“O circuito de atendimento, desde o primeiro contacto com as polícias, passando pelas estruturas de saúde e pelos tribunais, continua a ser um calvário, o que precisa ser melhorado”, considerou a ministra, que falava, na cidade da Praia, na abertura de uma formação sobre técnicas de audição de crianças e perícias médico-legais realizadas em Cabo Verde.
De acordo com Joana Rosa, as crianças são ouvidas por polícias e procuradores, sem a presença ou acompanhamento de psicólogos, em salas comuns e ainda são obrigadas a encarar e a enfrentar o agressor nas salas de audiência.
Neste sentido, a governante sugeriu que uma criança vítima de qualquer abuso ou agressão possa ser ouvida uma única vez, ter acompanhamento psicológico, ter assistência judiciária gratuita e permanente e reforço de medidas cautelares para avaliar riscos de exposição.
“Assim, torna-se necessário que a comunidade jurídica faça uma reflexão se justifica levar ao parlamento uma lei que regule o circuito de atendimento, de forma que se possa garantir às vítimas um atendimento ao nível da sua condição”, desafiou.
Admitindo que o atendimento das crianças vítimas não é adequado, levando ainda à sua exposição, falta de sigilo profissional e curiosidade comunitária, Joana Rosa sugeriu também a criação de uma sala para o reconhecimento das vítimas, com segurança.
“Situações que acontecem no circuito e que carecem de uma solução”, entendeu a ministra, sublinhando o facto de a formação estar a acontecer numa altura em que o país está a instalar o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses (INMLCF), com apoio de Portugal.
“O que será um ganho, pois as vítimas vão poder ser avaliadas por médicos legistas, em espaços reservados, com garantia de confidencialidade, na Praia, tanto nos gabinetes de medicina legal que serão criados nas delegacias de saúde”, indicou.
Para além de dedicar à resolução de casos envolvendo mortos, a medicina legal também engloba casos de avaliação de pessoa viva, desde casos de agressão física e de abuso sexual.
Destinada a magistrados, agentes da Polícia Nacional e da Polícia Judiciária, psicólogos, bem como delegados de Saúde, a formação de dois dias é realizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
Visa promover conhecimentos sobre os procedimentos na realização das perícias médico-legais no âmbito da patologia forense e da clínica forense e desenvolver competências para o melhor desempenho das funções desses profissionais.
O procurador-geral da República, Luís Landim, salientou a importância dessa formação, que vem na sequência de projectos anteriores e programas complementares, nomeadamente a verificação oficiosa da paternidade, também com apoio e financiamento da Unicef.
“É necessário reforçar competências dos profissionais para melhoria da prática e da aplicação das regras na identificação, audição, processamento e notificação e acompanhamento jurídico adequado dos casos de violência sexual contra crianças”, entendeu a mesma fonte.
Referindo que os crimes praticados contra crianças devem merecer “atenção especial” das autoridades judiciárias, o PGR cabo-verdiano também sublinhou o facto de a capacitação dos profissionais acontecer quando o país está a criar o seu Instituto de Medicina Legal.
“Constituirá, seguramente, um grande ganho para a justiça”, afirmou Luís Landim, dando conta de “milhares” de processos parados por causa de atrasos na realização dos vários tipos de exames.
De acordo com o relatório anual sobre a situação da Justiça, relativo ao ano judicial 2020/2021, elaborado pelo Conselho Superior do Ministério Público (MP), os crimes sexuais participados registaram uma descida no último ano, com a entrada de 461 queixas no MP (menos 21,5%), sendo 157 de abusos sexuais de crianças (-33) e 108 de agressão sexual (-22).
Ainda assim encontram-se pendentes, a nível nacional, 1.053 processos referentes a crimes sexuais, menos 16,6% face a 2019/2020, e foram resolvidos 670 processos.
Na sua primeira mensagem de Ano Novo enquanto Presidente da República dirigida ao país, José Maria Neves chamou a atenção para as “marcas chocantes” de violência baseada no género e da violência contra menores, reafirmando que se trata de uma “vergonha nacional”.
“É chegada a hora de dizer basta! Um basta do lado da sociedade e igualmente do lado dos poderes públicos”, vincou o chefe de Estado, que antes já tinha dito que toda a sociedade está a falhar no combate e pediu “tolerância zero” a esses crimes.