Os armadores de pesca estão a sofrer com o aumento de preços nos combustíveis, com alguns a optar por parar parte da frota. Revelação feita pelo presidente da associação do sector, João Lima, para quem não é possível continuar a operar com o valor do gasóleo marinha aos níveis actuais.
O líder da Associação dos Armadores de Pesca de Cabo Verde (APESC) recorda a importância e a incerteza inerentes à actividade pesqueira.
“Toda a nossa actividade está a ser impactada. Há armadores que têm mais do que uma embarcação, já estão a parar algumas embarcações, porque independentemente do mecanismo de compensação que o governo adoptou, ainda o preço é exorbitante”, explica.
“O sector das pescas é sector primário de produção, em que o armador sai para pescar e não sabemos se vamos encontrar cardume. É como sair para jogar um totoloto. Não podemos continuar com o [actual] preço do gasóleo”, complementa.
A mais recente actualização de preços máximos, efectuada pelo regulador, colocou o gasóleo marinha nos 110,2 escudos/litro, um aumento de 9,2% face a Abril, o que se traduziu em mais 9,3 escudos por litro. Em Maio de 2021, o produto era comercializado a 64,34 escudos/litro, o que significa uma subida superior a 70% em 12 meses.
“Com o valor exorbitante do preço do gasóleo, o armador não consegue sair para os bancos de pesca que ficam mais longe de São Vicente ou Santiago. Os colegas armadores que andam a pescar na zona da Boa Vista e no Sal, para transportar o pescado para São Vicente, para fornecer esta conserveira aqui, estão no mundo da amargura”, refere o dirigente associativo.
A APESC quer sentar-se com o governo para negociar soluções.
“Estamos aqui a pagar o aumento do preço do gasóleo, que é internacional e entendemos em parte, mas também temos um outro problema, porque não estamos a conseguir compensar o nosso défice com o preço do pescado para as conserveiras”, lamenta João de Deus Júnior.
O presidente da Associação de Armadores de Pesca realça que, apesar do aumento exponencial do preço do gasóleo marinha, o preço por quilo do pescado comprado pela indústria conserveira manteve-se inalterado – 67$00 no caso da Melva, principal espécie transaccionada.
“Muitos dizem que o mercado é livre, mas como é que o mercado é livre se os armadores não conseguem ditar o preço?”, questiona, apelando à criação de uma entidade habilitada a fixar preços de referência.
Pesca artesanal
Pela natureza de subsistência, o impacto da subida dos preços dos combustíveis na pesca artesanal é particularmente crítico. Em São Pedro, uma das principais zonas piscatórias de São Vicente, o presidente da associação de pescadores alerta que os actuais custos com combustíveis tornam a saída para o mar “insustentável”. Sem capacidade para aumentar o preço do pescado, Luís Andrade antecipa que muitos botes poderão, em breve, ficar no areal.
“É a primeira vez que registamos uma subida do combustível [nesse nível], com um litro quase a 200 escudos [N.R.: os botes de boca aberta têm motores a gasolina]. Sabemos que os recursos nas zonas costeiras estão escassos, temos que partir para mais longe. É complicado, tendo em conta que saímos de uma pandemia, lidamos agora com as consequências da guerra na Europa. Sem ajuda do governo, muitas embarcações ficarão nas praias, porque não temos como suportar”.
No Maio, o presidente da associação local, Vitorino dos Reis, define o actual momento de “frustrante” e “degradante”.
“Está a afectar-nos muito. [Também] afecta as vendedeiras e os compradores. Sempre que há um aumento no combustível, a tendência é o aumento dos preços, mas os pescadores estão cientes que o poder de compra está baixo. A situação não é boa para a população. Se o Estado nos apoiasse, seria muito importante”, apela.
A diminuição da captura é um problema adicional.
“A quantidade é pouca. Cada vez a nossa vida está a ficar mais complicada, porque o preço está a aumentar e a quantidade de peixe a reduzir. Aqui no Maio, o banco não é tão distante, agora, os pescadores que ultrapassam o canal, podem gastar uns 30 a 40 contos para ir tentar alguma coisa”, contabiliza.
Em Santiago, José Rui de Oliveira, presidente da Associação dos Pescadores e Peixeiras da Ribeira da Barca e responsável da cooperativa de pesca de Santiago Norte, comenta que, ao agravamento dos preços dos combustíveis, juntou-se ao problema da falta de gelo.
“Temos aqui muitos barcos de pesca artesanal, temos os barcos semi-industriais e não temos gelo suficiente, porque não existem máquinas para abastecer a comunidade. É preciso muito esforço. Esta subida [do preço dos combustíveis] vem prejudicar ainda mais a situação”, sintetiza.
À semelhança de outros líderes associativos, José Rui de Oliveira reconhece o peso de uma conjuntura externa desfavorável, mas pede ao governo que discuta com os parceiros internacionais mecanismos de apoio ao sector pesqueiro.
*com Fretson Rocha
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1067 de 11 de Maio de 2022.