Estúdios de fotografia tentam sobreviver no mercado e criam associação

PorSheilla Ribeiro,28 ago 2022 9:18

A arte da fotografia, assim como a maioria das profissões, enfrenta desafios e avanços de todas as proporções na era tecnológica. Actualmente, o mercado encontra-se um pouco saturado e os estúdios veteranos procuram espaço para se manterem no mercado. Para tal, criaram uma associação visando a regularização da profissão e a organização dos profissionais.

O fotógrafo Eneias Rodrigues conta ao Expresso das Ilhas que para muitos fotógrafos as fotografias para documentos são o negócio mais rentável. Entretanto, alega que a adopção de passaportes electrónicos e o Cartão Nacional de Identificação fez muitos estúdios fecharem as portas e que outros estão perto de fechar.

“Posso dizer que 90% das pessoas já não gostavam das fotografias para os documentos por causa da luz, enquadramento e outros aspectos. Agora, para os documentos electrónicos em que nem sequer aqueles que usam óculos podem usá-los, as reclamações aumentaram”, afirma.

Para Eneias Rodrigues, o governo devia criar uma plataforma que permitisse adicionar as fotografias, tiradas num estúdio, mediante o número de processo. Uma forma de garantir a sobrevivência das casas de fotografias.

“Desta forma haveríamos de ter ganhos para os dois lados. De um lado, as pessoas passam a gostar mais das fotos que vão ver durante cinco anos ou a vida toda num documento vitalício. Porque ao tirar as fotografias num estúdio vão ter boa luz e podem usar qualquer cor de roupa e podem usar os óculos”, defende.

O fotógrafo diz que meter alguém “sem qualquer formação na fotografia” para fotografar numa espécie de web camera, acaba por “banalizar ainda mais” a fotografia e por “sufocar” os negócios do sector.

Desafios

Eneias Rodrigues trabalha fotografias de casamento, de eventos, de moda, fotografias de publicidade, entre outros no estúdio e fora dele.

Por isso, precisa que, hoje em dia, nem sempre as pessoas procuram qualidade dos serviços existentes no mercado, a menos que tenham um pouco de poder económico.

“Infelizmente temos pessoas que não têm um estúdio, que por possuírem um pequeno flash e basta saberem fazer mais ou menos uma edição, acham que é tudo, cobram um preço muitíssimo baixo. Mas, quem prima pela qualidade acaba sempre por ter algum mercado”, ressalta.

Segundo este profissional a concorrência desleal é um grande desafio à sobrevivência dos estúdios.

“Há pessoas que cobram 30 ou 50 escudos por uma fotografia, 700 escudos por cada 10 ou 20 fotos. Como é possível? É algo que preciso ser visto. Por esta razão criamos uma associação para ver se regularizamos um pouco a profissão no mercado de Cabo Verde que não está dos melhores”, revela.

Um outro desafio, segundo Eneias Rodrigues, tem a ver com a falta de cultura de partilha entre os profissionais da área.

“Por exemplo na Praia, há cerca de três óptimos estúdios com óptimos profissionais, mas toda gente quer ter o próprio estúdio. Se tivéssemos a cultura da partilha, aqueles com óptimos estúdios poderiam disponibilizar o espaço àqueles que não o possuem”, comenta.

Isto porque, conforme esclarece, os fotógrafos não alugam um estúdio dado que teriam de cobrar mais pela fotografia e assim teriam menos clientes.

“Eu vivo só de fotografia e design gráfico, criei a minha empresa na área. Não posso dizer que é uma empresa que está a vontade, tranquila. Todos os meses são de luta. Quem tem algum nome no mercado sempre consegue alguma clientela”, observa.

Eneias Rodrigues menciona que há clientes que pagam pela elaboração de um álbum e que neste caso, tem de mandar fazer no exterior. Mas, o preço da alfândega é desencorajador.

“Mando fazer o álbum fora do país e pago para trazer. Mesmo assim, ao chegar tenho de pagar um valor elevado na alfândega para receber um simples álbum de fotografia. As vezes é como se pagássemos para realizar um trabalho. Infelizmente”, exemplifica.

Associação Cabo-verdiana de Fotógrafos

No entender de Eneias Rodrigues, o boom de fotógrafos banaliza um pouco a profissão e a luta agora é procurar melhorar a qualidade dos serviços de forma a valorizar a fotografia no país.

“Quanto mais conhecimento tiver um fotógrafo, mais deve cobrar pelo seu trabalho e assim poderemos valorizar o mercado”, argumenta, acrescentando que este é um dos princípios da criação da Associação Cabo-verdiana de Fotógrafos.

Apesar de recente, a coligação já soma mais de 200 profissionais. Porém, Eneias Rodrigues salienta que ainda faltam mais fotógrafos e que a associação está a estabelecer contactos.

