De origem oriental, o narguilé é uma espécie de cachimbo de água, utilizado para fumar tabaco aromatizado. Prática que caiu no gosto de muitos, principalmente jovens, em todo o país, aumentando as vendas desse mercado que ainda não é regularizado.
O ar aquecido por carvão passa pelo tabaco e arrefece no líquido antes de ser aspirado – e eliminado em seguida – pelo usuário. O fumo, também conhecido como essência, é composto de tabaco e frutas ou aromatizantes.
Djey (como prefere ser chamado) tem 23 anos, não fuma tabaco e nem usa drogas ilícitas. Entretanto, há cerca de quatro anos, numa noite com os amigos, decidiu experimentar shisha.
Desde então, não parou de fumar o narguilé apesar de não se considerar um viciado. “Não fumo todos os dias e também não tenho um dia certo para fumar. Basta dar vontade. Não me considero um viciado e penso que é um produto que não vicia ninguém”, avalia.
O jovem que não considera o hábito de fumar shisha um vício, revela que na maioria das vezes o uso é feito em espaços nocturnos voltados para este negócio, na companhia de amigos. Contudo, em casa possuiu vários cachimbos.
“Posso adiantar que nenhum desses cachimbos foram baratos, custaram um bocado. Há aqueles que custam mil escudos, 10 mil, outros 15 e alguns até 20 mil escudos. Tudo depende da qualidade e da marca”, conta.
Para fumar em casa, Djey necessita comprar o tabaco aromatizado, que manda vir de Portugal. “Ultimamente a alfândega não deixa entrar o narguilé e por esta razão venho comprando aqui mesmo, nas pessoas que trazem de fora”, queixa-se.
Conforme refere, comprar o tabaco aromatizado no país custa mais do que importar por conta própria. Cada 50 gramas custam 500 escudos e no caso de decidir comprar a quilo o preço varia entre seis e 10 mil escudos.
Por mês, Djey afirma que pode gastar mais ou menos seis mil escudos com esse produto, dependendo se tiver ou não um estoque para vendas em casa.
“De vez em quando aparece alguém que vem de Portugal e peço para trazer diferentes aromas que depois vendo. No caso de ter o produto em casa, precisando, fumo e assim não preciso comprar no mercado nacional”, descreve.
Djey acredita que não ganha tanto vendendo os tabacos aromatizados por ser também um consumidor. Mas, confessa que conhece pessoas que ganham até 100 mil escudos mensais devido à grande procura do produto, sobretudo dos jovens da sua faixa etária.
Uma visita a um Lounge
Adilson – nome pelo qual é conhecido e como prefere ser tratado – faz parte de um grupo que vem crescendo um pouco por todo o país, o dos investidores em Lounge Bar que fornecem Shisha.
Os Lounge são, ao mesmo tempo, bares e pubs, uma vez que no espaço há um som ambiente, sofás e mesas e uma pista de dança, embora não tão grande quanto uma discoteca.
O espaço, que fica em Palmarejo, abriu em plena pandemia e tem pouco mais de um ano. Além do Shisha, também se dedica à venda de bebidas alcoólicas.
Actualmente, o referido Lounge funciona de segunda a segunda no horário estabelecido pelo governo devido à situação de contingência.
De acordo com este proprietário, há muita procura pelo narguilé, principalmente às quintas, sextas e sábados. Por vezes, mesmo às segundas.
“Posso afirmar que numa noite vendo mais shisha do que bebidas. Há muita saída de bebidas, mas se as pessoas perguntarem por shisha e eu disser que não há, elas levantam-se e vão-se embora, por vezes nem tomam um copo”, destaca.
No início, segundo narra, havia muitos adultos que frequentavam o espaço, hoje a maioria dos frequentadores são jovens com idade compreendida entre os 22 e os 35 anos de idade.
Normalmente, numa noite, Adilson prepara 30 ou 40 cachimbos. Cada sessão de fumo, que dura entre uma hora e uma hora e meia, custa 1.500 escudos.
“1.500 por cachimbo, ou cabeça como costumamos dizer. E quando a shisha termina, recolhemos e enchemos outra vez”, declara.
O proprietário menciona que por vezes, numa única noite, um grupo de amigos pode pedir cinco ou sete cachimbos, embora haja aqueles que peçam dois ou três. Mas nunca apenas um.
Para este proprietário, shisha é um negócio rentável, apesar das dificuldades causadas pela lei da entrada do tabaco no país.
“Na Alfândega afirmam que apenas a Sociedade Cabo-verdiana de Tabacos (SCT) é que pode trazer aquele tabaco. Normalmente, na Europa, é possível comprar um quilo desse tabaco por 40 ou 45 euros. Mas, aqui, eu compro por 9 mil ou 10 mil escudos, dependendo do vendedor”, aponta.
Adilson, que considera 9 ou 10 mil escudos um valor elevado, diz que não há outra solução tendo em conta que a SCT não tem disponível no momento.
