Bióloga alerta para degradação marinha iminente nas baías de São Francisco e Quebra Canela

A bióloga marinha Edita Magileviciute chama a atenção para a degradação marinha nas baías de São Francisco e Quebra Canela, duas das mais procuradas praias balneares de Santiago, que devido ao “factor humano” vêm enfrentando perdas no ecossistema marinho.

Plásticos e produtos químicos são os principais causadores da poluição de mares e oceanos. Poluição marinha é aquela caracterizada pela presença de lixos sólidos e poluentes líquidos nas águas dos mares e oceanos, frutos de actividade humana.

A bióloga marinha Edita Magileviciute, em conversa com o Expresso das ilhas, sublinha algumas acções dos humanos, que vêm “paulatinamente” contribuindo para a perda da diversidade de peixes e corais presente nas baías de São Francisco e Quebra Canela.

A má notícia

Segundo a bióloga marinha, as áreas cobertas por algas e ouriços-do-mar apresentam tendência de expansão. Grandes quantidades de lixo, especialmente perto da zona balnear, são evidentes, e incluem desde sacos e garrafas de plástico, pneus e latas de cerveja até calcinhas masculinas.

“No caso da praia de Quebra Canela, mas não é uma característica peculiar do local, a quantidade de lixo encontrada é impressionante. Da mesma maneira, por ser uma das praias mais procuradas, mas que não dispõe de casa de banho pública, devemos questionar onde são feitas as necessidades por parte dos utentes? Tudo é feito na água! Quebra Canela é muito procurada, e em Cabo Verde faz sol praticamente o ano inteiro. A concentração desses dejectos orgânicos eleva-se em demasia, invertem-se os seus efeitos, e ao invés de beneficiar, passa a prejudicar o ecossistema, transformando-se, assim, num poluidor. Mata, no extremo, os corpos d’água”, expõe.

Na baía de São Francisco por sua vez, o efeito da sobrepesca e a perda de espécies são cada vez mais notáveis. Por exemplo, as garoupas pequenas, hoje, são mais difíceis de se ver. Ao mergulhar em algumas áreas, como conta a bióloga marinha, pode-se ver que os peixes têm medo dos humanos.

Durante o período de mergulho, Edita Magileviciute conta que não se vê quase nenhuma espécie de peixe por perto, e as poucas que se podem notar, procuram abrigo nas pedras para fugir dos humanos.

“Ficamos tristes ao descobrir que a área que exploramos é dominada por algas, o que pode ser uma consequência da sobrepesca de peixes herbívoros e da pesca intensiva com redes. Em geral, a quantidade e a diversidade de peixes foram bastante baixas na baía de Quebra Canela, em comparação com as zonas da nossa pesquisa na parte oeste de Santiago. O coral duro também parece estar desaparecendo na floresta de algas na baía de São Francisco”, conta.

Principal factor de poluição

A cada ano, oito milhões de toneladas de plástico vão parar nas águas dos oceanos, levando à morte de 100 mil animais marinhos, conforme dados da Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, a instituição afirma que, caso o ritmo de consumo continue o mesmo, em 2050 pode haver mais plástico do que peixes nos oceanos.

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O lixo produzido nas cidades, as microesferas de plásticos presentes em cosméticos, os resíduos industriais, o atrito de pneus nas ruas e o descarte incorrecto de tintas acrílicas também são factores que contribuem para a entrada do plástico na vida marinha.

O plástico leva em média 400 anos para se decompor e libera gases tóxicos que podem afectar o solo, a água e o ar, prejudicando alimentos e animais e causando doenças nas pessoas.

O microplástico tem origem na degradação do plástico que é deitado em águas de mares e oceanos. Essas partículas plásticas minúsculas contaminam a água e os animais marinhos. Actualmente é um dos principais problemas relacionados à poluição marinha e a sua presença em águas oceânicas é um dos principais problemas ambientais. Todos os resíduos de plástico que descartamos no meio ambiente liberam os gases de efeito de estufa, como o dióxido de carbono. Isso contribui para as mudanças climáticas através do aumento da temperatura.

“As consequências negativas, como as secas, já enfrentamos em Cabo Verde. Os animais frequentemente sufocam com o lixo flutuante e muitos ingerem esses resíduos, confundindo-os com alimentos. Ao ingerir o plástico, os animais sofrem uma falsa saciedade e, com o plástico no estômago, são incapazes de ingerir partículas de alimentos, acabando assim por morrer de desnutrição. Além disso, o plástico entra na cadeia alimentar e estima-se que quem consome frutos do mar regularmente ingere cerca de 11 mil pedaços de microplástico por ano”, aponta.

A bióloga refere ainda ao facto de alguns casos registados de microplástico presente no organismo humano, e explica que é uma consequência recorrente da acção humana que pouco tem contribuído para mudar o ritmo da produção de plástico.

Não é apenas o plástico que tem a capacidade de contaminação, outros resíduos oriundos de indústrias, como vidros e substâncias tóxicas, podem invadir e poluir o mar, causando vasta infecção aos ecossistemas aquáticos. Toda a comunidade ecológica é vítima do caos, diante do descarte indevido dos resíduos.

Boas notícias

De acordo com a bióloga marinha, em ambas as praias balneares, há alguns pontos que ainda resistem à acção dos humanos. Pontos onde se nota maior quantidade e diversidade das espécies, e onde o lixo está menos presente.

“Podemos observar que ainda temos, em alguns pontos dessas duas baias, juvenis de peixes Dobrada, Argulinha e Castanheta, e, para nosso orgulho, a endémica tainha preta foi registada. A abundância de Ruibos ainda está lá, e cardumes de chicharros podem ser observados, alguns Garopinhos ou o cornudo também, na praia de Quebra Canela”, informou.