Mais de 200 profissionais cabo-verdianos no país, na diáspora e estrangeiros que exercem a profissão em Cabo Verde.

Além de saber quantos fotógrafos existem no território nacional, a Associação Cabo-verdiana de Fotógrafos pretende regularizar a profissão e organizar os profissionais, promover worskshops e formações, realizar tertúlias e outras actividades.

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“Quando tivermos órgãos sociais e um lugar definitos, queremos trazer pessoas de fora para formações e workshops, assim como organizar saídas para fora de Cabo Verde e promover a troca de experiências. Só assim podemos melhorar a fotografia em Cabo Verde e torná-la num negócio mais rentável e poderemos ter profissionais que vivem da fotografia”, enfatiza.

A associação, de acordo com Rodrigues quer ainda que os fotógrafos levem a profissão mais a sério e que primem mais pela qualidade do que pelo dinheiro.

“E que sejamos mais amigos uns dos outros e mais parceiros”, conclui.

Convencer clientes a imprimir fotografias

No ano 2000, surgiu a Foto Repórter no Platô. Hoje, 22 anos depois, resistindo à evolução tecnológica o estúdio ainda mantem as portas abertas, apesar de registar enormes quebras no negócio.

O responsável do espaço, Deogato Barbosa destaca a adopção de documentos electrónicos como a maior causa de quebra na facturação.

“As pessoas têm procurado mais por fotos para levarem às embaixadas, delegacias de saúde e sendo assim não há tanta procura”, reconhece.

Nas datas efemérides, embora não tanto quanto antes, ainda há uma certa procura por fotografias de estúdio.

“Mesmo assim muitos deixaram de fazer as fotos em família. Por outro lado, tem havido mais procura por objectos, como por exemplo copos, personalizados com fotografias”, revela.

O que também fez com que o negócio da fotografia se tornasse menos rentável tem a ver com a diminuição das impressões. Actualmente, quando fazem fotografia no estúdio, a maioria opta por tê-las no formato digital.

“As pessoas mais velhas ainda continuam a imprimir as fotos e até compram álbum. Os jovens raramente imprimem e quando imprimem são no máximo três. Por isso passamos a disponibilizar as fotografias através de email, viber ou outro suporte digital”, informa.

Deogato Barbosa reitera que a empresa tem feito esforços para convencer os clientes a imprimirem as fotografias. Para tal, vem realizando muitas promoções, mesmo saindo a perder.

“Por exemplo quando o bebé nasce fazemos um álbum de capa dura personalizada com a primeira fotografia, hora, peso e outros dados. Personalização tem sido uma grande aposta de sobrevivência”, narra.

Na mesma linha de Eneias Rodrigues, Deogato Barbosa cita que o facto de muitas pessoas terem acesso à uma máquina fotográfica tem constituído um grande desafio.

“É algo que aconteceu e acontece com muitos jovens que se formaram em multimédia por exemplo, e que com o acesso a um programa de edição filtram fotos e publicam nas redes sociais. Os jovens gostam porque o que conta é o que está na moda. Isto contribuiu para a queda da fotografia que deixou de ser natural. Hoje em dia todo mundo é fotógrafo, a quantidade aumentou e a qualidade diminuiu. Isso também desvalorizou o preço da fotografia e afectou muitos negócios”, mostra.

Contudo, acrescenta que a empresa tem apostado cada vez mais nas redes sociais para atrair clientela.

De 50 a cinco fotografias por dia

Há 30 anos, Albino Baptista abriu o estúdio Pingo D´Oro em Achada Santo António. Na época, a grande procura por este serviço permitiu-lhe construir a casa de dois andares sem precisar recorrer à banca.

“Houve uma grande revolução no negócio da fotografia, uma diferença grande. A popularização da fotografia trouxe grandes desafios, agora com os telemóveis e o facto de se fazerem documentos electrónicos temos muito a queixar. Perdemos muito negócio e se hoje tivesse que pagar a renda, já tinha fechado as portas do estúdio”, diz.

Albino Baptista conta que nos últimos anos vem se dedicando mais às fotos para documentos. Entretanto, com a digitalização passou a fazer de 50 a 5 fotografias, no máximo, por dia.

“Num dia podemos fazer, no máximo, cinco fotografias. Antes podíamos fazer 50 fotos por dia, sobretudo nesta época das férias que muitas pessoas viajam para o exterior. Ficamos limitados às fotografias para pedidos de vistos”, lamenta.

Quando consegue fazer outros tipos de fotografia, Albino Baptista admite que o preço é baixo. Apesar de considerar a fotografia como tendo grande importância, o fotógrafo refere que não investe tanto na publicitação dos seus serviços e que deixa o legado para ser continuado pelos mais jovens. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1082 de 24 de Agosto de 2022. 

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Autoria:Sheilla Ribeiro,28 ago 2022 9:18

Editado porAndre Amaral  em  29 ago 2022 8:45

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