Pais solteiros cabo-verdianos movem mundos e fundos para os filhos

PorSheilla Ribeiro,19 mar 2022 8:47

Segundo o Instituto Nacional de Estatísticas, a maioria das famílias monoparentais, em Cabo Verde, são chefiadas por mulheres. Entretanto, muitos homens também criam os seus filhos sozinhos ou porque assim o decidiram, ou pelos acontecimentos da vida. E é neste momento que todos os estereótipos caem por terra e a figura do “durão” dá lugar ao lado sensível e protector. Mas, como é ser pai numa família monoparental masculina? Aproveitando o Dia do Pai, o Expresso das Ilhas trouxe as histórias de dois exemplos desses pais que fizeram questão de estar presentes na vida dos filhos após a separação.

Vítor Mascarenhas, 28 anos, é pai “solteiro” de um menino de sete anos, num regime de guarda unilateral há sete anos. “Eu e a mãe decidimos, após a separação, que a criação do menino ficaria por minha conta. Isto quando ele ainda tinha seis meses de vida”, relata este progenitor, que vive com o filho na casa da mãe, num quarto separado. A avó (mãe de Victor), conforme diz, ajuda na criação do neto.

“Por exemplo, neste momento estou a jogar na ilha do Maio e ele fica com a minha mãe. Mas, quando estou na Praia sou eu quem cuida”, afirma, acrescentando que esta situação acontece quase sempre, tendo em conta que não possui um trabalho fixo e, muitas vezes, tem de se ausentar da cidade da Praia, quando aparece um “biscaite”.

Aliás, Vítor Mascarenhas admite que como pai que cria um filho sozinho, o maior desafio é conseguir um trabalho de modo a garantir o pão e tudo que há de melhor para o seu rebento.

“Por mais que as pessoas digam que todo trabalho é bem-vindo, o trabalho de receber na hora não é para quem tem uma família. Porque consiste em trabalhar agora, receber agora e comer agora. O amanhã depende do aparecimento, ou não, de outro trabalho. Então, para mim, o maior desafio é conseguir um emprego fixo para suprir todas as necessidades do meu filho”, revela o jovem pai que ao longo dos últimos sete anos trabalhou “em um pouco de tudo”.

No que se refere aos cuidados e a educar o menino, Vítor Mascarenhas afirma que não teve nenhuma dificuldade porque o filho “é esperto, aprende rápido e é obediente”. Apesar do esforço para não faltar nada, este jovem pai reconhece não poder substituir a mãe. “Ele conhece a mãe e sente muito a sua falta… bastante. E pergunta sempre pela mãe que fica sem ver por meses ou até mesmo ano”, lamenta.

Se o filho insistir em perguntar pela progenitora, o pai liga a pedir que faça uma visita. Se isso não acontecer, Vítor diz que leva o filho até à mãe de manhã e vai buscá-lo no final do dia. “Ele não chama a mãe de mamã, mas sim uma tia que cuidou dele durante uns meses em que eu estive a trabalhar numa outra ilha. Ele apanhou o hábito de chamar essa tia de mãe e chama a minha mãe de vovó”, prossegue.

Sociedade

Para Vítor Mascarenhas a sociedade não nota quando um pai é esforçado, ou até mesmo quando cria um filho sozinho. “Notam apenas quando o pai abandona um filho”, declara.

Por esta razão, o jovem pai garante que tudo o que puder fazer pelo filho, faz. Por exemplo, diz que neste momento está na ilha do Maio para jogar futebol. Entretanto, diz que vai largar a temporada e regressar para a cidade da Praia.

“O meu filho está doente, ainda não recebi nada e vou ter de mandar dinheiro para ele. Faltam quase dois meses para receber o meu ordenado, porque o contrato que assinei estabelece que vou receber apenas no fim da temporada. Vou largar tudo e regressar porque a minha mãe condenou o facto de ainda não ter mandado nem sequer cinco escudos para o meu filho. Isso tirou-me do sério, e deixei de ter foco”, narra.

