“A economia tem que estar ao serviço das pessoas e do meio ambiente”

PorNuno Andrade Ferreira,27 nov 2021 6:43

Decepcionado com as conclusões da COP26, pela falta de compromisso dos grandes poluidores, o ministro regional para a Transição Ecológica, Luta contra as Alterações Climáticas e Ordenamento do Território do Governo das Canárias, José Antonio Valbuena, acredita que cabe às pessoas exigirem dos seus governos as mudanças necessárias para fazer face às mudanças no clima. Para o político espanhol, que proferiu a conferência de abertura do Campus África 2021, em Tenerife, o ambiente tem que estar na base de qualquer modelo de desenvolvimento.

Em qual dos lados se situa em relação aos resultados da COP26? Entre os optimistas ou entre os decepcionados?

No segundo. Estou com uma certa sensação de decepção em relação à COP26.

Há algo de positivo, ainda assim?

Estamos na COP26 e poucos, para não dizer ninguém, se recordam das primeiras dez COP. A cada ano que passa, a expectativa é maior e creio que, no final, isso acaba por funcionar como uma pressão para que os países tomem decisões. Antigamente, a COP acontecia sem nenhum tipo de reflexo nos meios de comunicação. Contudo, agora, podemos pressionar os países, os grandes responsáveis, que são os Estados Unidos, a China, a Índia, a Rússia, para que, realmente, acreditem na necessidade de mudar de forma profunda, em matéria de acção climática, na implementação de acções de mitigação. Convencer estes países a uma transição dos combustíveis fósseis para as renováveis, a fazerem uma redução drástica da emissão de gases de efeito estufa. Estão a ser muito egoístas e sabem-no.

E a decepção, de onde surge?

Decepção, porque sempre esperei, estava convencido, de que a crise sanitária nos serviria para sabermos que tínhamos que mudar. Bem, em geral, a maioria dos países sabem que temos que mudar, mas faltam, principalmente, os grandes responsáveis e não temos nenhum mecanismo de pressão, a nível internacional, para obrigá-los a mudar. Portanto, decepção, porque os países vão ali tentar pressionar os grandes egoístas internacionais, que não se dão conta que é necessário mudar.

O que poderemos esperar desses países?

No caso da Rússia, é difícil que os habitantes obriguem o governo a mudar de posição e temos o problema energético, porque estamos energeticamente dependentes. Temos esperança nos Estados Unidos e na Índia, mas a Índia tem problemas muito grandes de desenvolvimento.

E quanto à China?

A China exporta produtos para todo o planeta. Em todo o mundo, poderíamos, de alguma forma, limitar o consumo de produtos chineses que não estejam associados à sustentabilidade. Portanto, a batalha é complicada e é por isso que temos que mudar os nossos hábitos de consumo, de forma a que estas grandes economias saibam que os seus grandes clientes, que somos nós, podem deixar de ser clientes se não demonstrarem que são sustentáveis. Agora, é muito complicado.

Estamos a mudar de forma demasiado lenta?

Os cientistas é que têm que dizê-lo. Há que ter em conta que a terra tem 4,5 mil milhões de anos e que as mudanças climáticas são fruto de cerca de 300 anos de desenvolvimento industrial. Se compararmos 4,5 mil milhões com quase trezentos anos, não é quase nada. Portanto, do ponto de vista da idade planetária, estamos a tempo. Contudo, as evidências mostram-nos que nos próximos anos saberemos se estamos a tempo ou não. Atrasar um ano, dois, três anos tem impacto. O ideal seria não nos atrasarmos, mas se o fizermos, estou convencido que a tecnologia nos permitirá recuperar o tempo perdido. Que teremos desenvolvimentos tecnológicos e científicos que nos permitirão acelerar as mudanças de que o planeta precisa.

Temos o mais recente relatório do Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas...

Que nos diz que há efeitos que não se vão reverter nem no próximo século, mas apenas no século XXIII. Há que esperar pelo século XXIII para começar a ver uma “marcha-atrás”. Por exemplo, o nível do mar. É dito que, só em finais do século XXII, começará a baixar. Acontece o mesmo com a acidificação dos oceanos. Ou seja, há efeitos que vão continuar a ser sentidos pelas próximas gerações de habitantes. As escalas planetárias nada têm a ver com a nossa escala, mas somos nós e as próximas quatro gerações quem tem que cumprir esta tarefa, para que se evite repetir o que se fez no passado.

O que se pede é uma mudança de paradigma. Uma mudança muito grande de paradigma.

E a leitura é distinta, dependendo do país. Por exemplo, em Espanha, nas Canárias, temos muitas das infraestruturas que mais conflituam com o meio ambiente, não precisamos de mais, mas não podemos exigir a mesma coisa a um país em desenvolvimento. Esses países precisam de criar oportunidades que não têm na actualidade e que os países desenvolvidos já têm.

Coloca o ambiente no centro dos processos de decisão.

Temos que saber que no topo está o meio ambiente, a seguir as pessoas e depois a economia. Nos países desenvolvidos, a economia tem que estar ao serviço das pessoas e do meio ambiente e não ao contrário.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1043 de 24 de Novembro de 2021. 

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Autoria:Nuno Andrade Ferreira,27 nov 2021 6:43

Editado porFretson Rocha  em  28 nov 2021 8:04

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