Luísa descobriu ser hipertensa pouco depois de fazer 60 anos. Embora não tivesse um tipo de vida muito regrado – comia o que lhe apetecia, não fazia exercício… – sentia-se bem. Contudo, ia regularmente ao médico, preocupava-se com o facto de a sua tensão arterial estar sempre alta.
“Não foi à primeira. Achávamos que podia ser uma subida momentânea da tensão no momento da consulta. Mas ele [o médico] ficou alerta e pediu que fosse medindo regularmente a tensão”. Luísa seguiu a indicação. A tensão não baixava. Diagnóstico: o problema já era crónico. Luísa era hipertensa.
Hoje toma medicação, já controla um pouco mais a comida, “principalmente o sal e condimentos”, e está a tentar ser mais regular no exercício físico. A sua situação está regular, congratula-se.
Preço dos medicamentos é um problema
Luísa sabe que terá de tomar medicamentos para o resto da sua vida. O problema é crónico. Derivado a quê? Conjuntura, mas não sabe.
Na verdade, “não se conhece a causa de 95%, talvez um pouco mais, das hipertensões arteriais”, explica o cardiologista Dario Dantas dos Reis. Das poucas que se conhece, algumas (1 a 2%) poderão ter uma “cura”, ou seja, a HTA pode ser corrigida definitivamente. O resto, não. Resta apenas controlar a doença.
“É como uma mola. Comprime-se a mola entre os dedos e enquanto se está a fazer a compressão, a mola está encolhida. Se se solta, a mola dá um pulo. Com a HTA acontece exactamente a mesma coisa”. A situação tem de estar controlada através da medicação. Talvez um dia com o avanço farmacêutico, mas o médico considera que tal não é actualmente provável.
Seja como for, os avanços da HTA, como em quase tudo, têm sido enormes. No mundo e, particularmente, em Cabo Verde.
Quando Dario Dantas dos Reis regressou a Cabo Verde, nos anos 80, poucos dados concretos havia sobre a doença, “uma enormíssima percentagem de hipertensos não faziam tratamento”. Não o faziam por variadas razões: “porque nunca tinham ido ao médico, porque não tinham dinheiro para comprar medicamentos, e outros, que estavam a fazer tratamento, não tinham a situação de Hipertensão Arterial controlada, por ineficácia dos medicamentos, ou por irregularidade na toma”.
Hoje, os próprios medicamentos são muito mais eficazes. “Desde que os doentes os tomem com regularidade, podemos dizer que 95, 98% das situações da HTA são controladas”, avança.
E na sua percepção, os hipertensos, na sua maioria, estão sim interessados em fazer o seu tratamento.
Contudo, alerta, há um grande obstáculo para alguns pacientes que é o preço dos medicamentos.
“Temos medicamentos muito eficazes, mas quem, por exemplo, recebe o ordenado mínimo, não tem dinheiro para comprar”, mesmo sendo medicamentos comparticipados, avisa Dario Dantas dos Reis.
Para o médico, que foi também ministro da Saúde e presidente da Cruz Vermelha de Cabo Verde, este é “um problema muito sério em que teremos de pensar”.
De acordo com a sua percepção, tem havido um esforço grande para a prevenção e tratamento de doenças graves como a diabetes e a HTA, e o intuito de que os “medicamentos sejam distribuídos gratuitamente para que a população possa gozar de mais saúde”.
E o caminho terá de ser esse. “Estou convencido que uma das razões da esperança de vida aumentada em Cabo Verde está em grande parte dependente de um melhor e um maior controlo da hipertensão arterial”, destaca. E também da diabetes. “São dois factores importantes.”
Reduzir o sal, já!
É preciso tratar. Mas também prevenir. A HTA é uma doença pluri-factorial e, geralmente, nem é conhecida a causa.
Sabe-se, porém, que o estilo de vida, o exercício físico, o excesso de peso, “tudo isso tem alguma influência na HTA”, embora não sejam factores dominantes, explica o cardiologista. Também o álcool tem uma influência significativa. Mas os factores dominantes são, acrescenta, a hereditariedade e o consumo de sal.
“O consumo de sal é extremamente importante e nós consumimos em excesso”.
É um dado há muito conhecido. O cardiologista, primeiro da especialidade em Cabo Verde, recorda que já um professor seu dizia que as crianças devem ser habituadas a comer comida sem sal. A comida que ingerimos, na verdade, já tem quantidades de sal/sódio de que precisamos.
Assim, no computo geral e olhando a sociedade de hoje, há a congratular a importância que ao longo dos últimos anos se tem vindo a dar ao exercício físico.
Os magotes de pessoas que se vêem na rua a fazer ginástica ou a caminhar (“se fizesse isso há 25 anos era considerado maluquinho”), o número de ginásios que foram surgindo desde há 15 anos, tudo isso é muito positivo. O fenómeno, embora seja essencialmente citadino, principalmente na Praia e Mindelo, é muito positivo.
“Não há duvidas de que as pessoas começaram a pensar um bocado diferente em relação à sua saúde. E este aspecto da actividade física, de preservar o peso, de a pessoa ter, digamos, alguma vaidade no seu físico, são muito importantes para a saúde”, elogia.
Também no que se refere ao consumo de álcool, exagerado em Cabo Verde, o clínico congratula–se com as iniciativas e programas tomados para a sua redução.
“Temos algumas coisas positivas, sim”, mas falha a abordagem ao consumo do Sal.
“É necessário que se inicie uma campanha para redução do consumo de sal nas cozinhas, redução do sal que se põe no pão que comemos todos os dias”, enfim, um programa específico que alerte para os malefícios do sal, e sensibilize para o seu uso racional. A saúde agradece.