Vítor Mascarenhas menciona que neste momento o filho precisa da sua presença, mais do que ele precisa da bola, visto que a mãe desta vez não vai poder ajudar.

“A minha mãe não pode abandonar o trabalho para ir buscá-lo na escola já que a própria mãe do menino não faz nenhum esforço para ajudar. Eu nunca pedi nada à mãe dele, nenhuma roupa, nenhum iogurte, a única coisa que pedi foi a sua presença. E nem isso ela dá”, discorre.

Mário Reis, outro exemplo

Também pai solteiro, Mário Reis cuida da filha desde 2011, quando esta tinha apenas 11 anos. Na altura, não encarou o cuidado da filha como um desafio e sim como um dever.

“O cuidar, o educar não é um desafio. Quem é pai ou mãe tem o dever de cuidar do seu filho, já que é o espelho do filho, deve saber o que fazer porque é o que define o futuro da criança”, observa.

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Ao contrário do que aconteceu no caso do Vítor, após a separação, a decisão de quem ficaria com a criança não partiu dos adultos. Mário Reis conta que a própria filha decidiu que queria viver com o pai a partir daquele momento e de vez em quando passa o final de semana com a progenitora.

“Então apesar de viver comigo, de uma certa forma tive a ajuda da sua mãe. E sem a presença a tempo inteiro da progenitora, sempre contei com a ajuda dos vizinhos nas situações em que eu não sabia como agir com a menina”, explana.

Mário considera completamente normal um pai criar uma filha ou filho sem a mãe, já que o contrário acontece muitas vezes.

“Sabendo da nossa responsabilidade, sabendo que a criança depende de nós, não podemos fugir dessa realidade. Eu acho bonito um pai que assume a responsabilidade do filho, principalmente quando é menina, longe da mãe. Um pai que dá à filha tudo o que for necessário, é bonito”, enfatiza.

Por este motivo, acredita que não há necessidade de uma lei que facilite a vida de um pai solo. A prioridade, ao seu ver, deve ser sempre para a mãe.

“Porque nem sempre os pais assumem as suas responsabilidades, há aqueles que não estão presentes na vida dos filhos e há aqueles que mesmo vivendo na mesma casa com a criança não servem como pai. Ser pai não é apenas pôr comida na mesa, pai é aquele que cuida, dá carinho, dá amor. Principalmente o amor e ensinar o que é bom para amanhã”, justifica.

“Muitos dos problemas que temos hoje na sociedade são derivados da falta de um pai presente, que ensine o que é correto ou não. Mas também é culpa da mãe que muitas vezes esconde do pai, quando o mesmo é rigoroso”, finaliza.

Para este Dia do Pai, Mário dos Reis pede aos homens que cuidem dos filhos, “carne da sua carne e sua maior riqueza”.

“Um filho é a nossa riqueza e não um carro ou dinheiro no banco. Um filho é a fonte de tudo. Na morte de um pai quem vai chorar por nós, um filho ou o dinheiro? Reflictam”, finaliza.

Psicólogo explica paternidade

Segundo Nilson Gonçalves, a paternidade solo, num ponto, coloca hoje o pai como uma instituição em grande transformação e, num outro ponto, como um ser psíquico, destacando a sua importância para o desenvolvimento do filho.

“Preocupação com o cuidado, a protecção, os afectos, a identidade e a manutenção dos vínculos. Caso não consiga fazer essa transformação e adaptação da funcionalidade, a consequência será tanto a nível comportamental, negligência aos deveres e direitos, riscos comportamentais; como psíquico, em termos de descompensação e desequilíbrio”, aponta, citando como exemplo o stress, a ansiedade, crise de pânico e dificuldade afectiva.

Já no filho, o psicólogo reitera que a paternidade solo tem maior impacto, podendo provocar problemas na fixação da identidade e personalidade. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1059 de 16 de Março de 2022.

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Autoria:Sheilla Ribeiro,19 mar 2022 8:47

Editado porAndre Amaral  em  21 mar 2022 7:05

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