“A actual situação económica do país é extremamente difícil para os consumidores em geral, principalmente para as camadas mais vulneráveis. A solução é agir em várias frentes. Na nossa visão a economia tem que fortalecer internamente através da nossa produção interna, a nível da agricultura, por exemplo, para melhorar o sector, desde a produção até chegar no consumidor, trabalhar no sentido de os produtos chegarem aos consumidores mais baratos.”, explicou ao Expresso das Ilhas.
Que medidas implementar?
Eva Marques sublinha que o país pode melhorar internamente. Ao nível de ofertas, a presidente da ADECO aponta para o sector do turismo, que considera como um sector para se apostar na melhoria dos serviços prestados e aumentar as ofertas.
“Mesmo com as dificuldades com a economia, a nível dos transportes aéreos, o turismo vem aumentando, temos de fortalecer as ofertas neste nível, prestação de serviços de qualidade, com uma boa fiscalização, porque o que falta no nosso país é uma fiscalização assídua. Prestar um serviço de qualidade na administração pública, são coisas que podem ser trabalhadas internamente para melhorar, e desta forma não estarmos tão dependentes de factores externos.”, afirma.
Na visão da ADECO é preciso elaborar estratégias internas “mais urgentes e mais eficazes” que possam ajudar os consumidores a suportar o impacto da subida dos preços dos bens e serviços básicos, e poder garantir o acesso aos produtos.
Custo de vida das famílias elevado e poder de compra baixo
A presidente da Organização das Mulheres de Cabo Verde (OMCV), Idalina Gonçalves, testemunhou ao Expresso das Ilhas que actualmente no dia-a-dia da organização deparam com situações muito delicadas. Mesmo as pessoas que podem ser consideradas com um nível médio, em termos salariais, estão com um poder de compra “incrivelmente” baixo, e aqueles com um nível salarial baixo a situação é ainda pior. Essa responsável classifica a actual situação do país “deveras preocupante”.
“É muito mais preocupante ainda para aqueles que dependem de uma pensão social e aqueles em situação de extrema vulnerabilidade que dependem de doações. A situação tornou-se crítica devido ao actual contexto, onde o emprego diminuiu, o emprego nas zonas rurais tornou-se mais difícil ainda devido à escassez de água, em consequência dos quatro anos de seca. No cenário internacional devido às complicações da guerra na Ucrânia, ficou mais complicado ainda, não só para os cabo-verdianos que vivem no país, mas também para aqueles que vivem na diáspora. Os cabo-verdianos que vivem na diáspora são uma alternativa grande para os familiares que vivem no país que contam com as remessas, vestuários, alimentação e tudo que os imigrantes costumam ajudar”.
Adalgisa Gonçalves conta que enquanto organização, os recursos tornaram-se mais escassos, e a cada dia há mais pessoas precisando de ajuda em diversas frentes.
“A situação está complicada, e tudo se complicou mais ainda com o aumento exponencial dos preços dos bens e serviços o que se reflete directamente no aumento do custo de vida. A situação requer medidas mais urgentes. É claro que o Governo já tem planos de mitigação, mas temos que acompanhar os dados que apontam que várias famílias estão em risco de não ter acesso aos alimentos. Podemos acompanhar pelas notícias, pessoas que estão a viver numa situação degradada e sem alimentos. São precisas medidas urgentes e direcionadas às comunidades. Nós da sociedade civil estamos a desenvolver o nosso trabalho e estamos totalmente abertos e disponíveis ao Governo para que juntos possamos garantir que as ajudas possam chegar directamente à população, para minimizar a carência alimentar”, sublinhou.
Insegurança social
Walter Barros, mentor do projecto Believe e presidente do Instituto do Desporto Walter Barros, acredita que a actual situação do país vem agravando a insegurança social. Este activista social explica que o aumento do custo de vida coloca algumas famílias em situação de vulnerabilidade.
“A onda de insegurança que actualmente enfrentamos em Cabo Verde, não é de hoje, mas tudo se agravou por conta da falta de condições de algumas famílias. É preciso entender que a família é a base de tudo. Protegendo a família estaremos protegendo a sociedade”.
Este responsável acrescenta que a falta de recursos obriga os chefes de família muitas vezes a se ausentarem o dia inteiro. Este activista social refere ainda o facto de a maior parte das famílias cabo-verdianas serem monoparentais, com mulheres na liderança. É a mulher que além de ser mãe é a provedora do lar que tem que trabalhar para garantir o sustento da família.
“Recentemente deparamos com menores de 15 anos apreendidos pelas autoridades por participação em actos graves de delinquência. Onde estavam os responsáveis quando estes menores de idade se desviaram para o crime? Poço responder: estavam trabalhando para garantir um prato de comida na mesa. É preciso chegar perto da comunidade para se perceber a real carência da população. Só falar em medidas de mitigação dos impactos da inflação ou das diversas crises, não resolve. É preciso equidade junto das famílias, junto da comunidade para se chegar ao objectivo final que é uma sociedade segura e desenvolvida”, acrescentou.
Pedidos de ajuda
A representante da Sociedade Cooperativa de Poupança e Crédito, SOLMI, Jéssica Fonseca, sublinha que a cada vez mais pessoas querendo desenvolver alguma actividade geradora de rendimento para driblar a crise económica. Segundo esta representante, a situação é ainda mais urgente para as pessoas que se encontram no desemprego e sem acesso a uma pensão social ou algum tipo de rendimento.
“Na perspectiva da ONG, o país está a enfrentar um dos maiores desafios a nível social e económico. Os últimos anos foram anos seguidos de seca, da crise sanitária provocada pela COVID-19 e atualmente o aumento dos preços provocado pela guerra. Apesar da crise, a economia está a funcionar relativamente bem, estamos a rever a retoma de alguns sectores, nomeadamente do turismo (de forma tímida), mas, em contrapartida, a segurança alimentar dos cabo-verdianos está a diminuir com impacto arrasador sobre a camada mais desfavorecida da sociedade. Os pedidos de ajuda aumentaram consideravelmente devido à escassez da chuva e a inflação dos preços. Existem chefes de família no interior da ilha de Santiago sem perspectiva de trabalho ou de um bom ano agrícola, que amenizaria a situação. É fundamental conhecer de perto a realidade das famílias e desenvolver estratégias adequadas a cada uma delas para garantir o sustento e a segurança alimentar”.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1076 de 13 de Julho de 2022.