O caminho certo a seguir

Edita Magileviciute insiste que o caminho certo é a redução do lixo que é, a seu ver, o maior factor poluente actualmente. Não é um problema particular das ilhas de Cabo Verde, como conta essa responsável, mas o país pode e deve contribuir para a reabilitação e proteção das espécies, uma vez que possui uma diversidade única e uma localização privilegiada no oceano. Ao reduzir estamos a poupar os recursos naturais, combatendo o desperdício e diminuindo a geração de lixo e a consequente poluição ambiental.

Em algumas localidades onde foram feitas algumas campanhas de limpeza, a bióloga conta que o vento trazia os resíduos de volta para o mar, ao ser descartado na lixeira. Essa responsável conta que foi feito um estudo na comunidade de São Francisco e Rincão, para apurar qual resíduo é mais predominante. O plástico tem maior incidência na comunidade de São Francisco e a comunidade de Rincão lida com um volume maior de resíduos de vidro.

A Associação Cabo-verdiana de Ecoturismo (ECOCV), através do projecto “Raiz Azul” financiado pela The Darwin Initiative, do Reino Unido, instalou no Ecocentro das duas comunidades, uma máquina para triturar o vidro, e de tratamento de resíduo plástico

O Projecto reciclar vidro em areia e da areia para construção civil na ilha de Santiago, é um exemplo de como reduzir a quantidade de resíduos poluentes no ambiente.

Ekonatura – centro de reciclagem e de artesanato

Ekonatura é um centro de reciclagem e de artesanato cabo-verdiano, criado no âmbito do projeto “Raiz Azul” da Associação Cabo-verdiana de Ecoturismo (ECOCV), que através da reciclagem de vidro e plástico, produz vasos e vários objectos decorativos. O objectivo é reduzir o volume de lixo, principalmente em zonas costeiras, uma vez que esses resíduos acabam por entrar nas baías, prejudicando o ecossistema marinho.

“Cada dia trabalhamos em prol de um futuro melhor! Em São Francisco o plástico lidera os materiais de lixo. Por conta disso a Eco Centro de recolha e reciclagem de plástico realiza trabalhos para triturar e transformar esses resíduos. Produzimos areias de vidro, tijolos e blocos para construção civil, vasos diversos, porta copos. Uma solução prática para cada um reduzir a sua pegada de dióxido de carbono, é separar as garrafas de plástico tipo HDPE ou PP (tampas também) e levar ao Ecocentro em São Francisco. Ali a equipa recicla o plástico em coisas bonitas que também armazenam o seu CO2”, destacou.

Os moradores das comunidades piscatórias de Rincão, Porto Mosquito, São Francisco e Gouveia, na ilha de Santiago, que antes deitavam todo o vidro no lixo, agora vêem este material ser recolhido e transformado em areia destinada à construção civil. Um dos objectivos é reduzir a apanha deste inerte. Tudo isto acontece graças ao projecto “Raiz Azul”.

A transformação de resíduos em novos objectos têm-se mostrado uma saída eficaz para a redução dos resíduos. No Ecocentro de São Francisco, são feitos diversos vasos de formatos diferentes, blocos para construção, tijolos para a pavimentação, tudo feito com 100% de areia de vidro reciclado, bem como chaveiros, porta copos, vasilhas, feitos de 100% de plástico reciclado.

A bióloga conta que o maior desafio é escoar esses produtos, por isso, investem fortemente na divulgação, para dar a conhecer as vantagens de usar materiais reciclados.

“Esses materiais ainda, por exemplo os materiais de construção civil, são mais custosos do que os materiais normais, mas se pensamos a longo prazo, só temos a ganhar. Se o Governo por exemplo criar políticas para o sector da construção civil utilizar os materiais reciclados, o Estado só tem a ganhar, reduzindo a quantidade de resíduos, protegendo o ambiente no seu todo”, afirmou.

A ideia, como nos conta a bióloga marinha, é desenvolver políticas que incentivem as pessoas a optar por materiais reciclados. Desenvolver políticas, por exemplo, onde o Estado oferece algumas vantagens ao consumidor que optar por um produto que não agrida o ambiente.

“As câmaras municipais, por exemplo, no calcetamento das estradas ou passeios, ao invés de usarem as pedras normais, poderiam optar por um reciclado. Contribuem assim para o ambiente, e ainda incentiva a população a adoptar as mesmas medidas. Todos os dias vemos obras do Governo que utilizam por exemplo a areia comum, poderiam usar a areia de vidro, reduzindo este resíduo no país, e os gastos para deter esse tipo de material que leva milhões de ano para se desfazer”, sugeriu.

A responsável sublinha que é importante investir na redução e reciclagem. Na comunidade de São Francisco, foram dispostos vários bidões para receber o resíduo para reciclagem, o que tem contribuído bastante para deixar a comunidade mais limpa e o mar mais protegido.

“No caso de Cabo Verde, a separação do lixo não resolve porque não há um sistema de recolha adaptado, no final tudo é recolhido da mesma maneira e vai para o mesmo lugar. É preciso conhecer as limitações e adoptar soluções coerentes com a realidade nacional”, disse.

No que se refere às praias balneares, a responsável, sugere às autoridades que investam em soluções como casas de banho público e contentores, e considera importante manter uma acção de fiscalização e conscientização para informar aos frequentadores das praias sobre o quão é importante manter e proteger a vida das espécies. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1069 de 25 de Maio de 2022. 

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Autoria:Edisângela Tavares - Estagiária,28 mai 2022 6:30

Editado porFretson Rocha  em  28 mai 2022 19:27

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