Doença silenciosa, mas mortal
Diz-se que a HTA é um mal silencioso uma vez que não apresenta sintomas, pelo menos até o quadro se agravar ou surgirem complicações.
Luísa não teve sintomas, mas Carlos sim. Tinha 55 anos, sobrepeso e dores de cabeça que não percebia bem e lhe deixavam a vista turva.
Sintomas que vários pacientes do Dr. Dario também manifestam. “Podem começar a queixar-se de tonturas, dores de cabeça, palpitações no peito, e em situações um bocado mais avançadas, quando fazem um esforço, sobem escadas, correm um bocadinho, ficam anormalmente cansados”.
Isso só acontece quando a doença já tem alguma duração, anos.
O facto de ser tão silenciosa, durante tanto tempo, tem outro factor negativo. É que quando descobrem a sua condição, os pacientes começam a medicação. Alguns desses medicamentos têm ligeiros efeitos secundários. Ora, a pessoa que nada sentia começa a questionar se deve continuar.
A resposta médica é pronta e óbvia: deve sim.
A verdade é que esta doença que não dá dor é uma doença de morte. “A doença, por si só, condiciona tudo o resto”, aponta o cardiologista.
A sua principal consequência é arterosclerose, uma doença arterial, que afecta vários órgãos.
“Acontece no cérebro, podendo levar a acidentes vasculares cerebrais (AVC), no coração, podendo levar a enfarte do miocárdio, no rim, levando à insuficiência renal, nos membros inferiores – a insuficiência arterial dos membros inferiores, na retina..”, enumera o cardiologista.
Em suma, “em todos os leitos arteriais poderá haver repercussão da HTA”.
Daí a importância do tratamento e prevenção.
HTA e COVID
Um outro aspecto a ter em conta na HTA é que é frequente co-participação de outras patologias.
Por exemplo, o hipertenso tem com alguma frequência diabetes, o diabético tem com muita frequência HTA. “São duas situações que estão juntas”, observa Dario Dantas dos Reis.
Ambas as doenças estão também presentes em muitos óbitos relacionados com a covid-19, em todo o mundo.
Cabo Verde não é excepção. Sabe-se já, aponta Maria da Luz Lima, presidente do Instituto Nacional de Saúde Pública (INSP), que a maior parte dos óbitos tinham HTA e/ou diabetes. Está a ser revisto inclusive um estudo nesse sentido, em que será possível apurar qual a co-morbilidade mais prevalente.
Os hipertensos, como a covid afecta também o sistema vascular, ficarão pois mais vulneráveis. Mas é preciso não esquecer que muitos hipertensos têm a sua situação controlada, pelo que há todo um conjunto de outros factores a ponderar.
Também Dario Dantas dos Reis lembra essa questão. “A covid é uma doença muito recente e há muitas ideias e “conhecimentos”, entre aspas, que ainda não estão perfeitamente consolidados. Não posso afirmar que quem esteja com a pressão arterial controlada, se comporta relativamente à infecção do SARS- CoV-2 da mesma forma que uma pessoa que não tem HTA. Não posso garantir isto. Agora posso garantir é que se a pessoa tiver a tensão controlada, todos os reflexos que existem nas suas artérias, nas artérias do coração, dos rins, do cérebro, dos membros inferiores do aparelho digestivo, tudo isso, está melhorado. Portanto, é possível que tenha um comportamento melhor do que a pessoa que tenha HTA não está controlada”, explica o médico.
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HTA diminui em Cabo Verde
É difícil falar da evolução em Cabo Verde, uma vez que os dados referentes à doença são relativamente recentes. Mas nos últimos anos, parece ter havido um recuo.
O I Inquérito de Doenças Não Transmissíveis (IDNT) foi realizado em 2007 e mostrava que cerca de 35% da população cabo-verdiana era hipertensa. O estudo foi, entretanto, actualizado. Em finais de 2019 iniciou-se a fase piloto do II IDNT, cujos resultados preliminares foram apresentados no início deste ano. Segundo esses dados preliminares, e conforme citou ao Expresso das Ilhas o INSP, a percentagem de hipertensos terá baixado para cerca de 31% (30,8%).
As razões dessa descida deverão ter a ver com um estilo de vida mais saudável, mas as autoridades sanitárias ainda não avançaram justificações.
Dario Dantas dos Reis também se escusa a avançar hipóteses para o decréscimo, mas recorda que hoje a situação da HTA está mais controlada: há mais pessoas a fazerem tratamento e o próprio tratamento é mais eficaz.
Dia Mundial da Hipertensão
O Dia Mundial da Hipertensão, foi assinalado na passada segunda-feira, 17 de Maio. Este Dia é uma iniciativa da World Hypertension League que tem como objectivos alertar a população para esta doença.
A hipertensão afecta mais de 30% da população adulta em todo o mundo, ou seja, mais de um bilhão de pessoas.
Em Cabo Verde, recorde-se também, 2019 foi marcado como o ano da Hipertensão Arterial. Este ano, 2021, é o Ano do AVC. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 51% das mortes por AVC no mundo têm por base a Hipertensão Arterial.
HTA
A hipertensão ocorre quando a pressão arterial está acima do limite considerado normal (ou seja, quando a máxima está em 120 e a mínima em 80 milímetros de mercúrio, conhecido popularmente como 12 por 8). Acima de 140/90 mm Hg já se considera estar numa situação de hipertensão.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1016 de 19 de Maio de 2021.