Em Fevereiro passado,o especialista português Carlos Gonçalves, voluntário da Fundação Humana, esteve em Cabo Verde para ministrar formação em suporte básico de vida e desfibrilhação automática externa (DEA) a um conjunto de estruturas em Santiago Norte (Santa Catarina) e Praia. No total formadas mais de 60 pessoas, entre as quais profissionais de saúde, bombeiros, professores e outros.
Uma formação importante, face as estatísticas que mostram que Cabo Verde, tal como o resto do mundo, tem uma elevada mortalidade por doença cardiovasculares, que são uma das principais causas de morte no país.
“É um problema grave de saúde púbica, porque a população é fortemente hipertensa, tem fracos recursos de apoio médico e as hipertensões conduzem, para além dos AVCs a enfartes agudos do miocárdio”, aponta o técnico superior de cardiopneumologia.
Apesar da importância do uso dos DEA, quando ocorre um cenário de paragem cardiorrespiratória não há aparelhos (para uso público) em Cabo Verde. Mesmo junto aos bombeiros da Praia existe apenas um equipamento, doado em 2011 por uma entidade espanhola, mas que os bombeiros não sabem utilizar.
“Em vez de estar a bordo de uma ambulância, para ser usado diariamente, estava metido numa arrecadação, com a bateria completamente esgotada, inutilizado. Foi oferecido, mas ninguém deu a formação, ou se deram formação não se conseguiu implementá-la”.
De qualquer forma, sublinha, não há técnicos capacitados para o seu uso. “É uma área de formação que é carenciada no país inteiro”, observa Carlos Gonçalves.
“Toda esta matéria está por desenvolver”. Com a formação, a Fundação Humana pois deu um pontapé de saúde e proporcionou uma amostra do que poderá fazer, caso haja mais parcerias, uma vez que, a ser implementado ao nível do país, não é um trabalho que possa ser sustentado pelo voluntariado.
Locais com DEA
O sonho da fundação é ter um desfibrilhador, junto a entidades públicas e também privadas “para que as pessoas possam utilizá-lo e tentar salvar uma vida”, à semelhança do que acontece em outros países Europeus e na América.
Em Portugal, por exemplo, onde a Fundação está sediada, foi criado o Programa Nacional de Desfibrilhação Automática Externa em 2009, e desde 2012 é obrigatória a instalação de equipamentos de DAE em determinados locais de acesso público inclusive nos estabelecimentos comerciais de maior dimensão.
Em Cabo Verde, e como referido, não há um único equipamento de desfibrilhação.
“Este é um dos projectos que Fundação gostaria de ajudar implementar” no país, juntamente com as entidades sanitárias e governamentais responsáveis, uma vez que sem o envolvimento das autoridades públicas seria impossível.
A avançar com um programa do tipo, Cabo Verde seria o primeiro país africano “a ter este tipo de equipamentos em locais públicos”.
Ainda é preciso basicamente fazer tudo no que diz respeito aos DEA em Cabo Verde. Seria necessário fazer uma proposta, elaborar um plano, disponibilizar verbas, formar, etc, etc… Criar algo sustentável e com continuidade a nível nacional.
Questionado sobre qual, na sua opinião, deveria ser a prioridade Carlos Gonçalves considera que um Programa de Desfibrilhação Pública em Cabo Verde deveria começar pelos aeroportos.
“Até mesmo como cartão de visita para quem chega e visita o país. O aeroporto seria a prioridade e depois as instâncias de saúde”, complementa.
Deveriam então seguir outros espaços públicos, como as escolas e campos desportivos, e depois, também restaurantes, bares, e demais espaços privados cuja dimensão o justifique.
Fundação Humana
A Fundação Humana foi criada em Maio de 2020 e é uma ONG que tem como missão principal a prestação de cuidados continuados de saúde e de apoio social.
A sua fundadora e presidente é Cláudia Semedo, cabo-verdiana radicada em Portugal.
Nascida na cidade da Praia, Cláudia Semedo foi estudar em 2011 no Equador para estudar medicina. Contudo, devido à instabilidade do país, viu-se obrigada a abandonar os estudos. Depois de um período em Cabo Verde, rumou para Portugal, onde fez o curso de Fisiologia Clínica.
Fez também uma especialização em cuidados continuados e paliativos e trabalhou num Lar.
Essa experiência mostrou-lhe como vivem e são tratadas as pessoas com doenças crónicas e as pessoas em fase terminal de vida. Viu como era, e como Cabo Verde havia necessidade de lugares e serviços do tipo.
Em Cabo Verde “as pessoas são levadas para casa, porque o hospital não pode ficar com essas pessoas. O hospital tem de tratar as pessoas na fase aguda da doença. Quando a doença é prolongada tem de se ter um lugar onde acolhe essas pessoas”, explica.
Em casa, os familiares que cuidam, fazem o que podem, mas não estão preparados para tal função.
Dessas constatações nasceu a vontade de criar algo que colmatasse essa falha e proporciona-se aos portadores de doenças crónicas ou degenerativas e pessoas na fase terminal de vida mais qualidade de vida.
A ideia é abrir um centro que acolha essas pessoas, proporcionando adicionalmente, para os não residentes do centro, apoio domiciliário. A fundação busca parcerias para avançar com o projecto. Já se candidatou inclusive a um financiamento da Fundação Gulbenkian para construir um lugar de raiz adaptado para a função.
“Foi o primeiro passo que demos. Ainda não temos resposta”. Foi-lhes, entretanto, pedido um estudo mais aprofundado usando dados recentes que mostrem a prevalência das pessoas com doenças crónicas em Cabo Verde. O problema é que não existem dados recentes, sendo que os que a equipa descobriu – e sobre os quais elaborou o projecto – datam de há dez anos, lamenta Cláudia Semedo.
“Isso não é válido” e a Humana procura agora dados mais recentes.
A esta vertente primeira da fundação foram-se somando outras. Em Maio do ano passado, por exemplo, distribuiu 350 kits higiénicos às mulheres de Santiago Norte.
E angariou já mais de 100 aparelhos de medição da tensão arterial, durante uma campanha realizada no ano passado, e que seriam distribuídos por diferentes unidades sanitárias. Contudo, devido aos elevados montantes exigidos para o desalfandegamento (dos quais já tiveram experiência na altura da doação dos kits higiénicos, que custou cerca de 600 euros), ainda não foi possível proceder ao envio dos aparelhos.
“Dizem que temos isenção, mas é preciso pagar uma taxa [de desalfandegamento] que é, eu acho, um valor exorbitante”, conta a presidente da fundação Humana.