propostas, de contra-argumentar e de demonstrar como que se pode fazer melhor ajuda sempre a melhorar”, recomendou Lígia Fonseca.