“A minha leitura é que ficar preso num terraço, sem dar um passeio, já é infligir dor e sofrimento nos animais, assim como quem deixa o animal na rua. O problema é que para muita gente, este tipo de comportamento não é considerado mau trato. Mas é, e por isso é que acho que a interpretação da lei pode variar. Se for interpretada com o mesmo sentido de, por exemplo, na Europa, a maioria das pessoas que possuem cães em Cabo Verde poderá ser alvo de queixas”, explica Sílvia Punzo, presidente desta organização não-governamental (ONG) de resgate, esterilização, assistência e adopção de animais, com sede no Mindelo, ilha de São Vicente.
A revisão do Código Penal de Cabo Verde, que já entrou em vigor, passou a prever a punição com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias a “quem, sem motivo legítimo, infligir dor, sofrimento ou quaisquer outros maus tratos físicos a um animal de companhia”. Se “resultar a morte do animal ou a afectação grave e permanente da sua capacidade de locomoção”, a pena pode ser agravada para até dois anos de prisão ou com multa até 240 dias.
Além disso, o abandono de animais de companhia passou a ser punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.
Contudo, Sílvia Punzo defende, em entrevista à Lusa, que o conceito de maus tratos que a lei prevê devia ser clarificado.
“Muitos cães passam a vida nos terraços, alguns caem e morrem ou ficam muito feridos. E a prova é que passamos a vida a atender cães que caíram dos terraços das suas casas. Por outro lado, os cães que ficam nas ruas correm o risco de serem atropelados e morrer e isso acontece com frequência”, observa a responsável.
Além destes casos, cita atitudes como acorrentar cães nos quintais e negligência dos donos na procura de ajuda médica quando têm animais de estimação doentes. Actos que “infelizmente”, diz, ainda não são considerados maus tratos pelos cabo-verdianos, por não serem pensados, de início, para provocar dor nos animais.
Acredita por isso que há necessidade de acções para mudar as mentalidades. Por outro lado, diz que com poucos meses em vigor da nova legislação, as pessoas ainda resistem a denunciar às autoridades abusos que testemunham contra animais.
“Não faço ideia de quantas denúncias já foram feitas em São Vicente, mas sei que houve pessoas que nos chamaram para denunciar algum ato, na maior parte sobre abandono e violência contra animais e quando as chamamos para apresentarem as queixas, recusam, há sempre desculpas. Há um pouco de receio e acredito que vá levar tempo até as pessoas se consciencializarem”, lamenta a presidente da associação.
A SiMaBô, que atualmente garante cuidados a quase 150 cães e gatos, prevê promover encontros com o intuito de melhorar as condições de vida dos animais domésticos naquela ilha.
Além disso, segundo Sílvia Punzo, este novo enquadramento legal irá salvaguardar a vida dos animais, recordando a ativista que algumas câmaras municipais avançaram com medidas duras, como o recurso à eletrocussão, para diminuir o número de população canina nas ruas e os ataques a rebanhos.
“Há muito tempo que não se pratica em São Vicente e não tenho notícias se tem acontecido noutras ilhas, mas sei que na Praia foi uma realidade há bem pouco tempo”, recorda.
Com a aplicação desta nova lei, a responsável espera que se reduzam os “altos” números de casos de abandono de animais, tendo em conta o volume de chamadas para resgate que a associação recebe, apesar de recear que a identificação dos infractores continue a ser difícil.
“Recebemos chamada de vizinhos ou das próprias pessoas que abandonam estes animais, muitas vezes quando os animais já estão doentes, ou são atropelados e para não terem que arcar com os custos dizem que os animais não têm dono”, reconhece.