“Compramos de pessoas que trazem do estrangeiro para vender. Seria bom que fosse regularizada essa questão da entrada do tabaco de shisha no país. Assim cada um que é dono de um espaço lounge teria o direito de trazer o seu próprio tabaco aromatizado, teria uma licença de importação”, defende.
Ter uma licença para este tipo de tabaco facilitaria, no ponto de vista de Adilson, a vida daqueles que vivem deste negócio, porque permitiria que também trouxessem o carvão necessário para o cachimbo.
Isto porque, um saco de carvão para narguilé pode ser comprado por cinco euros ou até mesmo três quando comprado em grande quantidade. No país, o preço varia entre 1.500 e três mil escudos.
“Então, além do horário da pandemia, isso acaba por dificultar a nossa vida. Porque o crioulo gosta da madrugada e quando os clientes chegam é hora de fechar e a Polícia manda fechar mesmo. Se houvesse uma lei que nos permitisse importar facilitaria muito já que é algo muito procurado no mercado”, lamenta.
Nesta linha, alega que quem traz o tabaco aromatizado, o carvão e o cachimbo do estrangeiro para vender, lucra mais do que aqueles que possuem um Lounge que fornece o produto.
“Nós compramos um quilo por 10 mil escudos, por exemplo, e podemos preparar 40 garrafas com aquela quantidade. 40 vezes 1.500 dá um bom rendimento, mas, como usamos fogão eléctrico, ao pagar a electricidade, tirar uma parte para comprar mais, pagar os funcionários que o preparam, o lucro fica um pouco apertado”, contabiliza.
Para confirmar o quanto o negócio é rentável, Adilson afirma que há muitos jovens que não bebem, não fumam cigarro, mas que, entretanto, fumam shisha “tranquilamente”.
Lucros de até 100 mil escudos mensais
Cláudia (nome fictício) teve o primeiro contacto com narguilé em 2016, quando foi de férias à França. Ao regressar a Cabo Verde, numa noite com amigos, constatou que também era possível consumi-lo no país.
Porém, inconformada com os preços aplicados, mandou vir dois quilos de shisha e um cachimbo para experimentar vender.
Decidiu vender os dois quilos por 12 mil escudos e o cachimbo por sete mil escudos. Com o primeiro cliente satisfeito, começaram a chegar cada vez mais pessoas que perguntavam pelos produtos.
“Foi então que falei com o meu tio, que gosta muito de shisha. Por ele entender melhor dos cachimbos e dos aromas passei a mandar o dinheiro, ele compra e manda com amigos ou conhecidos que vêm de férias”, relata.
Desde então, a jovem conseguiu um número considerável de clientes e apesar de não viver apenas do negócio de narguilé, há meses em que consegue ganhar até 100 mil escudos.
“Antes da pandemia ia de férias mais vezes e sempre tinha um estoque maior desses produtos, até porque havia mais gente que vinha e trazia encomenda do meu tio. Agora é um pouco mais difícil mas continuo ganhando um bom troco”, expõe.
Hoje, comprar um quilo de tabaco aromatizado na Cláudia custa entra 6 mil e 9 mil escudos, dependendo do mercado.
“Há época em que muita gente consegue trazer os aromas do estrangeiro, quando é assim vendo por 6 mil escudos cada quilo. No entanto, quando há escassez no mercado, que é quando há mais gente à procura, o preço aumenta, podendo custar 8 ou 9 mil escudos, dependendo do aroma”, admite.
Os aromas mais procurados, segundo Cláudia, são os chamados Love 66 (melão, melancia e menta) e Jungle Jungle (limões verde e siciliano) da marca Adalya. Ainda assim, costuma trazer outros sabores da marca como Swiss Bonbon (mentol e menta), Mango Tango Ice (manga, maracujá e menta) e Lady Killer (melão, mel, manga, menta e WildBerry).
Quanto aos cachimbos, os preços podem oscilar entre os seis mil e os sete mil escudos. Isto porque, conforme justifica, ao comprar na Europa por 30 ou 40 euros, ao chegar em Cabo Verde poderá haver a necessidade de algumas mudanças no instrumento.
“Muitas vezes temos de mudar a piteira, ou cabeça como chamamos, porque há uns que permitem fumar melhor. Se o cliente for o dono de um Lounge, por exemplo, posso providenciar a troca, mas se for para o uso pessoal de alguém não o faço.
Procurada, a Sociedade Cabo-verdiana de Tabacos informou que ainda não trabalha com shisha, mas que está a estudar a sua composição.
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Apesar de parecer inofensivo, as essências geralmente são compostas por uma mistura de tabaco com frutas ou aromatizantes. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma hora de sessão de narguilé equivale a fumar cem cigarros comuns.
Normalmente partilhada em confraternizações e encontros de amigos, a piteira do narguilé é outro ponto que chama a atenção dos especialistas. De boca em boca, ela aumenta as probabilidades de transmissão de doenças graves, como a hepatite C.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1036 de 6 de Outubro de 2021.